O fim de semana foi marcado pela emoção no plenário do maior julgamento da história do Rio Grande do Sul. Um dos sobreviventes mais atingidos pelo fogo durante o incêndio na Boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, Delvani Brondani Rosso, de 29 anos, falou nesse domingo, 5, em plenário. O depoimento, conduzido pelo juiz Orlando Faccini Neto, fez alguns familiares de vítimas saírem, pelo impacto causado.
Rosso fez um relato detalhado do que ocorreu e dos seus sentimentos na luta para sair da boate e da dor intensa causada pelas queimaduras e inalação de fumaça. Ele teve 45% do corpo queimado. Em entrevista à Gazeta do Sul, veiculada na edição da última quarta-feira, o médico do Hospital Santa Cruz (HSC) Carlos Fernando Drumond Dornelles, de 43 anos, responsável pelo gerenciamento de crise na área da saúde, naquela que foi considerada a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul, relembrou o caso de Rosso.
“Doze dias depois, o caso dele continuava inspirando muitos cuidados. Ele foi o mais queimado que sobreviveu. Não conseguíamos colocá-lo na aeronave em virtude do seu estado, mas chegou um momento em que precisava ser transferido. Quando conseguimos e ele chegou bem e vivo em Porto Alegre, nossa equipe desabou no choro. Eu me sentei no chão e chorava feito uma criança. Era um alívio de dor, desespero e cansaço de todos aqueles dias”, disse Dornelles à Gazeta.
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Domingo, no plenário, a vítima contou que, ao perceber a movimentação fora do comum no interior da casa noturna, traçou uma linha imaginária até a saída, mas após alguns minutos, quando o pânico tomou conta, já não conseguia mais manter a trajetória. “Eu não sabia se me abaixava ou se ficava em pé. Se eu me abaixasse, eu ia ser pisoteado; e se ficasse em pé, respirava a fumaça. Eu fui me despedindo da minha família, meus amigos, pedindo perdão por alguma coisa que eu tivesse feito”, disse o sobrevivente.
À promotora Lúcia Helena Callegari, ele afirmou que não ouviu ninguém avisando que a boate estava pegando fogo. Também contou que o irmão, que o retirou arrastado da boate depois que ele estava desmaiado, teve que chutar a porta, inicialmente travada pelos seguranças, de acordo com seu relato. Ao detalhar os dois meses de internação e o longo tratamento, falou, emocionado, de suas dificuldades e desafios. “Tive que aprender a caminhar novamente. Lembro que meu sonho era conseguir tomar um copo de água.”
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Os empresários e sócios da Kiss, Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e Mauro Londero Hoffmann; o vocalista da Banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o produtor musical Luciano Bonilha Leão respondem pela acusação de homicídio simples (242 vezes consumado, pelo número de mortes; e 636 vezes tentado, pelo número de feridos).
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Mais três falam nesta segunda
O primeiro a depor no domingo foi o engenheiro civil Thiago Mutti. Ele responde por falsidade ideológica em um dos processos relacionados à Kiss por ter omitido que era sócio da boate. Para o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), ele era o real proprietário antes de a casa noturna pertencer a Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, embora seu nome não constasse no contrato social.
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Por esse motivo, depôs como informante. A promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari mostrou que Mutti disse, em depoimento anterior, que vendera suas cotas da boate, o que contraria seu argumento dado em plenário de que não era sócio antes dos réus Elissandro e Mauro. Em seguida, o promotor David Medina da Silva mostrou parecer do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea).
O documento aponta que, se não houvesse alguns obstáculos na boate, o número de vítimas teria sido menor. O promotor também mostrou o contrato de locação do imóvel onde funcionava a Kiss. Quando a boate ainda pertencia à família do depoente, o fiador do aluguel era o pai de Elissandro, o que demonstraria proximidade entre eles. O depoimento foi encerrado depois de cinco horas.