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VÍDEO: a incrível trajetória de Elenor Schneider

Da janela do andar de cima, ele observa a movimentação do mundo lá fora. É o vai e vem de pessoas nas calçadas, a mãe com o filho no colo, o idoso com seu tutor atravessando a via, e é a visita agendada para as 17h15 que chega no portão. “Pode subir”, avisa. Já escurecia naquele fim de tarde. Após escalar os 12 degraus que separam a rua da porta de casa, chega -se a uma sala bem iluminada, repleta de livros, e dois assentos confortáveis, bem no centro dela, indicam onde cada um se acomodaria. E então ali está ele: aos 71 anos, mas com o mesmo vigor da meia-idade, e aquela franja inconfundível que ajeita de forma sutil e solene toda vez que desalinha.

Para entender este homem com imagem de durão e 100% de comprometimento em tudo o que faz, melhor ouvir a explicação de um de seus mais antigos amigos: José Balduíno Butzge. “O Elenor estudou em um internato de cultura europeia, com um regime de ensino europeu, onde a pontualidade, a disciplina e o planejamento eram muito cobrados. Felizmente, ele levou isso para a vida dele”, explica o professor aposentado.

Butzge cita pontualidade, disciplina e planejamento

José Balduíno, hoje com 80 anos, recorda-se muito bem. Elenor, então com apenas 12 anos, era um alemãozinho, meio arisco, tímido como todos os outros novatos, que ingressou na então Escola Agrícola São José, de Estância Mariante, município de Venâncio Aires, um internato que tinha por objetivo formar padres. “Ele era um bom aluno, sempre com vontade de aprender algo mais. Inclusive em análise sintática, que era muito complicado para aprender, ele se destacava”, conta seu José.

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Em Cruzeiro do Sul, os primeiros passos na formação

Mas nem sempre foi assim. Ao recordar de sua infância em Linha Boa Esperança, interior do município de Cruzeiro do Sul, o próprio Elenor conta que nem livros em casa existiam. A mãe, Carlota, que insistia em alfabetizá-lo, foi sua primeira educadora. “Eu era muito rebelde, não queria aprender a ler, minha mãe é que me amansou antes de ir para a escola.” De tradição germânica, em casa falava-se o alemão, mas aprendeu o português com uma família negra que residia na vizinhança. “Éramos em 12 irmãos, e, curiosamente, esta família também tinha 12 irmãos. Então, nós aprendíamos com eles e eles com a gente”, relembra.

Ao sair do meio da lavoura para o internato, tudo mudou a partir de 1962. “Sou muito grato a esta escolha que fiz em minha vida e às pessoas que me apoiaram em estudar. Tive um salto de qualidade na educação que não sei mensurar. Foi ali que conheci e fui aluno do professor José Balduíno, de quem sou amigo até hoje”, relata.

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Professores do Colégio Marista São Luís Elenor Schneider, Ivo Radtke falecido, Irmão Evaldo diretor, Olavo Rochembach,Alcido Kist e Carmo Gregory

Ao concluir o ginásio da época no colégio interno, uma nova etapa em sua formação ocorreu em Caxias do Sul, no Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida. “Lá tive professores excelentes. Minha professora de grego e francês, por exemplo, veio da França, era autora dos livros didáticos que usávamos em sala de aula”, conta. Também aprendeu latim e italiano. Outro educador da época, lembra ele, foi José Clemente Pozenato, autor de muitos romances, entre eles O Quatrilho. “Tive uma educação excelente, em todos os sentidos, mas resolvi desistir do seminário em 1967, ao concluir o Ensino Médio. Então voltei para casa e tirei um ano sabático, fui trabalhar com minha família, na roça.”

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Trajetória

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1969 – o ano do recomeço
A vontade de estudar e se preparar ainda mais o chamava. Em 1969, Elenor decidiu fazer vestibular. No caminho, da distante Linha Boa Esperança, interior de Cruzeiro do Sul, até Santa Cruz, resolveu visitar seu professor dos tempos de internato, José Balduíno, em Venâncio Aires. “Eu disse pra ele que iria prestar vestibular para Estudos Sociais. E ele me disse, ‘não, tu deves fazer vestibular de Letras’. Felizmente, segui o conselho dele”, recorda.

Em evento com alunos do Canarinhos, do São Luís

1970 – o ano da estreia
Com apenas 21 anos de idade, e no segundo ano do curso de Letras, surgiu o convite para estrear como professor substituto no Colégio Marista São Luís. “O Irmão Demétrio (Zorzi) precisava viajar para fazer um curso em Portugal, e me convidou pra dar aulas no lugar dele. Foi um grande desafio porque eu estava iniciando a faculdade, mas aceitei. Foi uma das maiores provações da minha vida”, conta. Em março de 1971 foi efetivado na instituição, onde ficou até 1984.

Em 1971, com alunos do 4° ano do Colégio São Luís

1972, o começo no Ensino Superior
Antes mesmo de se formar no Ensino Superior, em março de 1972, então com 22 anos, veio o convite para lecionar na Faculdade de Ciências Contábeis, em Santa Cruz. “Primeiro eu disse que não aceitaria, era um grande desafio para mim, mas me encorajei e passei a dar aula na Contábeis. Então passei a ser aluno e professor”, relembra. No ano seguinte, em 1973, graduou-se em Letras, e, em 1974, iniciou como professor do Estado no Colégio Estadual Santa Cruz, onde trabalhou até 1981. Um de seus alunos da época, inclusive, foi o atual diretor do Hospital Santa Cruz, Vilmar Thomé. “Lembro que eu e meus colegas assistíamos a jogos no porão da casa dele, na Thomaz Flores”, relata.

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Na juventude

Quem diria que um dia ele teve o charme das mechas longas. Teve sim. Há uma foto emblemática que ilustra muito bem isso. O ano é 1974. Aos 24 anos, inscreveu-se no projeto Rondon, criado em 1967, que tem o propósito de proporcionar aos universitários a oportunidade de vivenciar experiências na promoção da cidadania em outras regiões do País. E Elenor foi para a cidade de Ipameri, no Estado de Goiás, onde ficou 40 dias. A foto, conforme você pode conferir abaixo, ilustra o perfil de liderança juvenil. É ele quem aparece, de camiseta branca, à frente do grupo pelas ruas da cidade. “Eu fazia o tipo rebelde, contestador, gostava de me envolver em tudo. Fui presidente de grêmios estudantis e de diretórios acadêmicos também”, relembra.

Em 1974, como participante do projeto Rondon em Ipameri, Estado de Goiás

Um desbravador

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Há um filme turco chamado Mucize, lançado em 2015, que retrata a história de um professor que é enviado a uma cidade distante para lecionar. Ao chegar lá, descobre que não existe uma escola, mas ajuda os moradores a construírem uma e faz renascer a esperança de uma vida melhor. Baseado em uma história real, na Turquia dos anos 1960, a coragem e a vontade daquele educador em fazer a diferença na vida daquelas pessoas muito se assemelham ao perfil de Elenor. Fatos em sua trajetória comprovam isso. Um dos primeiros desafios surgiu em 1984, três anos depois de começar a lecionar na então Faculdades Integradas de Santa Cruz (Fisc). “Me convidaram para criar uma escola, que seria vinculada à universidade. Na época pedi professores novos, que nunca tinham lecionado. E quisemos criar uma escola em que o aluno participasse de sua construção. Assim nasceu a Escola Educar-se.”

Elenor foi o primeiro diretor da instituição. Uma das professoras da época e atual diretora, Valderez Maria Kern, recorda dos fatos. “O Elenor, como diretor, nos dava muita liberdade para lecionar. Tínhamos autonomia para criar soluções e atividades.”

Elenor, segundo da esquerda para a direita, em evento literário em Monte Alverne

Em 1989, mais um desafio: foi convidado pelo coordenador da Delegacia de Educação da época, Lauro Tornquist, para implantar o Ensino Médio no Colégio Estadual Monte Alverne. “A primeira pergunta que fiz quando cheguei lá foi a seguinte: tem dinheiro para comprar livros para a biblioteca? Se tem, eu venho”, condicionou. E só no primeiro ano, o educandário, que tinha cerca de 300 estudantes, adquiriu 980 livros. Uma de suas iniciativas foi disponibilizar livros em mesas no pátio, durante os intervalos, para facilitar o acesso dos alunos aos novos títulos que chegavam.

740 vezes emocionado

Foi na manhã do dia 14 de janeiro de 2020 que Elenor, aos 71 anos, decidiu despedir-se, em definitivo, do mundo acadêmico, após completar 48 anos na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Por meio de rede social, manifestou-se da seguinte maneira. “Teria muito a dizer”, iniciou ele, “mas vou resumir quase tudo em gratidão”. Na sequência agradeceu aos milhares de alunos, aos colegas professores, aos funcionários, à família e a Deus. “Como escreveu o apóstolo, ‘combati o bom combate’, encerrei minha carreira. Um abraço especial a cada um. Por um tempo fomos professor e aluno, depois nos tornamos amigos para sempre”, finalizou.

Após a publicação, naquele mesmo dia, ao abrir a tela do computador, percebeu que os depoimentos de seus ex-alunos foram chegando um a um, totalizando 740 mensagens e mais de 1.500 curtidas. “São muitos. E lembro de cada um desses alunos. E choro toda vez que leio.”

Leitura diária fez Santos superar dislexia

Um deles é do engenheiro Carlos Joel dos Santos, ex-aluno no Colégio Marista São Luís nos anos 1980. “O Elenor, na época, não era um professor que eu admirava, porque ele era muito exigente. Só depois de adulto me dei conta do benefício que tive por ele ter insistido comigo na leitura. Com a leitura superei minha dislexia, pois eu tinha dificuldade de interpretação, trocava até as palavras. E ele me desafiou a ler um livro por mês. Minha gratidão eterna a ele por ter persistido comigo.”

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Só elogios

Professor exemplar
“Só quem teve a oportunidade de trabalhar ao lado do professor Elenor sabe o quanto ele tem a capacidade de ensinar e de transformar desafios em aprendizados. Mestre das palavras, escreveu na Unisc uma trajetória ímpar. Seu nome está grifado nas conquistas que proporcionou, nos momentos difíceis que enfrentou com serenidade e, claro, na construção partilhada da história do Ensino Superior em nossa região. Como pessoa e profissional que acredita no poder da educação, ele transformou vidas e inspirou a Unisc com seu exemplo.”

Carmen Lúcia de Lima Helfer

Realizado com a profissão
“Para mim nunca foi um peso dar aula. Não era um peso avaliar trabalho, propor trabalho. Sempre fui feliz sendo professor. E isso faz a diferença na vida de um professor, e de qualquer profissional, realmente gostar daquilo que faz.”

Como paraninfo em 2006, em evento de formatura na Unisc

Sobre a fama de durão
“Sempre fui muito intransigente no cumprimento das tarefas. Data marcada era data marcada. A gente tem compromissos na sociedade, e o comprometimento já deve ser praticado e exigido em sala de aula. Esta é a lei do ensino. Eu poderia só lecionar Português e ir para casa, mas a formação do aluno me interessava. Mesmo sendo um professor muito exigente, tenho orgulho em dizer que fui paraninfo de 30 turmas na universidade, e homenageado muitas outras vezes.”

Desde 1997, Elenor é coordenador de evento literário em Rio Pardo

As etapas

1969 – Início como acadêmico no curso de Letras
1970 a 1984 – Professor no Colégio Marista São Luís
1972 – Início como professor na Faculdade de Ciências Contábeis
1974 a 1981 – Professor no Colégio Estadual Santa Cruz
1980 e 1981 – Professor na então Escola Murilo Braga de Carvalho
1989 e 1990 – Professor no Colégio Estadual Monte Alverne
1987 a 1989 – Retorno ao Colégio Marista São Luís
1984 a 1986 – Primeiro diretor da Escola Educar-se
1982 a 2020 – Fisc e Unisc

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