No ano de 1942, a Alemanha vivia o auge da Segunda Guerra Mundial. Nos campos de batalha da Europa, os exércitos do facínora Adolf Hitler avançavam sobre diferentes territórios na reta final de sua tentativa insana de dominação planetária pelo nazismo. A escalada de violência do conflito mundial durou até 1945, quando a capital alemã, Berlim, foi conquistada pelo exército da União Soviética, que integrava as forças dos Aliados, com Grã-Bretanha, França e Estados Unidos.
Nesse contexto de guerra e terror nasceu Eckhard Ernst Kupfer, em Stuttgart, no Sul da Alemanha, no mês de maio de 1942, quando sua cidade ainda era bombardeada por aviões dos Aliados. Em 1943, quando morava com sua mãe em um apartamento na mesma cidade, sua família foi obrigada a desocupar o imóvel para dar lugar a pessoas que tiveram suas casas demolidas pelas bombas. Com apenas 1 ano de idade, Eckhard foi para o interior, morar com sua mãe na casa de seus avós paternos, em uma vilinha nas proximidades de Stuttgart.
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Mesmo longe dos grandes centros urbanos, a localidade também foi atingida pela guerra nos anos finais do conflito. Eckhard recorda que as crianças eram obrigadas a se refugiar nos porões das casas quando ouviam o ronco dos motores dos aviões.
“Brincávamos em uma grande praça. Vinham os aviões e a gente corria para casa. Lembro muito bem, apesar de ter apenas 3 anos. Isso marcou muito. Lembro que morávamos com meus avós bem perto de um colégio, e os americanos acampavam em barracas dentro dessa escola”, contou Eckhard. Ele conta também que todos os dias a sua mãe tinha que fazer ovos mexidos para os oficiais americanos, que simplesmente ingressavam na cozinha da casa de seus avós.
A região de Stuttgart, no sul da Alemanha, foi bombardeada mais de 50 vezes entre os anos de 1940 e 1945. No ataque mais sangrento, em 12 de setembro de 1943, segundo o acervo histórico do governo britânico, mais de 900 pessoas morreram e outras 1,6 mil ficaram feridas, em uma ação que envolveu mais de 400 aviões dos Aliados.
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Aos 7 anos, o primeiro encontro com o pai
Ao final da guerra, em 1945, o pai de Eckhard, Eugen Kupfer, integrante do exército alemão que ocupava a França, acabou capturado em território francês e ficou preso por quatro anos. O retorno para casa se deu nos primeiros meses de 1949, quando Eckhard já tinha quase 7 anos de idade. No mesmo ano, sua mãe, Marta Kupfer, ficou grávida, e em dezembro nasceu Lothar Kupfer, irmão mais novo de Eugen. E a família teve, enfim, um Natal de muitas alegrias.
Nos anos seguintes ao final da guerra, os povos da Europa passaram por grandes dificuldades com a reconstrução do continente. Para sobreviver, as famílias ganhavam alimentos do governo e doações de órgãos internacionais. Eckhard conta que, por ter familiares que eram agricultores, embora com recursos limitados, os alimentos não faltavam.
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“Nossa família teve sorte, sempre tínhamos comida. Todo mês o governo entregava cupons para trocarmos por sal, açúcar, farinha e leite em pó. Ainda tínhamos tios e tias que eram fazendeiros e nos garantiam o básico, como batatas, cenouras e legumes. O que não havia na cidade era dinheiro. Em função da guerra, a inflação aumentou muito. As pessoas faziam trocas por produtos ou serviços. Minha mãe era costureira. Ela costurava cúpulas de luminárias e trocava por alimentos.”
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Uma mensagem
Para a Gazeta do Sul, o escritor elaborou um relato exclusivo de sua história de Natal, que se passou no ano de 1949, quando conheceu o pai. A junção dos fatos, em conjunto com o nascimento de seu irmão no mesmo ano, compõe a história natalina, contada no vídeo abaixo.
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Após retornar para casa, o pai de Eckhard passou dois anos desempregado. Eugen, que era engenheiro agrimensor, teve de provar ao novo governo que fora apenas um soldado cumprindo ordens e que não havia participado dos crimes de guerra praticados pelo exército nazista. Apenas em 1951 o pai de Eckhard conseguiu voltar a sua vida normal. “Foi uma época de dificuldades, de muitos desafios. A vida era simples, mas com muitas inovações, sobrevivendo com trocas”, lembra Eckhard.
Após se formar em Letras e Filosofia na Universidade de Stuttgart, e em Comércio Exterior na Universidade de Bremen, Kupfer chegou ao Brasil em 1977, aos 35 anos, para morar em São Paulo. Na faculdade, ainda na Alemanha, o então estudante de Filosofia teve um professor que tinha contatos com o Brasil. Foi quando ele se interessou pelo país sul-americano.
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No final da década de 1960, Eckhard se mudou para os Estados Unidos, devido a sua formação em Comércio Exterior. Em Nova York, acabou trabalhando em uma empresa americana de transportes internacionais, depois comprada por outra empresa – esta de origem alemã – que começou a fazer negócios com o Brasil.
No final da década de 1970, surgiu a oportunidade de vir ao Brasil para representar a empresa. “Não tinha ideia de que ia ser pra sempre. Inicialmente seriam três meses.” Por nutrir um sonho antigo de trabalhar e morar no Brasil, o alemão nascido em Stuttgart aproveitou a oportunidade e se mudou em definitivo para cá.
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Brasil-Alemanha
Na década de 1990, Eckhard era membro ativo da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha, que editava dois jornais. Pôde então pôr em prática um sonho antigo, de trabalhar como jornalista. Em 1995 começou a escrever semanalmente para o jornal Brasil Post. Mais tarde, o trabalho no periódico, que publicava conteúdo com histórias que ligavam o Brasil e a Alemanha, rendeu-lhe um convite para dirigir o Instituto Martius-Staden, entidade sem fins lucrativos que fomenta o intercâmbio cultural entre o Brasil e países de língua alemã.
Eckhard Kupfer é autor dos livros Cinco séculos de relações brasileiras e alemãs, de 2013, e Relações Brasileiras e Alemãs na época contemporânea, de 2015. O autor também descreve na introdução de seu livro de poemas intitulado Sobre Viver – Über Leben (2019), lembranças de sua infância em tempos de guerra: “Morávamos com meus avós em um apartamento no prédio de um mestre-carpinteiro que tinha sua carpintaria no térreo. Uma bomba caiu diretamente sobre a casa em um ataque aéreo. A sirene local soara o alerta, e assim os moradores buscaram abrigo nos porões”.
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