2022 marca os 90 anos em que as mulheres brasileiras podem votar e ser votadas. Em fevereiro de 1932, elas conquistaram o direito por meio do Decreto 21.076, do então presidente Getúlio Vargas, que instituiu o Código Eleitoral. Mas a luta remete ao início do século 20, com movimentações em países do mundo todo.
No início da década de 1920, a população viu diversos movimentos de contestação à ordem vigente, colocando em xeque a República Velha, entre eles a Semana de Arte Moderna e o Movimento Tenentista. Assim, ganhou força o movimento feminista, tendo à frente a professora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz, que fundaram a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher – um grupo com a finalidade de lutar pela igualdade política das mulheres.
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Mais tarde, Bertha Lutz criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, considerada a primeira sociedade feminista brasileira. A organização tinha como objetivos básicos promover a educação feminina, proteger as mães e a infância, obter garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino, orientar na escolha de uma profissão, entre outras metas.
Nas eleições de 2022, mais de 77 milhões de brasileiras devem votar. As mulheres representam mais de 52% do eleitorado, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de abril deste ano. No Rio Grande do Sul, segundo o TSE, somente 33% das candidaturas são femininas.
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Eleitora Aurinha nasceu no ano do voto feminino
No mesmo ano em que o voto feminino entrava em vigor no Brasil, em 1932, nascia Aurinha Hansen. A moradora do Bairro Goiás, em Santa Cruz do Sul, completa 90 anos em novembro. Contemporânea do direito ao voto, ela conta que não deixa de exercer o papel de cidadã um ano sequer, mesmo que não seja mais obrigatório desde que completou 70 anos.
“Eu votei em todas as eleições, isso é uma coisa minha. É importante porque a gente precisa ter representantes que sejam honestos e proporcionem, principalmente para as pessoas que são mais pobres, o alimento, o bem-estar e uma moradia”, salienta.
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Aurinha acrescenta que já sabe em quem vai votar e está com a “colinha” pronta com o número dos candidatos. Também assiste a propagandas eleitorais na televisão. Para ela, é fundamental o direito conquistado pelas brasileiras há 90 anos. “É importantíssimo as mulheres votarem e serem eleitas como deputadas, governadoras, senadoras… Tem que ter mais mulheres, porque elas são inteligentes.” Questionada sobre sua intenção de continuar votando, mesmo não sendo mais obrigada, Aurinha não hesita: “Enquanto eu estiver viva!”.
Entrevista: Cheron Moretti – Historiadora e professora do programa de pós-graduação em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc)
- Como foi a mobilização pelo voto feminino no Brasil no início do século 20?
O direito a votar e ser votada no Brasil significava também superar o sufrágio restrito, para conquistar um sufrágio universal, que estava implicado na busca pela cidadania, que vem lá da Revolução Francesa, no século 18, para termos uma noção do ponto de vista temporal de como as modificações são lentas. O direito ao sufrágio universal implicava o direito da mulher ao voto e a ser votada livre de critérios como alfabetização, classe social, renda, propriedades e questões étnico-raciais. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, é que se enfatiza a importância do sufrágio universal como um direito humano básico.
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É um processo, o sufrágio feminino leva em conta o direito de a mulher votar, mas também ser votada. Esse direito civil, político e até mesmo jurídico está identificado no que hoje a gente chama de primeira onda do feminismo. Mas é importante citar que faz parte de lutas de mulheres de classe média e alta. Embora tenha se concretizado no início dos anos 30, essa luta é anterior. Inclusive na primeira república, os movimentos para realizar uma emenda constitucional aconteceram, mas ela não foi efetivada na constituição de 1891. Não era proibido, mas os homens consideravam que as mulheres não tinham faculdades ou condições suficientes.
- Por que o Rio Grande do Norte (RN) foi pioneiro, em 1927?
Há uma mulher muito importante envolvida nesse movimento. O congresso estadual do RN aderiu a essa demanda pelo voto feminino antes do Congresso Nacional. A mulher a que eu fiz referência é Bertha Lutz, que esteve envolvida diretamente na luta pelos direitos políticos das mulheres desde a década de 1920. Bertha recorre a um parlamentar, uma vez que a demanda das mulheres não tinha possibilidade de ser concretizada, e então o congresso estadual do RN assume em forma de lei com direito de as mulheres poderem, pela primeira vez, votarem e ser votadas. A história diz que ela interpela esse deputado e é então que se avança com esses direitos em nível local, em 1927, antes da conquista nacional. Claro, isso é resultado das lutas de outras mulheres que estavam engajadas nacionalmente. 1932 foi muito importante, porque tem algumas conquistas relevantes do governo Vargas, como direitos trabalhistas e a formação do Código Eleitoral Brasileiro, instituindo também o voto secreto.
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- Na América Latina, o Brasil demorou a liberar o voto para mulheres?
Na verdade, foi um dos primeiros países a liberar. O primeiro país a instituir voto feminino foi a Nova Zelândia, em 1893. A Inglaterra, em que pese toda organização operária das mulheres e inclusive figuras importantes, com um movimento feminista bastante sólido, fez isso só em 1918, e os Estados Unidos, em 1920. Na Arábia Saudita, elas puderam votar pela primeira vez em 2015. Há nações de mulheres conquistando esse direito recentemente, e é um direito liberal, não é nada excepcional. Na América do Sul, o primeiro voto ocorreu no Rio Grande do Norte. A primeira mulher eleita também foi nesse estado, em 1928.
- Hoje as mulheres representam 52% do eleitorado no Brasil, mas ainda são minoria entre os candidatos. Como é possível avançar em relação a essa realidade?
A Oxfam, que é uma ONG voltada para questões das minorias, fez um estudo sobre a participação das mulheres, inclusive relacionado às questões de classe social e étnica. Somos maioria como eleitoras, mas somos minoria como candidatas, ainda que a legislação eleitoral estabeleça uma porcentagem de gênero. Há uma desigualdade e uma diferença histórica produzida que nos deixa fora do processo, sobretudo no poder político e institucional e tomada de decisões bastante significativas.
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A Oxfam levantou três elementos que formam essa barreira para acesso às candidaturas de mulheres. Na eleição de 2020, apenas 16% das pessoas eleitas vereadoras eram mulheres e desse número, somente 6,3% eram negras. Acho que são elementos históricos, sociais, de preconceito racial, patriarcais, mas também de dificuldade para obter recursos de campanhas. As campanhas de mulheres vitoriosas tendem a ser mais caras. Em relação aos homens, elas recebem menos recursos. Por isso a legislação eleitoral, estabelecendo critérios para distribuição do fundo eleitoral, também é muito importante para que as mulheres tenham condições de concorrer e ser eleitas, não apenas para cumprir uma cota, mas para exercer plenamente o seu papel político na institucionalidade.
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