Cheguei naquele pequeno chalé imaginando que o clima seria pesado. No mínimo triste. Bem feito pra mim. Gelson Vargas, o Gelsinho, para os íntimos, me recebeu sorrindo. E seu pai, Lauro, orgulhoso. Não fazia um mês que a dupla havia recebido do curso de Fisioterapia da Unisc uma cadeira motorizada. E o clima no Bairro Vila Nova, em Cachoeira do Sul, era só alegria. Diagnosticado com distrofia muscular quando ainda era um bebê, Gelsinho pôde, aos 40 anos, sentir um pouquinho do que chamou de liberdade. “Antes eu estava dentro de uma gaiola. Agora, posso voar.”
Se durante toda a vida dependeu do pai 24 horas, hoje basta seu Lauro acomodá-lo na cadeira para que tome as rédeas do próprio caminho. Se vai no vizinho bater papo ou no mercadinho da esquina, pouco importa. Agora ele vai sozinho. E como agradece…. A doença que enfrenta causa degeneração progressiva da estrutura e dos tecidos musculares. Por isso, nunca soube como é estar de pé. Sua condição física se resume em ficar curvado sobre as pernas e pés atrofiados, mexendo lentamente as mãos e a cabeça. Como o corpo não o ajuda como gostaria, Gelsinho transfere essa energia para os (bons) pensamentos.
Nesse ritmo, procura estar envolvido. Que guri que não para quieto! Aciona os amigos pelo Whats, faz instalações dentro de casa, canta, conversaaaa (esse gosta de uma boa prosa) e ainda encontra tempo para contar piadas. O pai, aliás, já sabe de cor boa parte do repertório. “Minha cerveja preferida é a Simidão”, diz o filho. “É porque se dão pra ele, ele gosta”, explica o pai rindo à toa.
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Se tivesse a cabeça fraca, como assim mesmo gosta de ressaltar, Gelson poderia ter todos os motivos para apenas existir (e ainda reclamar). Mas não. Busca dar sentido aos seus dias. Adora passear. Vibra com o vento no rosto. Dá boas gargalhadas. E o melhor, Gelsinho ama. No dia em que o conheci, ele fez questão de me mostrar a homenagem que preparou para a menina que recentemente paquerava. Mesmo com suas limitações na hora de mexer no computador, encontrou inspiração para elaborar poemas apaixonados e criar um vídeo de mais ou menos três minutos. “Não copiei nada. É tudo daqui óó”, me disse enquanto apontava para a cabeça.
Bonito era ver o brilho nos olhos dele enquanto a produção rodava na tela. Uma musiquinha romântica de fundo e muitas fotos da tal moça, sua ex-vizinha, em cena. Sem papas na língua – Gelson é despachado e vergonha não faz parte da sua rotina –, ele me contou um pouco da história. Como se apaixonou por ela e por onde anda a tal menina dos seus olhos. Hoje ele não sabe se um dia vai poder reencontrá-la, tampouco se o seu amor será correspondido. Não aparenta se importar, porém, com essa incerteza. A música escolhida, o carinho ao escrever as mensagens e o esforço desprendido para criar o tal vídeo dizem muito sobre a força de vontade de Gelsinho. Sem perceber, ele encontra mais um motivo para seguir. Ganha autoestima, sente-se vivo. E vai dizer que com amor tudo não fica mais florido mesmo?
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