Aidir Parizzi Júnior*
Exclusivo para o Magazine
Em uma noite de primavera no Texas, recebo uma ligação de um colega de trabalho. A pergunta me pegou de surpresa: “Poderias ir no meu lugar para o Vietnã? Tens de partir em dois dias. Precisas estar lá na segunda-feira de manhã”. Digo que é possível, caso consiga obter o visto de entrada em tempo. Quis saber também se havia algum problema com ele. Ter viajado várias vezes com este colega me dava certa intimidade, e ele me confessou o motivo.
Veterano da Guerra do Vietnã, ele me explicou que depois de muita reflexão e aconselhamento de familiares, sentia que não podia retornar àquele campo de batalha que nele deixara marcas indeléveis. Explicou que em determinado momento dos anos em que lá esteve durante a guerra foi atacado por tropas locais (Viet Cong). Pego de surpresa na trincheira em que estava com suas tropas, um soldado vietnamita o empurrou com a arma. Eu senti sua voz tremer de emoção enquanto me contava: “Comigo no chão, aquele soldado em plena vantagem me olhou fixamente por segundos que pareceram uma eternidade. Ele não atirou. Eu, porém, atirei assim que tive oportunidade. Morreu na minha frente. Desde então não se passa um dia sem que eu pense nele, em sua família, pais, amigos, quem sabe esposa e filhos, que tiveram suas vidas devastadas por aquela decisão minha. Eu não tenho condições psicológicas e emocionais de retornar ao Vietnã”.
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Aquela foi a minha primeira de várias viagens de trabalho ao país de Ho Chi Minh, líder revolucionário e ex-primeiro-ministro comunista que hoje dá nome à segunda maior cidade do país, a antiga Saigon. Ho Chi Minh é uma cidade fascinante, com trânsito caótico de motocicletas em constante zig-zag por largas avenidas. Atravessar as ruas requer coragem e, no início, certa ajuda dos habitantes locais. A única forma é avançar sem olhar muito para os lados, confiando na destreza dos milhares de motoqueiros que desviam dos pedestres, em uma espécie de videogame da vida real.
A herança francesa de Saigon ainda está presente em muitos prédios e na bela catedral católica (Notre-Dame). As estátuas e fotografias do líder Ho Chi Minh e os monumentos tipicamente comunistas de homenagem à classe trabalhadora estão incorporados a esta arquitetura, como no belo prédio dos correios, na prefeitura da cidade, no teatro municipal e nas inúmeras praças e parques.
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Um dos pontos altos daquela viagem foi o passeio de barco de um dia inteiro pelo delta do Rio Mekong, sinônimo de terror na época das guerrilhas contra os americanos. As visitas aos fervilhantes mercados – alguns flutuantes –, as incursões nas entranhas pantanosas da região e, principalmente, o contato com a população que ali vive e trabalha, sem luxo mas quase sempre com aparência feliz e sorridente, fazem a viagem valer a pena. Em uma das paradas, almocei na casa de uma senhora de 92 anos, muito sorridente e cheia de energia no preparo da saborosa cozinha vietnamita.
A Guerra do Vietnã permanece presente nas lembranças e nos monumentos espalhados pelo país. Foram vinte anos que deixaram mais de um milhão de mortos, quase todos do lado asiático. Por lá é conhecida como A Guerra Americana, ou Guerra de Resistência contra a América.
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Um museu em particular chama muito a atenção em Ho Chi Mihn. Foi inaugurado como “Centro de Exposições dos Crimes de Marionetes e Americanos”, depois mudou o nome para “Exposição de Crimes de Guerra e Agressão”, e hoje se chama “Museu dos Vestígios de Guerra”. O que se vê ali não é um país cantando vitória por ter derrotado a maior potência bélica do planeta, mas sim uma lembrança marcante dos horrores da Guerra. A seção dedicada às armas químicas requer estômago forte. Estas armas, que na época já eram proibidas pelas Convenções de Genebra, foram amplamente utilizadas pelos americanos nesta Guerra, que só terminou em 1975.
Imagens e descrições bastante gráficas mostram os efeitos devastadores que o incendiário gás napalm e os vários herbicidas usados pelos americanos causaram. O mais famoso deles é o Agente Laranja, formulado e fabricado pela multinacional Monsanto. Além de devastar vastas áreas de cobertura vegetal, causou milhares de mortes terríveis. Até hoje seus subprodutos causam malformações genéticas, câncer e incapacidade mental.
A República Socialista do Vietnã foi proclamada em 2 de julho de 1976. É um país que precisou se reerguer das ruínas. Os Estados Unidos impediram que outros países de fora do bloco comunista o ajudassem, e a União Soviética acabou sendo o único socorro possível.
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Os países vizinhos na península da Indochina também sofreram durante a Guerra ou como consequência dela. Bombardeios ordenados pelo presidente Richard Nixon no Laos e no Camboja arrasaram propriedades de camponeses nos dois países. Com isso, a adesão camponesa à guerrilha comunista foi maciça. No Laos, a monarquia sucumbiu a movimentos semelhantes em 1975 e instalou-se a República Democrática do Povo do Laos. No Camboja, em maio do mesmo ano, o Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot, tomou a capital, Pnohm Penh, proclamando o Kampuchea Democrático.
*Aidir Parizzi Júnior – Natural de Santa Cruz do Sul, é engenheiro mecânico e reside no Reino Unido. É diretor global de suprimentos para uma multinacional britânica que atua no fornecimento de sistemas de controle e segurança para usinas de geração de energia, usinas nucleares e indústria de petróleo, gás natural e petroquímica.
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