VÍDEO: diretora do Ernesto Alves e autor do livro comentam polêmica envolvendo “O Avesso da Pele”
A Gazeta do Sul entrevistou nessa segunda-feira, 4, a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, Janaína Venzon, e o autor do livro O avesso da pele, Jeferson Tenório, a respeito da polêmica envolvendo a obra em Santa Cruz do Sul. A gestora do educandário divulgou um vídeo em suas redes sociais na sexta-feira, 1º, no qual considera lamentável o governo federal adquirir uma obra com “vocabulário de tão baixo nível” e enviar às escolas para ser trabalhada com estudantes do Ensino Médio. A manifestação teve repercussão nacional e rendeu pronunciamentos do próprio autor, da editora responsável pelo livro e de órgãos públicos.
“Eu não censurei absolutamente nada do livro”, se defende Janaína Venzon
Gazeta do Sul – Há várias obras da literatura nacional e internacional com linguagem semelhante à de O avesso da pele e que são utilizadas em salas de aula há décadas. Não havia uma forma de se trabalhar com esse livro assim como é feito com os demais? Janaína Venzon – Haveria, poderia ser, mas temos que entender que os jovens de hoje não são os mesmos jovens do passado. Hoje, eles precisam de um pouco mais de atenção. Nós, como escola, hoje também não é só ensinar a matemática, o português, a interpretar, a calcular, não. Temos um outro papel também, a questão dos valores. Também há algumas ações para ajudar. Pois, além de professores e supervisores, muitas vezes a gente passa também como mãe, muitas vezes como psicólogo, como terapeuta. Então, hoje em dia, é diferente do que no passado.
A senhora já havia lido o O avesso da pele? Quando veio o livro, eu consegui fazer uma leitura de umas partes, não finalizei, mas até então a questão do livro ali tem mais abordagem, mais situações que eu não tinha relacionado no texto. É uma obra interessante, sim. Ele fala de uma história realmente muito triste, e respeito completamente essa obra. Só que como trabalhar nesse momento que a gente vive, dentro de uma sala de aula? Essa é a questão, e não é só essa a minha visão, é a visão de muitos outros professores. Fica difícil trabalhar. E como é a aceitação dos pais? E os pais realmente não estão de acordo com esse tipo de vocabulário dentro de uma escola.
A senhora foi acusada de censurar o livro. Como reagiu a essa acusação? Primeiramente eu fiquei bem apavorada. Nunca coloquei a palavra censura na minha boca. Eu não censurei absolutamente nada do livro. Eu questionei como esse livro veio parar na escola, como o governo tinha mandado esse livro para a nossa escola. Esse foi meu questionamento. Como é que vou trabalhar com esse vocabulário dentro da escola com alunos menores de idade? Era isso que eu queria colocar. Em nenhum momento falei em censura.
“Daqui a pouco, vamos ter livros sendo queimados em praça pública”, responde Jeferson Tenório
Gazeta do Sul – Como o senhor vê a crítica aos trechos específicos de O avesso da pele que foram destacados pela diretora? Jeferson Tenório – É uma distorção do que é o livro. O livro tem mais de 200 páginas e traz uma temática muito sensível para o Brasil, que é o racismo, o racismo estrutural e a violência policial contra a população negra. E o que me causa mais espanto é que essas palavras que a diretora elencou nesses palavrões causam mais incômodo do que a morte de pessoas negras. Eu acho que essa é a questão. E também é uma forma de subestimar o adolescente. Como se ele não tivesse acesso à internet e a conteúdos proibidos. A gente sabe da facilidade que se tem para conseguir esses conteúdos. E, diferente da internet, a literatura traz uma reflexão com uma responsabilidade ética. E é isso que o livro propõe. Até porque meu livro não é sobre sexo, não é sobre sexualidade. Meu livro é sobre o efeito do racismo nas pessoas negras. Todo aquele linguajar, na verdade, é a representação do preconceito contra as pessoas negras. Aí quando você pega frases isoladas, o que fica parecendo – e o que ela quis fazer parecer – é que é um livro que tem uma linguagem propensa à pornografia. E o livro não é isso. Ele traz outra temática.
Em sua manifestação nas redes sociais, disse que Santa Cruz censurou O avesso da pele. Por que esse caso precisa ser tratado como uma forma de censura? Eu acho que ele deve ser tratado como censura, porque a gente tem visto um recrudescimento de uma ideologia ultraconservadora. E a censura não é somente impedir a edição de livros. A censura tem a ver com você impedir o acesso ao livro. E, numa instituição educacional, isso é mais grave ainda, porque você está impedindo que esses alunos tenham acesso não só à literatura, mas acesso à cidadania. Nós não nascemos cidadãos, nós nos tornamos cidadãos, e a forma de se tornar cidadão é tendo acesso livre aos livros, à arte, à política, a tudo aquilo que nos constitui enquanto pessoa. Então, no momento em que você tem um documento assinado por um funcionário da Secretaria Estadual de Educação dizendo para recolher os livros, isso é muito grave. É grave porque isso pode virar um efeito cascata. Acho que chamar de censura é importante justamente para que a gente entenda que a censura começa desse jeito. Daqui a pouco, vamos ter livros sendo queimados em praça pública.
Chegou a newsletter do Gaz! 🤩 Tudo que você precisa saber direto no seu e-mail. Conteúdo exclusivo e confiável sobre Santa Cruz e região.É gratuito. Inscreva-se agora no link »cutt.ly/newsletter-do-Gaz 💙
Publicidade
Julian Kober
É jornalista de geral e atua na profissão há dez anos. Possui bacharel em jornalismo (Unisinos) e trabalhou em grupos de comunicação de diversas cidades do Rio Grande do Sul.