O cachoeirense Wolmar Alipio Severo Filho, 60 anos, é um apaixonado pelo que faz, e transparece isso em cada lugar ou junto a cada pessoa. Alguém poderia aventar que rolou uma Química. E é exatamente isso. A Química é sua vida, e, como professor e pesquisador, ele transmite o amor por essa área a alunos e à comunidade. Tudo isso começou no distrito de Forqueta, a seis quilômetros da cidade de Cachoeira do Sul, onde nasceu, em 18 de setembro de 1961, mais novo dos 14 filhos (11 ainda vivos) do casal de agricultores Wolmar Alipio Severo e Olinda Carvalho Severo, já falecidos.
Depois do primário em sua localidade, concluiu o 1º grau no primeiro Polivalente criado no Estado. Enquanto fazia o 2º grau, começou a trabalhar em farmácia, por volta dos 15 anos, e a Química, com suas fórmulas, entrou em sua vida. Para sempre. Depois de iniciar curso superior em Cachoeira, seguiu nos estudos na antiga Fisc, atual Unisc, em 1984. Em 1989 o Colégio Mauá o contratou, como professor.
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Recém-chegado a Santa Cruz, casou com a conterrânea Ceres Lorena da Silva Estevam (hoje estão divorciados), com a qual tem o filho Vitor Estevam Severo, 31 anos, médico anestesista em Caxias do Sul, e que lhes deu o neto João Vitor Battisti Severo. Junto à Unisc, são 36 para 37 anos de vínculo, atualmente em projetos de extensão e com turmas de graduação. Mestre e doutor, com muitas publicações, e viagens pelo Brasil e pelo exterior, Wolmar deixa entrever seu amor pela Química (e, a bem da verdade, pela natureza) em todas as circunstâncias.
Entrevista – Wolmar Alipio Severo Filho, professor
- Gazeta – O senhor é professor de Química, responsável pela formação de novos profissionais. Trata-se de uma área muito promissora na atualidade?
A formação em Química, ao menos no Brasil, está vivendo um momento delicado, acredito que circunstancial e momentâneo. A precariedade da aprendizagem nos níveis de acesso, como Ensino fundamental e Médio, detém uma certa parcela de responsabilidade. Outros cenários dão sequência a esse quadro, tais como as políticas nacionais equivocadas, a morosidade na implantação, a formação de docentes insuficientes e a falta de estrutura adequada e tecnologicamente atualizada. Não diria que seja uma área “promissora” e sim extremamente necessária e fundamental, tanto na Química Aplicada, que ocorre no Curso Química Licenciatura, como na Química ensinada na formação básica de outras profissões, engenheiros, farmacêuticos, cursos onde atuo no momento. - Em que campos, em termos de mercado de trabalho e de saber em sentido amplo, um profissional da Química pode atuar?
Nós possuímos na academia diferentes profissionais, técnicos, tecnólogos, licenciados, bacharéis e engenheiros químicos, todos com atribuições definidas em leis. Evidentemente, o mercado muitas vezes requer um profissional com formação mais específica, como a de alimentos, meio ambiente, química da água, ar, solo etc. Na maioria das vezes, isso exige formação complementar. - O que o senhor entende que um estudante interessado na área de Química precisa ter, como característica primordial?
Primeiro, gostar da ciência Química, saber identificar a importância dela na sociedade, no planeta e na vida. Intrinsecamente, ele precisa ser acima de tudo curioso, resiliente, paciente e persistente. Precisa gostar de ler, atualizar-se, pesquisar insistentemente, visitar livros, artigos, revisitar sites específicos e interdisciplinares. Enfim, precisa se convencer de que emprestará à humanidade contribuições efetivas, ética profissional e social. - O que levou o senhor, em sua caminhada pessoal, a se interessar por essa área? O senhor se diria um apaixonado pela Química?
Penso que estou no limiar entre “apaixonado e louco pela Química”. Inicialmente, pensei e até prestei vestibular para Medicina, na UFSM, em 1979. Antes disso, em 1977, acessei um posto de auxiliar de balconista de Farmácia, no qual permaneci por dez anos. Nesse período, cursei Ciências Licenciatura Curta, na Fafil, em Cachoeira do Sul, ainda na Farmácia Rocha. Fui professor de cursinho pré-vestibular na minha cidade, mas aí descobri as leituras dos livros antigos, do acervo do farmacêutico, o gosto pela Química, pela preparação de fórmulas magistrais, a magia da cura. A partir daí, me desenvolvi para esse mundo extraordinário, do que me orgulho até hoje. Fazendo uma avaliação contextual, naquela minha condição, se tivesse sido aprovado em Santa Maria, não teria numerário nem para a locomoção… kkk. Isso me fez abraçar a Química como ciência e me aprofundar ao máximo, até conquistar o título de doutor em Química. - Qual é a relação do senhor com Santa Cruz do Sul? A partir de que circunstâncias o senhor se fixou na cidade e passou a lecionar aqui?
A história é fantástica, tragicômica. Quando tinha 14 anos, costumava passar as férias num irmão que reside em Capão do Valo, quilômetro 19 da estrada que liga Cachoeira do Sul a Santa Cruz do Sul, então estrada totalmente de chão, via Rio Pardo. Num domingo, após o término do período escolar, tomei o ônibus numa parada secundária e iniciei a viagem, que não ficou no destino, me trouxe “perdido” para Santa Cruz. Esse evento provocou repercussão desesperadora na minha família e com amigos. Talvez agora seja apenas um ponto na história ou coincidência, mas acredito que fazia parte do destino. Em 1986, já com graduação em Licenciatura Plena em Química, iniciei na Unisc, no então curso de férias, até 1990 quando fui efetivado. Bem antes, em 1988, fui sondado pelo Colégio Mauá para assumir o ensino de Química no Ensino Médio; foi apenas um primeiro contato, não efetivamos contrato. Mas em 1989 o convite se tornou irrecusável; e deixei para trás minha já consolidada carreira de “bruxo da Farmácia”, ou melhor, balconista, para seguir a carreira de professor. Assumi turmas de 8ª Série e Ensino Médio do Colégio Mauá até dezembro de 1999, e fui professor universitário da Fisc até o momento, na nossa Unisc. - Além da atuação na graduação, o senhor desenvolve um trabalho junto a jovens, nos ensinos Fundamental e Médio. Como é lidar com esse público e como ele pode ser cativado pela Química?
É fascinante ser professor. 37 anos de carreira não me levaram à exaustão, me sinto muito importante na vida daqueles com quem cruzei, talvez o relato deles confirme esse pensamento. A jornada exitosa no Colégio Mauá me remeteu a outras incursões na vida e hoje me orgulho de ministrar aulas, oficinas desde a 5ª série até a pós-graduação e, com muito orgulho, ter contato com estudantes de até 91 anos, do Uniama. Cativar pela Química quem sabe não seja a melhor expressão, mas encantar fazendo experimentos ou ministrando aulas constitui meu diferencial. Fazendo exibições de experimentos que evidenciam as reações, mudança de cor, aquecimento, formação de precipitados, emanação de fumaça ou vapores, explosões etc., mas primando pela informação adequada e correta para cada evento. - Quais as principais curiosidades, por exemplo, do público em geral pela Química? Como a sociedade vê essa área?
A Química para mim é uma ciência sanguínea, ela é experimental, demonstrativa, e demanda gosto e contágio. Deve haver uma cumplicidade entre professor e aluno, para que se estabeleçam relações harmônicas de aprendizagem. As curiosidades não estão perceptíveis no mundo real, elas estão entre histórias, artigos, redes sociais, utilizadas com retidão e zelo pela correção da informação. A sociedade não vê como eu gostaria, com a importância que ela tem por si só, saúde, ar, água, solo, meio ambiente, pandemia, entre tantas outras. Existem temas que são apaixonantes para os estudantes de Química, mas nem sempre têm repercussão social. Por exemplo, os estudantes têm um fascínio por ciência forense, apesar de ser extremamente complexa, mas importante para a justiça e para a sociedade. - Como as empresas sinalizam para a demanda de profissionais dessa área? Como o senhor vê as habilidades que ela oferece para os dias atuais e para o futuro?
A visão empresarial é controversa. As empresas que são genuinamente nacionais buscam a ciência por excelência, diante de um evento que exige soluções de problemas da agenda recente. As empresas binacionais ou multinacionais geralmente têm vínculo científico com seus países de origem, têm estudos contextualizados sobre suas demandas. Sem antes dizer que as empresas nacionais, que têm desenvolvimento no Brasil, têm evolução científica bem proativa. Tenho esperança de uma maior aproximação do setor demandante com as universidades e os centros de pesquisa. - A Química, na percepção do senhor, aproxima a pessoa, o estudante, o cidadão, da sociedade contemporânea com seus recursos naturais, com os quais essa ciência lida?
Reluto em pensar positivamente. De uma maneira geral, o conhecimento químico é muito incipiente (inicial) para tornar o cidadão egresso do nosso Ensino Médio, não raro também graduados, que não se apoderaram de conhecimento suficiente para a contextualização exata da dimensão da Química, num caráter aplicado. Existem pessoas que se dedicam, se destacam, mas seria necessário que todos nós, estudantes, professores, jovens e adultos, velhos e crianças, realizássemos uma força- tarefa em prol da sustentabilidade. Quem sabe termos um dia por mês ou ano para mobilização sobre a Química e seus reflexos. Penso nas mídias falada, escrita, televisiva, redes sociais, numa comunhão pela manutenção da vida e pela preservação do meio ambiente, assim como existem outras campanhas, “Criança Esperança”, só para exemplificar. - O senhor igualmente atua junto à Universidade do Adulto Maior (Uniama). O senhor poderia nos detalhar de quais atividades se tratam e que contribuição oferecem para a sociedade como um todo?
O Programa Universidade do Adulto Maior (Uniama) está vinculado à Direção de Extensão e Relações Comunitárias e tem por objetivo proporcionar a interação das pessoas idosas, acima de 60 anos, com a universidade, através de atividades, ensino e serviços em prol do envelhecimento saudável, desenvolvidas em três encontros semanais, no turno da tarde, abrangendo as disciplinas de Pedagogia do Envelhecer, Oficina Literária, Introdução à História da Arte, Oficina do Movimento, Estudo das Religiões, Inclusão Digital, Saúde do Idoso, Oficina da Memória, Oficina de Gastronomia, Cidadania, Qualidade de Vida, Nutrição do Idoso. Tenho me dedicado desde 2019, através do projeto Unisc Inclusão Digital (UID), que existe há 14 anos, ao ensino da disciplina de Inclusão Digital. Foi e está sendo encantador. Já é fascinante ensinar ao jovem uma ciência investigativa, imagina compartilhar conhecimento com pessoas de 60 a 91 anos. A valorização da relação e a qualidade das trocas de ideias, de uma forma mais madura e comprometida, geram uma incrível relação de cordialidade e amor. Imagina, um químico desfraldando o mundo da computação, logicamente ancorado por três bolsistas da área específica, me proporcionaram o status de professor homenageado, como paraninfo na última formatura solene, que ocorreu no início de agosto. Alegria incomparável, e certamente única, na minha extensa carreira. - De que forma, na avaliação do senhor, a Química pode ser explorada e usada em atividades interdisciplinares, por exemplo, em salas de aula de Ensino Médio e Adulto Maior?
Me sinto muito à vontade em falar sobre esse tema. Desenvolvo muitas ações com ênfase em interdisciplinaridade, me arrisco a afirmar que “todo químico pode ser um cozinheiro, muito embora nem todo cozinheiro possa se dizer químico”. Vou experimentar na próxima terça-feira fazer algo que sempre sonhei, junto aos idosos do Uniama. Será uma “Roda Viva com o professor Wolmar Severo”. Abordarei temas como a química na cozinha, medicamentos, venenos, domissanitários, tira manchas, bebidas em geral etc. É de reconhecimento que a Química emergiu da Medicina, quando Louis de Pasteur, que viveu entre 1822 e 1895, diante da inexistência de medicamentos disponíveis, experimentava muitas drogas no combate à dor. Isso lhe imputou inúmeros processos pelo exercício ilegal da medicina. Mas deixou um legado que jamais será negado pelos químicos. No Ensino Médio, o professor pode estimular o aluno a ser protagonista, desenvolvendo projetos para feiras de ciências, lendo sobre ciência e sociedade. Experimentos com tudo aquilo que lhe despertar a curiosidade é uma forma agradável de desenvolver a intelectualidade, bem como uma forma de despertar para o descobrimento de novos cientistas, tão necessário para o nosso país. Imagina preparo de pães, produção de sabões, perfumes, investigação em água, leite, alimentos, remédios, solo, água, enfim, quaisquer coisas que ensejem investigação, experimentação, reflexão e conclusões que possam ser correlacionadas com o conhecimento já estabelecido. - Como o senhor vê a importância do Brasil, e da pesquisa desenvolvida no Brasil, em âmbito mundial? O Brasil tem relevância ou contribuição nessa área?
Tenho um pouco de receio de emitir valores de uma forma tão sistemática. O Brasil tem muitas realidades, mas a leitura que faço, com base no que leio e assisto, é que ele não está relacionado em posições de vanguarda na pesquisa, embora existam muitos grupos de pesquisas cadastrados no sistema Capes, CNPq, organismos oficiais que alavancam a pesquisa e onde estou cadastrado e atuante. Recentemente, aprovamos um projeto da Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, no segundo ano consecutivo em que acessamos verbas federais, para divulgação da pesquisa realizada pela Unisc. A Química do Brasil está numa posição intermediária no mundo, mas bem afastada da elite pesquisadora. - O senhor, além de atuar em sala de aula, empenha-se na divulgação científica nessa área? Isso é importante para a sociedade ter percepção do valor do químico? Uma das minhas iniciativas é me dedicar à divulgação e socialização do conhecimento químico. Nas últimas duas semanas, recebi na Unisc 77 estudantes da região Centro-Serra, vide meu Facebook, onde há imagens dos eventos científicos, abordando a Química com ilustração experimental, evidências, contextualização e bom humor. Em determinados momentos, me emociona a receptividade da moçada de 14 a 18 anos. Acredito que a resposta esperada seria bem maior, mas me sinto orgulhoso de realizar essa atividade; é uma maneira agradável de transmitir conhecimento.
- Por fim, para estudantes de todas as idades: por que estudar? O que o Brasil pode ganhar com a persistência de cada um nos estudos?
Tenho convicção de que a alternativa mais efetiva para o empoderamento das pessoas e dos países em desenvolvimento é investir intensivamente em educação. A idade não pode ser um viés quantitativo; entre 4 e 30 anos, estudar deveria ser obrigatório, e depois dos 30 anos, nos mantermos em constante aprimoramento. Devemos estabelecer tempos para leitura, lazer, recreação, divertimento e repouso. A vida é um conjunto de atividades complexas, que precisam ser planejadas e estabelecidas conforme a necessidade e o desenvolvimento. No Brasil, isso chega a parecer enigmático e desafiador; todos os países devem ter política de estado para a educação de jovens e adultos. Nós, brasileiros, estamos ranqueados por estatísticas estarrecedoras em relação ao desempenho em provas mundiais, conforme mostra o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), tradução de Programme for International Student Assessment. É um estudo comparativo internacional feito a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). - Alguma manifestação final livre?
Se pudesse fazer uma recomendação para a humanidade, a vida é um legado de Deus, cada um constrói a sua própria história, a preservação da vida e a manutenção da natureza dependem de nós. Sejamos químicos por concepção, que, segundo Antoine-Laurent de Lavoisier, “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Desejo que todos façam sua parte: transformem o mundo para melhor, valorizem o professor. Sem ele, não teríamos as demais profissões. Cuidem da saúde, física, mental e intelectual.
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