“Tu guardas isto para mim?” Antes que respondesse ela alcançou um diário de datas pouco visíveis, além do que, recortes de jornais e revistas encobriam muitos dos dias já transitados. Frases, ondulando entre as colagens e fotos, ora alongadas em textos, ora encurtadas em parágrafos, revelavam reflexões, trajetórias e angústias. Aqui e ali, considerações soltas a lembrar de possíveis continuidades, isolavam reticências, como trampolins de onde saltariam textos das cores de muitas canetas. 

Folheando adiante, não foi difícil perceber que, sob a prancha impulsionadora, nem sempre havia água ou sequer rede para amparar iminentes quedas. “Posso ler tudo?” perguntei curioso pelo inesperado do que ali poderia estar escrito. Quando ergui os olhos para observar melhor quem oferecera o bloco de capa colorida, ela já não estava. Do momento, ainda guardo seus expressivos olhos negros, amanhecidos num dia orvalhado, à semelhança do quase diário descompromissado com o calendário.

Há poucos dias, ao reler o que me fora confiado, valorizei ainda mais o ato de escrever. Letras não tem fronteiras: informam, formam, transformam, desconcertam e assombram; a um tempo expressam evidências, a outro, despertam para os mistérios em intuitiva deriva multilateral. Ao escrever deixamos pistas e chaves promissoras, quando não distanciadas de completudes ou, ainda, desviantes de si mesmas. Haverá legado maior do que o perenizado pela escrita libertadora dos sentimentos, desejos, imagens, paisagens, do vivido e do sequer experiencializado? Talvez seja isso a imortalidade, ou ao menos, uma das suas formas de registro.

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Lembrar das letras que imortalizam nos encaminha para a Feira do Livro que acontece neste maio, e para o Congresso das Academias de Letras, previsto para novembro de 2024.  Sim, nossa cidade, como diz o Romar Beling, homenageado da feira, vive uma “efervescência cultural”. Cabe realçar o acerto na escolha dos nomes do Romar, da patrona Marô Barbieri e da incentivadora de leitura Lígia Hertzer. Em relação ao encontro das Academias, oportuniza-se acrescentar a frase lapidar do presidente Airton Ortiz: “Um congresso não chega e passa à semelhança de um disco voador; precisa deixar seu legado”.

Aliás, neste sábado, a Academia de Letras de Santa Cruz estará recebendo a visita de uma comitiva da Academia Rio-Grandense de Letras para alinhavar as primeiras tratativas do 4º encontro das academias gaúchas de letras. Está prevista a vinda dos confrades Airton Ortiz, Rossyr Berny e Rafael Jacobsen. Também a confreira Valesca de Assis e o confrade Flávio Kothe participarão da reunião. Há muito a ser compartilhado e debatido, todavia, instigado pelo diário/trampolim ofertado pela menina de olhos úmidos, se esgueira uma pergunta: estamos preparados para o adensamento inusitado das letras, para além da fugacidade em curso?

Nem sempre perguntas necessitam de respostas definitivas. Ler e escrever, como respirar e suspirar, nos movem e lançam de trapézios sem garantias. Para que redes se letras, nunca esquecidas, sustentam mais?

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caroline.garske

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caroline.garske

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