Vieira da Cunha (PDT) concorre pela segunda vez a governador. A primeira foi em 2014, quando ficou em quarto lugar. Uma de suas principais bandeiras, no entanto, é a mesma: expandir o ensino em tempo integral, defendido pioneiramente por Leonel Brizola. A meta é atender 200 mil crianças e jovens com o modelo – hoje, são cerca de 20 mil. Para viabilizar isso, pretende ampliar gradualmente o orçamento da Educação até atingir o mínimo constitucional de 35%.
Procurador do Ministério Público com passagens pela Câmara de Porto Alegre, Assembleia Legislativa, Congresso Nacional e Secretaria Estadual de Educação, também foi presidente da CEEE no governo Alceu Collares e critica duramente as privatizações realizadas pela atual gestão – incluindo a da própria CEEE –, embora defenda concessões rodoviárias, com extinção da EGR, e garanta não ter preconceito com parcerias público-privadas. Também é crítico ferrenho da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal e afirma que irá contestar o acordo, se preciso judicialmente.
Na entrevista que concedeu no último dia 16 em sua residência, no Bairro Menino Deus, em Porto Alegre, cobrou que a União faça a compensação aos estados pela recente redução no teto do ICMS, defendeu um fundo para atendimento a catástrofes naturais e afirmou que pretende implantar em larga escala câmeras em viaturas e uniformes de policiais.
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O senhor já disse que, se eleito, irá revogar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal no primeiro dia. Mas o fato é que a dívida existe. Como vai conduzir o assunto?
Na verdade, eu não disse revogar. Eu disse que iria contestar, em um primeiro momento administrativamente, e se necessário judicialmente. Eu considero que o acordo feito pelo atual governo é atentatório aos interesses do Estado. Primeiro, pelo valor. O governo reconheceu que deve quase R$ 75 bilhões à União e isso é altamente questionável. É preciso lembrar que essa dívida tem origem lá no governo Britto, que tomou R$ 9 bilhões. Nós pagamos cerca de R$ 36, R$ 37 bi e eles dizem que nós devemos quase R$ 80 bi. Ora, não é preciso ser expert em finanças públicas para saber que algo está mal aí. E não é o candidato Vieira da Cunha que está dizendo isso. A própria Ordem dos Advogados do Brasil entrou com uma ação que tramita há dez anos. Está agora tramitando no Supremo Tribunal Federal. Estive com o presidente Lamachia e ele me disse que estudos técnicos muito bem fundamentados comprovam que o Rio Grande do Sul não deve esse valor. Ou já pagou ou o resíduo é pequeno. Essas são palavras do presidente da OAB.
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O governo Leite ficou todo o seu período sem pagar um centavo dessa dívida, fruto de uma liminar que estava em vigor desde o governo Sartori. No bojo da negociação, no meu entendimento muito mal feita, ele retirou a ação e, portanto, não temos mais uma liminar protegendo o Rio Grande do Sul do pagamento dessa dívida. Então, não tem outra saída. Tenho esperança que o Ciro Gomes possa ser eleito presidente, porque tenho certeza de que, com ele, haverá uma postura diferente de negociação com os estados. Mas se continuar um governo com a insensibilidade do atual, evidentemente teremos de contestar judicialmente. Começando pelo montante, depois os indexadores, as taxas de juros, o anatocismo, enfim, uma série de vícios. Esse é o meu caminho. Não dobrarei minha espinha para a União.
O atual governo privatizou a CEEE e a Sulgás e deu início à venda da Corsan. O senhor privatizaria alguma estrutura do Estado?
Eu vou imediatamente interromper esse processo de privatizações. Como ex-presidente da CEEE, lamento que a empresa tenha sido esquartejada no governo Britto. Dois terços da área de distribuição foram vendidos “limpinhos” para os americanos e o terço que ficou público ficou com todas as dívidas, ônus e encargos. Agora venderam com o argumento de que dá prejuízo. Como não ia dar se fizeram isso lá atrás? Evidentemente, não poderia ser uma empresa superavitária. Mas se for considerado o grupo CEEE como um todo, era uma empresa lucrativa, sim. Os superávits das áreas de geração e transmissão compensavam, ainda com margem positiva, o déficit da área de distribuição.
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E eles venderam a área de geração por bem menos do que estava avaliada. Venderam por cerca de R$ 900 milhões e havia um laudo dizendo que ela valia praticamente o dobro. E a área de transmissão, eu considero um escândalo. Os chineses compraram, pagaram R$ 3 bilhões e pouco e, meses depois, na primeira divisão dos resultados, embolsaram R$ 1,2 bilhão. Esse valor deveria vir para nós. Era dinheiro nosso que foi parar na mão dos chineses.
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E quanto à Corsan?
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Vou interromper o processo de privatização. A Corsan, ao contrário do que dizem, tem sim condições de cumprir o Marco Legal do Saneamento, tem condições de tomar dinheiro e fazer as necessárias parcerias com a iniciativa privada. Não se justifica a privatização, a não ser por um viés ideológico neoliberalista, querendo vender patrimônio público porque acha que o Estado não deve atuar nessa área. O Estado deve atuar nessa área, porque a água é um bem essencial, é saúde pública, não pode ser gerida com o raciocínio do lucro. Por isso tem que haver uma empresa pública tratando do assunto.
No que diz respeito às privatizações, quero também deixar meu compromisso com a manutenção do Banrisul como banco público. O Banrisul é lucrativo e tem um papel social fundamental a desempenhar. As pequenas cidades têm agência bancária porque lá está o Banrisul. Financia a habitação popular, o setor agrícola e é, portanto, um braço financeiro do Estado.
O senhor foi bem claro quanto às privatizações. E quanto às parcerias público-privadas?
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Não tenho nenhum preconceito com parcerias público-privadas, pelo contrário. Vamos buscar junto à iniciativa privada essas parcerias. Na área de infraestrutura, por exemplo, investimento nas estradas, logísticas. Tudo o que pudermos fazer no sentido de somar esforços com a iniciativa privada, nós faremos. Mas quero discutir a modelagem. Por exemplo, colocar um verniz de asfalto em um investimento que o Estado fez em algumas estradas e começar a cobrar pedágio da população. Acho que as comunidades que recebem esses investimentos precisam participar ativamente dessa discussão, do valor que será cobrado, do retorno que a empresa concessionária dará no que diz respeito a investimentos. Mas repito: a parceria em si não é nenhum problema.
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Se vamos ter concessões rodoviárias, qual papel a EGR teria em seu governo?
Considero que a experiência da EGR não foi bem-sucedida. E esses escândalos de corrupção do atual governo demonstram que nós temos que repensar o caminho que foi tomado lá atrás, no governo Tarso, com a criação da EGR. É um assunto técnico e será objeto de uma análise mais profunda, mas a minha tendência é extinguir a EGR e fortalecer o Daer, que é uma autarquia e foi sucateada ao longo dos anos. O Daer já desempenhou um papel muito importante e estratégico no passado. Se o Daer tiver a estrutura condizente com as suas responsabilidades, pode muito bem cumprir o papel que hoje é desempenhado pela EGR.
Com o novo teto de ICMS, o Estado deve ter uma perda de arrecadação de R$ 2,8 bilhões apenas neste segundo semestre. Como contornar essa queda de receita?
Primeiro, nós temos que buscar ressarcir o Estado dessas perdas. Afinal de contas, não foi uma iniciativa do Estado. É uma lei federal que foi aprovada pelo Congresso Nacional. Ninguém é contra diminuir imposto, pelo contrário. Todos queremos pagar menos impostos, mas todos queremos também uma escola pública digna, queremos um posto de saúde com médico, queremos um brigadiano fazendo policiamento do nosso bairro. E tudo isso tem um custo, sai da arrecadação de impostos. Se eu diminuo abruptamente a receita, como foi feito agora com a diminuição do ICMS, preciso ter uma compensação, senão causo um desequilíbrio não só ao Estado mas aos municípios, que também terão uma perda muito grande de arrecadação. O impacto vai ser enorme nas finanças estaduais, e quem criou o problema tem de ajudar na solução. E quem criou foi o Congresso Nacional, então a União tem que participar da solução. É o que vamos buscar.
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Diante da necessidade de gerar empregos, o senhor se valeria de desonerações fiscais para atrair investimentos?
Não sou contra as desonerações, desde que realmente se justifiquem e gerem os empregos que se propõem a gerar. Eu considero que o volume de benefícios que temos no Rio Grande do Sul é alto, ainda mais para um estado com as nossas dificuldades. Portanto, é tarefa do governador permanentemente avaliar essas desonerações. Um governo sob minha responsabilidade certamente passará um pente-fino nesses benefícios, não com intuito de revogá-los mas saber se estão cumprindo o seu papel.
Por outro lado, considero que o Estado precisa ter mecanismos para garantir a sua competitividade em relação a outras unidades da federação, sob pena de continuarmos perdendo espaço. Há muitas empresas que saíram do Rio Grande do Sul exatamente porque encontraram em outras regiões, especialmente no Nordeste, uma política de incentivos que não tinham aqui. Acho que a guerra fiscal é suicida, ninguém ganha, mas como governador vou tomar as medidas necessárias para que não percamos as empresas que já estão aqui e possamos atrair outras. Se isso passar por política de incentivos e desonerações, eu adotarei.
Sempre vemos o Executivo adotando medidas de austeridade, enquanto outros poderes criam novos benefícios. Como o senhor agiria, considerando que o dinheiro vem de um lugar só?
O dinheiro vem de um lugar só, mas cada poder tem o seu orçamento. A hora de discutir esse assunto é quando encaminhamos à Assembleia Legislativa o Plano Plurianual e os orçamentos anuais. Cada fatia é ali estabelecida, de maneira democrática e com aprovação do Parlamento. Esse é o momento de discutir. Depois, na execução orçamentária, cada poder e instituição têm a sua autonomia. Eu não posso dizer ao procurador-geral de Justiça o que ele tem que fazer no Ministério Público. Muito menos eu, como governador, vou dizer para a presidenta do Tribunal de Justiça o que ela deve fazer ou não para os seus servidores. Isso serve para o Tribunal de Contas, serve para o Legislativo. Vivemos em um regime, graças a Deus, de independência dos poderes. Harmonia, mas independência. Então, temos que discutir esse assunto no momento em que elaboramos o orçamento. Depois, cada poder tem o seu duodécimo e eu respeitarei a autonomia deles.
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Que compromisso o senhor assume em termos de valorização salarial de servidores? Pode garantir reposição inflacionária anual?
Infelizmente, não posso garantir, porque vai depender da capacidade financeira do Estado de honrar com o pagamento. O que posso garantir é que vou buscar incessantemente o que está estabelecido na Constituição Federal. Ali tem um dispositivo que garante a revisão geral e anual de vencimentos dos servidores públicos. Está escrito no artigo 37. Lamentavelmente, isso não vem sendo cumprido pelos governadores. O Leite mesmo concedeu apenas 6% em quatro anos.
A economia do Estado vem sofrendo os efeitos de mais uma estiagem severa. Como proteger melhor a produção agrícola?
Acho que para responder a esses eventos climáticos, que são recorrentes, precisamos ter um fundo, que faça com que o Estado tenha meios de atender. Não só as secas, mas inundações, tempestades, furacões. São situações que surgem e o Estado não pode ser pego desprevenido. Nós precisamos ter um fundo de Defesa Civil e de atendimento a catástrofes para que o Estado tenha agilidade, presteza e eficiência.
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O senhor já foi secretário estadual de Educação. O Censo Escolar apontou que a taxa de abandono nas escolas públicas aumentou e as matrículas na educação básica caíram. Como reverter isso?
Com ensino em tempo integral. Esse é o caminho. O Darcy Ribeiro chamava a escola de dois turnos, que é o que nós temos aqui, de escola desonesta. E por quê? Porque não ensina. E essa é a situação do Rio Grande do Sul. Qualquer indicador de qualidade nos mostra que as crianças ficam anos e anos e não sabem interpretar um texto em português ou fazer uma simples conta de matemática. O ensino está falido e precisamos reconectar a nossa escola com a juventude para que não haja esses índices absurdos e inaceitáveis de evasão. O Inep identificou em 2021 praticamente o dobro de evasões no ensino médio no País em relação ao índice de 2000, uma taxa de 5%, o que é altíssimo. Pois aqui no Rio Grande do Sul conseguimos superar 10%. Significa dizer que temos mais do que o dobro da média nacional de evasão. Só três estados têm índices piores. Eu, como gaúcho, fico coberto de vergonha.
Temos que realizar concurso público para suprir as carências de recursos humanos, tanto de professores quanto de servidores. Terceiro, vou criar uma força-tarefa emergencial para recuperar a estrutura física das nossas escolas, que é outra tarefa urgente e necessária.
E de onde tira recursos para isso?
Vamos cumprir a Constituição do Estado, que no seu artigo 202 diz que 35% da receita de impostos deve ser aplicada em educação. E aqui está falando quem foi secretário de Educação e em 2015 aplicou 33,7% do orçamento. Foi o maior investimento da década. Evidente que não vou poder fazer isso de um ano para o outro, porque hoje só se investe 25%. Mas ao longo dos quatro anos, quero elevar os investimentos ano a ano. Com isso, vamos ter recurso para atingir a meta a que nos propusemos: ter 200 mil crianças e adolescentes estudando em tempo integral no Rio Grande do Sul. Hoje são menos de 20 mil.
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Mas para isso não seria necessária uma nova fonte de despesas ou reduzir despesas?
Estou falando em percentual. Claro que vamos sempre buscar aumentar a arrecadação, combater a sonegação, tratando de ter uma gestão austera para que haja controle das despesas. Mas, ao lado disso, garantir que 35% seja aplicado em educação. Se fizermos isso, vamos dar um salto de qualidade considerável.
Como o senhor pretende lidar com o passivo de procedimentos de saúde, que é grande em áreas como traumatologia?
A primeira providência que temos que tomar é aumentar o financiamento. O Rio Grande do Sul investiu no primeiro semestre deste ano apenas 10,4% do seu orçamento em saúde. Ora, em uma situação de crise, em um período de pós-pandemia em que precisamos reestruturar o setor, é muito pouco dinheiro investido. Então, há um subfinanciamento. Se repassarmos para os hospitais filantrópicos, comunitários e santas casas o volume de recursos necessários, essa rede terá condições de atender a essa demanda.
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O governo zerou as dívidas com os hospitais, mas o IPE Saúde acumula uma dívida de R$ 1 bilhão?
A situação do IPE é realmente complexa. Tem a ver com problemas estruturais, gestão e receita. Precisamos buscar o equilíbrio, porque o IPE atende mais de 1 milhão de segurados. Eu, inclusive, sou segurado. Temos de dialogar com o funcionalismo, com a categoria médica e com os hospitais e estabelecer um conjunto de providências que possam garantir a saúde financeira do IPE.
O Estado vem registrando redução de crimes como homicídios e latrocínios. O que o senhor manteria e o que mudaria na política de segurança?
O que está sendo feito de bom, eu vou manter. Sou um candidato de oposição declarada, tenho muitas divergências com o atual governo, mas naqueles setores que estiverem funcionando bem, nós vamos manter a política. E tu tens toda a razão. Em geral, os índices de criminalidade vêm caindo e isso deve ser saudado. Entretanto, há questões preocupantes, como o número de feminicídios. No acumulado de janeiro a julho, temos 68 mulheres cruel e covardemente assassinadas em contexto de violência doméstica. Isso é inadmissível. Só no último mês foram 11 e, destas, três tinham medida protetiva em vigor. Então o sistema não está funcionando como deveria. Precisamos de mais patrulhas Maria da Penha e mais delegacias especializadas de atendimento à mulher, mas precisamos ir na raiz do problema, que é combater a cultura machista que existe no Rio Grande do Sul. Isso se faz com educação, desde os primeiros anos, para que tenhamos uma cultura de respeito e igualdade. Então, no geral a segurança pública apresenta bons índices, mas nós temos grandes desafios.
Em estados onde foram implantadas câmeras em viaturas e uniformes de policiais, houve redução da letalidade policial. O que o senhor pensa?
Sou plenamente favorável ao uso dessas câmeras. Imediatamente, vamos tomar providências para que os policiais que estejam no trabalho ostensivo tenham, no seu uniforme, câmeras. Considero, inclusive, que é um instrumento de proteção do próprio policial no exercício de suas atividades, contra, por exemplo, denúncias infundadas de violência. Se houver a filmagem da operação, teremos condições de proteger os bons policiais e também vamos ter provas para punir os maus policiais.
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