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Ninguém segura

‘Agora eu sou um passarinho que pode voar’

Gelson Vargas, ou Gelsinho, para os íntimos, se emancipou. Se antes dependia do pai até para sair do portão de casa, agora desfruta de uma autonomia que pôde conquistar somente aos 40 anos. Portador de distrofia muscular, ele ganhou do curso de Fisioterapia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) há pouco mais de duas semanas uma cadeira de rodas motorizada.

Nos últimos dias, a chuva atrapalhou a vontade de  sair para dar uma voltinha pelas redondezas de Vila Nova, bairro onde reside com o pai em Cachoeira do Sul. Mas o tempo firme previsto para este fim de semana vai, finalmente, dar asas àquele sonho planejado há quatro décadas. “Antes eu era um passarinho dentro de uma gaiola. Agora, posso voar. E quando esse passarinho voa, fica todo faceiro”, diz Gelsinho.

Gelson pesa 23 quilos, não fica de pé e tem o movimento dos dedos e mãos limitado. Ele enxerga o mundo debaixo. Mas nem por isso baixa a cabeça para o mundo. Sentadinho, acomoda os joelhos em esponjas para não sentir dor e procura passar seus dias fazendo aquilo que gosta. Se não está assistindo a documentários de animais na televisão, permanece no computador editando fotos ou ainda no WhatsApp conversando com os amigos. “Eu uso um ‘pauzinho’ para digitar no teclado e para o celular, o pai adaptou isso aqui para mim”, diz, enquanto mostra a engenhoca feita por seu Lauro. O segredo do acessório é a ponta com borracha que fica sensível ao touch screen e permite que Gelson tire selfies, mande vídeos e interaja nos grupos do aplicativo.

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O queridão da vizinhança também gosta de cantar. Orgulhoso, Gelson  dá uma cópia do seu CD de cover sertanejo à equipe de reportagem. Não esquece, igualmente, de agradecer ao professor de música José Luís Müller, responsável por ensinar as técnicas de afinamento de forma voluntária.

Todo atarefado, Gelson ainda se ocupa com outra função: instalador. Se tem fio, televisão ou qualquer outro equipamento eletrônico, ele está no meio. É até conhecido por ajudar os vizinhos nas instalações.

Natural de Restinga Seca, Gelsinho é o único dos três filhos de Lauro que ainda vive. Os irmãos Laudir e Giseli faleceram aos 6 meses e 9 anos. Já a mãe sofreu aneurisma e segue em Restinga. Faz 17 anos que pai e filho sobrevivem de um salário mínimo e de doações. “Fico impossibilitado de trabalhar, pois não tenho com quem deixar ele. Até já tentei, mas não quero que o Gelson passe trabalho na mão dos outros. Uma vez tiveram a cara-de-pau de cobrar R$ 10,00 para levar ele ao banheiro”, lembra Lauro. E nada como cuidado de pai. Aos 64 anos, ele esbanja carinho e experiência quando precisa carregar o filho de um cômodo ao outro da casa. A parceria é tanta que a dupla vive de brincadeira e o pai até já sabe de cor as piadas de Gelson. “Minha cerveja preferida é a Simidão”, diz o filho. “É porque se dão pra ele, ele gosta”, explica o pai. E o filho retruca: “O pai às vezes é meio louco. Começa a dançar sozinho pela casa.” E os dois caem na gargalhada.

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Parceiros, assistem aos jogos do Inter juntos, conversam sobre a vida, almoçam, jantam e vão dormir na mesma hora. Somente ao acordar é que a rotina muda. Lauro levanta antes para preparar o café da manhã e o chimarrão. Gelson chama o pai para trocá-lo e escovar os dentes só depois. E assim, a rotina no pequeno chalé segue. Lauro faz pelo filho apenas o que Gelson não consegue realizar sozinho. Depois, estimula que ele mesmo “se vire”. E o filho corresponde à expectativa. “Às vezes eu nem sei da onde tiro tanta força. Me apavoro comigo mesmo”, diz Gelson, determinado. E Lauro sorri.


Pai e filho parceiros: Lauro estimula a independência de Gerson
Foto: Bruno Pedry

O “computador do Alarico”

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Gelson é teimoso e bateu o pé porque queria estudar. Depois de ingressar na Apae, entre 1988 e 1991, convenceu as professoras e os próprios pais de que tinha condições de completar o ciclo de estudos em uma escola convencional. Foi então que fez amigos e cativou toda a comunidade escolar da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Alarico Ribeiro. Por lá conquistou até um apelido: o computador do Alarico. “É porque eu ia muito bem em matemática”, diz, todo orgulhoso.

E o pai lembra dos desafios diários para levar o pequeno à escola. “Eu levava ele em um carrinho que arrumei com rodas de carroça. Quando chovia, colocava uma lona por cima. Podia até faltar a professora, mas o Gelson não faltava.” Em 2003, Gelson completou o ensino médio com vontade de ser juiz, mas suas condições financeiras o impossibilitaram de entrar em uma universidade.

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Sonho agora é visitar Minas Gerais

Após ganhar a cadeira de rodas motorizada adaptada, Gelson realizou seu primeiro sonho. O segundo, que acredita ainda estar distante, faz seus olhinhos brilharem: quer andar de avião e conhecer Minas Gerais. Ele tem paixão pelo Estado e cita dois motivos que o deixam atraído pela terrinha mineira. Além de ser menos frio que o Rio Grande do Sul, uma ex-vizinha reside em Poços de Caldas. “De lá ela e o marido pagam fisioterapia particular para mim. Além disso, fiz outros amigos pela internet.” Cachoeirense de coração, também diz querer – e muito – conhecer o apresentador Luciano Huck ou se encontrar com a cantora Paula Fernandes, sua musa inspiradora.

Com uma condição financeira bastante limitada, Lauro Vargas é discreto para pedir qualquer tipo de auxílio. Mas afirma que se ganhasse um sofá novo, a logística da dupla facilitaria muito. Isso porque a porta da casa não abre completamente, pois encosta em uma pequena cama adaptada como sofá na sala. Isso dificulta a saída de Gelson quando está na cadeira motorizada. Cesta básica e roupas, de preferência largas para melhor conforto de Gelson, também são aceitas. Ah, e se alguém quiser dar como plus um conjunto de meias de lã bem quentinhas, Gelsinho vai gostar. É porque, seja inverno ou verão, ele tem muito frio nos pés e o acessório se torna indispensável – ainda mais agora, com o frio batendo na porta.

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Dores na coluna são obstáculo

Gelson faz fisioterapia três vezes por semana: duas particulares e uma pelo Hospital da Liga Operária. Não fossem essas sessões, acredita que sofreria muito mais com as dores na coluna. “Às vezes eu tomo remédio, mas nem assim resolve.” Gelson também tem seus momentos de solidão. Quando eles batem, ele já tem a receita. “Aí eu coloco um sertanejo para tocar

Interessados em colaborar podem entrar em contato pelo telefone 99327-1448

Iniciativa beneficia pessoas deficientes de 68 municípios

O serviço que possibilitou uma nova rotina para Gelson Vargas é oferecido em Santa Cruz do Sul. Credenciado pelo Ministério da Saúde e Secretaria Estadual de Saúde desde 2009, o Serviço de Reabilitação Física é um projeto da Clínica de Fisioterapia da Unisc (FisioUnisc) que abrange 68 municípios.

A iniciativa envolve dois fisioterapeutas, uma terapeuta ocupacional, uma enfermeira, uma assistente social, uma psicóloga e um médico, além de bolsistas e estagiários. Em 2016, 609 pessoas com deficiência foram atendidas. A entrega de dispositivos (cadeiras de rodas, andadores, bengalas, órteses e próteses) atingiu a marca de 1.458 unidades. Só cadeiras de rodas foram 801 – 74 motorizadas. Há uma parceria com quatro empresas para a produção dos equipamentos.

Há casos que desafiam os profissionais. A cadeira  de Gerson foi idealizada pela Freedom, de Pelotas. “Já tivemos um caso em que o paciente precisava de uma cadeira que pudesse ser controlada pela boca e por alguns movimentos da cabeça. Conseguimos entregá-la e isso modificou a capacidade de locomoção dessa pessoa. Temos empresas dispostas a aceitar esses desafios”, relata um dos fisioterapeutas do projeto, Rafael Kniphoff da Silva.

O paciente interessado em participar recebe o encaminhamento de um profissional da saúde. Depois, deve entregá-lo para a Secretaria de Saúde do seu município, juntamente com RG, CPF, cartão SUS e comprovante de residência. O pedido é enviado à Coordenadoria Regional de Saúde correspondente e, na sequência, à Secretaria de Saúde do Estado. O órgão elabora um cronograma de atendimentos, com prioridade para crianças e idosos. “Em geral, o tempo médio de espera entre o atendimento aqui na clínica e a entrega do dispositivo é de dois meses. Às vezes, pode demorar um pouco mais”, explica Kniphoff. Para que o beneficiário possa acessar a cadeira motorizada, deve ter alguma das 17 patologias da tabela elaborada pelo SUS. As cadeiras recebem uma almofada especial para conferir maior conforto e prevenir feridas. Também são entregues cadeiras de banho. “As cadeiras evoluíram. Algumas são reclináveis, passaram a ter suporte individual para cada pé. Melhorou a qualidade de vida dos cadeirantes”, comenta a coordenadora do curso de Fisioterapia, Ângela Ferreira da Silva. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 3717 7538.

Projeto do curso de Fisioterapia da Unisc entrega cadeiras, andadores, bengalas, órteses e próteses

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