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VÍDEO: História no caminho e no final da antiga Rua Catalã

Revisitar o passado nem sempre significa relembrar coisas antigas. É também uma forma de valorizar acontecimentos para que legados sejam preservados. Um dos sinônimos de legado, inclusive, é patrimônio. E que a região de Santa Cruz do Sul possui muitos patrimônios histórico-culturais já é de conhecimento geral. Porém, para que esses bens fossem mantidos, foi necessário o engajamento de muitos.

Mantendo viva a memória, o Centro Cultural Jornalista Francisco José Frantz, situado no prédio da antiga Estação Férrea, leva o nome do fundador da Gazeta do Sul. Envolvido em causas importantes para o desenvolvimento regional, Schloka, como também era conhecido, pode ser considerado como a principal autoridade da imprensa santa-cruzense e regional. 

Toda essa história é ligada, curiosamente, pela antiga Rua Catalã, que depois se chamou General Câmara e que hoje se denomina Ramiro Barcelos. Na esquina com a Marechal Floriano, a casa onde Frantz nasceu. Descendo a Ramiro e chegando a próxima esquina, a Gazeta do Sul. Se fores até o final, chegarás à Praça Siegfried Emmanuel Heuser. E lá, no encontro da Ramiro com a Ernesto Alves, estará a antiga Estação Férrea, hoje Centro de Cultura Jornalista Francisco José Frantz. 

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Francisco José Frantz, o Schloka

Francisco José Frantz nasceu em 23 de março de 1917, em Santa Cruz do Sul. Conforme conta o livro Um homem de fibra, de Guido Ernani Kuhn, nasceu e cresceu no sobrado erguido pela família na esquina das ruas da República e Catalã, hoje Marechal Floriano e Ramiro Barcelos, respectivamente. Frantz estudou no Colégio São Luís, onde se formou como perito contador, já na década de 1930.

Schloka Frantz, apelido que recebera em família e que o acompanhou ao longo da vida, é mencionado na obra de Kuhn como uma “enciclopédia ambulante”. A imensa bagagem cultural, proporcionada principalmente pelas leituras e pelas viagens, fez de Frantz a principal personalidade ligada à imprensa santa-cruzense. Junto a um grupo de fundadores, criou a Gazeta de Santa Cruz em 1945. Já nos anos 1950, assumiu a direção do periódico e, em 1957, o jornal mudou de nome para Gazeta do Sul.

Não é à toa que o Centro de Cultura instalado onde já funcionou a Estação Férrea leva o nome de Francisco José Frantz. Enquanto secretário da Associação do Comércio, Indústria e Agricultura de Santa Cruz do Sul, e enquanto fundador da Gazeta, envolveu-se em questões da comunidade, sempre atuando em prol do desenvolvimento regional, fazendo da Gazeta do Sul uma importante aliada da população. 

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Em 1963, por exemplo, ciente da importância da Estação Ferroviária de Santa Cruz para a economia, lutou pela revogação da decisão de desativar a linha entre Rio Pardo e Santa Cruz e comemorou, junto a outras importantes autoridades municipais e regionais, o retorno do ramal.

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Já em 1965, com o iminente risco de desativação definitiva da linha ferroviária, publicou um artigo no jornal já sem esperanças e lamentando o fato de uma enchente deixar Santa Cruz do Sul ilhada, pois, com a ausência de rodovias pavimentadas, o município restava isolado do restante do Estado. 

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A trajetória do jornalista, porém, encerrou-se de forma precoce, em 15 de junho de 1981, quando tinha 64 anos. A morte levou-lhe em decorrência de uma doença cardíaca que já o acompanhava por alguns anos. O corpo físico deixou a terra em cujo potencial acreditou; porém, seu legado perdura nas páginas da Gazeta do Sul que circulam de segunda a sábado e em todas as lutas comunitárias pelo desenvolvimento regional que o periódico acompanha. 

“A edição do dia seguinte trazia lágrimas da perda e a herança de vida que foi lição para todos. O necrológico, estampado no alto da capa, tentava traduzir a enciclopédia dos seus grandes ensinamentos, que permaneceria nas prateleiras da memória de cada um.” – Guido Kuhn, Livro Um homem de fibra, sobre a edição da Gazeta do Sul no dia seguinte à morte de Frantz.

O início, o fim e a volta do trem

A história da Praça Siegfried Emmanuel Heuser começa ainda no início do século passado, com a instalação da estrada de ferro. Em 22 de setembro de 1905, ficou pronto o ramal da estrada de ferro que ligava a Vila de Santa Cruz com a Estação do Couto (Ramiz Galvão), em Rio Pardo. A novidade movimentou o município e às 16 horas daquele dia a comunidade se reuniu na Estação Ferroviária para receber a Maria Fumaça. 

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A implantação da estrada foi um marco para a economia da região. Implantado em tempo recorde, o ramal tinha 35 quilômetros. O prédio da Estação Férrea teve o contrato firmado em 28 de maio de 1904 e em setembro de 1905 já estava em funcionamento. Contudo, mesmo entrando em atividade em 22 setembro, a inauguração só ocorreu em 19 de novembro de 1905. O presidente da Província do Rio Grande do Sul, Augusto Borges de Medeiros, participou da cerimônia e assinou o decreto que transformava a então Vila Santa de Santa Cruz em cidade.

Entre as várias histórias que permeiam a permanência do ramal ferroviário em Santa Cruz, uma das cenas curiosas foi o embarque de recrutas que se preparavam para lutar na Itália, na Segunda Guerra Mundial. Naquele dia, uma multidão tomou conta da estação e da Rua Ernesto Alves para as despedidas.

Apesar da importância do ramal, em março de 1963, a Rede Ferroviária Federal (RFF) alegou que a linha era deficitária e decidiu desativá-la. Segundo pesquisa do jornalista José Augusto Borowsky, inconformadas, lideranças políticas e empresariais, além da Gazeta do Sul, iniciaram mobilização pela volta do trem. No início de junho, o deputado Siegfried Heuser acompanhou o prefeito Edmundo Hoppe em audiência com o presidente João Goulart, em Brasília, quando foi feito pedido pelo restabelecimento da linha. 

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Meses depois, em 11 de junho, Goulart confirmou que havia revogado a decisão da RFF. Assim, em 5 de agosto de 1963, uma segunda-feira, o trem voltou. A população comemorou a decisão, soltando fogos pela cidade. Com o retorno do trem, autoridades realizaram uma viagem para celebrar. Entre os passageiros estavam o prefeito Hoppe, o vice Orlando Baumhardt, o secretário de governo Silvérius Kist, o presidente da ACI, Hildo Caspary; o diretor da Gazeta, Francisco José Frantz; o jornalista Luiz Beck da Silva, e outros.

Entretanto, a felicidade pelo retorno durou apenas dois anos, pois em setembro de 1965 o ramal foi desativado pelo Ministério da Viação e, apesar dos apelos da comunidade, a decisão foi irreversível. Meio século após a desativação da linha, chegou em 2015 a Santa Cruz a locomotiva a vapor Mikado 648, que foi colocada no pátio da antiga Estação Férrea, que hoje leva o nome de Centro de Cultura Jornalista Francisco José Frantz, ajudando a preservar a história do trem no município.

Com 40 toneladas, a locomotiva estava depositada no terreno do Museu da Ulbra, em Canoas, e não era utilizada. Portanto, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atendeu o pedido do então prefeito Telmo Kirst e doou o equipamento para Santa Cruz do Sul, junto com dois tênderes (reboques). A locomotiva foi instalada junto ao vagão de passageiros que está na praça desde 2005.

Em reportagem publicada no dia seguinte à chegada da locomotiva, o jornalista José Augusto Borowsky definiu a ação para a instalação como uma verdadeira operação de guerra. “A movimentação das peças foi complexa devido ao peso. O trabalho só foi possível com o uso de guindaste especial da Guinchos Trevisan. Para empurrar o vagão, foi preciso recorrer a uma retroescavadeira”, descreveu.

Em 1905, cerca de 6 mil pessoas prestigiaram ato de inauguração da linha
Registro mostra a Estação na década de 1930, em pleno funcionamento
Autoridades, entre elas Schloka, viajaram para celebrar retorno do ramal
Em 2015, locomotiva de 40 toneladas foi trazida para Santa Cruz do Sul
Locomotiva Mikado está no pátio da Estação Férrea, junto ao vagão

Prédio recebe novo nome

Depois que o ramal ferroviário entre Rio Pardo e Santa Cruz foi desativado, em 1965, o prédio da Estação Férrea também não teve mais uso. De acordo com arquivos da Gazeta do Sul, em 1967, o prefeito Orlando Baumhardt propôs criar uma espécie de campus para faculdades no local. Porém, o projeto não teve continuidade. 

Conforme documentos datados de 1970, a estação passou um tempo abandonada e ameaçada de demolição. Chegou-se a questionar a beleza da edificação, condenando-a como obsoleta e comprometedora para a “bela paisagem da metrópole do fumo”. Entretanto, mais uma vez, a união da comunidade se fez presente e, ciente da importância do ponto para a história santa-cruzense, foi realizada mobilização para a preservação da memória. Dessa forma, em 1978, o Conselho Municipal de Cultura iniciou uma campanha com esse objetivo. 

Quase dez anos depois, o prédio foi destinado ao de Cultura Jornalista Francisco José Frantz, homenageando o fundador da Gazeta do Sul. A antiga estação recebeu restauração com orientação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em 1996 houve nova intervenção e o prédio foi tombado pelo Município e reinaugurado. A praça que fica no entorno do Centro de Cultura recebeu o nome de Praça Siegfried Emmanuel Heuser, uma homenagem ao deputado, importante personalidade política santa-cruzense e que foi um dos personagens centrais da luta pela retomada da linha ferroviária.

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O Centro Cultural nos dias de hoje

A Administração Municipal atua na manutenção do Centro de Cultura Jornalista Francisco José Frantz. Uma das ações está sendo a preparação para instalação de um memorial no prédio, que contará com exposição de fotos e de reportagens da época, entre outros itens. O secretário de Cultura de Santa Cruz do Sul, Marcelo Corá, salienta que o prédio da antiga Estação Férrea é um espaço de fundamental importância para a preservação da história do município. 

“É um marco para o desenvolvimento de Santa Cruz. A partir dela a cidade foi avançando. Ela tem um caráter histórico e cultural muito grande; por isso, todo cuidado com esse espaço é pouco. A Prefeitura é dona e trabalha no prédio de modo a preservar, então não faremos nada que possa descaracterizar a história deste ambiente”, frisa Corá.

Há um projeto, que deve ser encaminhado para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul (Iphae), que prevê a instalação de um café no vagão do trem. “Ele será analisado para que possamos ver quais são os últimos ajustes ou diretrizes para que possamos passar o projeto, em termos de permissão de uso, à iniciativa privada, e assim fazer um café-vagão”, completa o secretário. 

O coordenador da Secretaria de Cultura, Dinho Barbosa, diz que com o início da atual gestão o prédio histórico começou a passar por melhorias para receber oficinas e outras atividades. “Desde o início trabalhamos na infraestrutura do espaço. Hoje temos painéis onde conseguimos colocar os quadros de uma forma que fica mais tranquila para o artista que vem expor e também melhoramos a iluminação do espaço.”

Interessados em expôr no Centro de Cultura Jornalista Francisco José Frantz podem entrar em contato com a Secretaria Municipal de Cultura pelas redes sociais. “O espaço é aberto para receber exposições e oficinas. Estamos dispostos a ouvir o que a comunidade está propondo, procuramos abraçar e construir junto a economia criativa da cidade”, acrescenta Dinho. 

O regente e professor de música Everson Tavares ministra aulas nas noites de segundas-feiras, no segundo andar do prédio da antiga Estação Férrea. “Trabalho desde 2010 como funcionário da Cultura, aqui na Estação e também no outro espaço que temos, na Rua Fernando Abott. Atuo com oficinas de teoria musical, como professor de saxofone e de canto coral.” Ele relata que já viu a edificação passar por algumas reformas. “É um espaço diferenciado para Santa Cruz do Sul. Não temos outro espaço como este. É muito bonito e poucas pessoas conhecem”, declara. Para Tavares, com mais ações sendo realizadas no local, mais pessoas vão querer conhecer o ponto histórico.

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