Eva e a menina se dão as mãos. Observam o entorno. Hora de seguirem as duas cobras, ao som do zumbido das abelhas. “Talvez abelhas nunca durmam”, desconfia Eva.
Serve-lhes de caminho o leito de um córrego. O próprio córrego, fluxo que a todos dessedenta, estaria encaixado numa das linhas de fratura das rochas de que falara Cristian? Na mente de Eva revoluteiam frases soltas e memórias esparsas na busca por uma síntese que justificasse aquele percurso no mínimo misterioso. Como entender uma senhora, em idade madura, acompanhada por uma menina e pelos troncos decepados e pelos animais feridos seguindo duas cobras e as abelhas pelo leito de um fluxo de água?
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As cobras ora se alinham, ora se distanciam, em rastejos sutis. Nada as impede. As pedras e as raízes não significam obstáculos. Já para Eva e para a menina, os contornos se fazem necessários. Atentas, as cobras aguardam quando necessário. Enquanto elas evoluem em curvas corporais, as abelhas voejam em inesperada dança matutina.
É preciso caminhar, rastejar e se agarrar. Um detalhe chama atenção de Eva. As pedras roladas no córrego, antes acinzentadas, da cor do basalto, vão dando lugar aos seixos endurecidos de tom avermelhado. Eva apanha um desses pedregulhos. Observa estrias de diferentes nuances, que a desafiam. Estaria o terreno mudando? O brusco desaparecimento das cobras interrompe seu ensaio investigatório. Aonde teriam ido?
Aperta os olhos para ver melhor a fenda que se abre a seus pés. Não é propriamente uma fenda, mas um buraco cheio de troncos e raízes entremeadas na lama. Para ver melhor, Eva sobe o barranco. A cava dos troncos escondidos se estende por alongado trecho. Como haviam parado ali todos aqueles restos de vegetação? Alguém quisera esconder todas aquelas árvores? Com que motivo? Eva não quis acreditar.
Mas recordou o que lhe dissera Cristian: “os predadores da mata cortam as árvores e as enterram.
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Esperam que assim ninguém perceba a agressão”. Cristian acrescentara: “Já vi pessoas que simplesmente obedecem ordens. Cortam uma árvore hoje, duas amanhã, três no outro dia, e assim vão indo. Quando se vai ver, ficou só uma franja de mata nas beiras. Lá dentro está tudo derrubado. Como vão aos poucos, quase ninguém se dá conta do que está acontecendo”. Eva estaria diante de um desses cemitérios de árvores?
O momento exige breve parada. Entristecida, a senhora acaricia a menina reclinada em seu colo: “Quem é você, linda menina? Como foste parar no porão e no sótão do Sanatório?” A menina não titubeia: “Me disseram que minha mãe foi internada ali para tratar de um problema sério, que a deixava muito triste. Então, resolvi procurá-la. Fico esperando que ela volte. Já pensou ela chegar, e eu não estar esperando? Só que agora, quando te vi, achei melhor ir contigo”.
Eva pergunta seu nome. “Eu não sei ao certo. Mas resolvi que Líris seria um nome bonito, tem jeito de flor. Sabe aqueles pequenos lírios que nascem depois da chuva, quando o sol volta?” Eva percebeu que tinham muito a conversar. Algo indefinido, quase familiar, tilintou em sua mente. O que teria acontecido com sua mãe? Como havia sobrevivido até então? Quem teria confeccionado sua bonequinha de pano?
Eva interrompe seus pensamentos. Lá adiante, as duas cobras as aguardam. As abelhas ensaiam uma dança orientadora. Elas sabem onde encontrar mel, própolis, pólen e geleia real, que a todos vai alimentando. Ela e Líris circundam o sinistro amontoado de troncos afundados na terra maltratada. Os troncos, que há muito aguardavam pela oportunidade, se erguem da lama e se juntam aos demais.
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Não fosse o chamado ondulante das cobras, Eva teria estendido a conversa com Líris, menina iluminada em sua vivacidade. Todavia, um propósito a move. Precisa encontrar a junção de linhas entalhadas na lasca de arenito. Uma força incomum a convoca, ao tempo em que ouve um som de águas que se apressam pelo córrego. Pressa como a de Eva. Pressa comovida. Quem, de fato era Líris, a menina que segurava a bonequinha de pano? Quem seriam e onde estariam seus pais?
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