O apresentador William Bonner publicou um relato emocionante sobre a forma de aceitação da morte do pai, ocorrida no fim de 2016. Bonner usou um objeto que o lembrava dos últimos momentos para simbolizar a história: um par de sapatos.
“Todo sábado, pegava estrada às seis da manhã pra almoçar com meus pais. E calçava esses sapatos. Meu pai tinha 86 anos e um mieloma. É um câncer de agressividade baixa, comum em velhinhos. Em parte pela idade, em parte pela medicação, meu pai vivia naquele universo infantil dos senis. Emocionava-se com quase tudo, compreendia quase nada e se envolvia em repetições de afazeres e de dizeres”, escreveu.
“Perguntava dezenas de vezes a mesma coisa e demonstrava surpresa a cada vez que ouvia a mesma resposta como se fosse única, inédita”. Em seguida, Bonner transcreveu o diálogo que se repetia:
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– Júnior, esse sapato não vê uma graxa há quanto tempo?
– Pai, esse sapato não leva graxa. É assim mesmo, fosco.
– Sei… Isso é falta de graxa! Que vexame! Me dá isso aqui que eu vou dar um trato.
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Não adiantava argumentar. Meu pai me fazia entregar os sapatos, que limpava com pano úmido. Aplicava cera marrom. Esperava secar E lustrava por minutos seguidos, no vai e vem da escova marrom que usou por mais de 40 anos. Tingia de marrom o couro sem tintura. E lustrava o que não tinha brilho nenhum”, prosseguiu.
Por fim, o apresentador falou sobre como foi seu ‘reencontro’ com os sapatos após 11 meses sem vê-los. E como lidou com a situação:
“Depois que o velhinho partiu, guardei esses sapatos num lugar onde não pudessem me ver. E fugi deles por um ano inteiro. Hoje de manhã, sei lá como, do fundo de uma prateleira, me acharam de novo, quando me vestia para sair. E me ocorreu de usá-los com a roupa que tinha escolhido pro dia. E nunca, desde que me interessei por eles numa vitrine, nunca, me foram tão deliciosamente confortáveis”.
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