Ninguém sabe ao certo quando isso começou. Porém, reza a tradição que, para ter batatinha o ano todo, é preciso plantar a Jahres Kartoffel antes do primeiro raio de sol, no dia de São João. A variedade de batata é cultivada em pequenas propriedades e é encarada como um ingrediente que realça o sabor dos alimentos quando processada junto a outros pratos. Na divisa entre Linha João Alves e Cerro Alegre Alto, no interior de Santa Cruz do Sul, o costume é levado a sério, e faz com que produtores rurais despertem ainda mais cedo para cultivá-la.

A agricultora Rosa Weber tem 64 anos e desde criança sabe que, para ter batata o ano todo, precisa levantar mais cedo no dia 24 de junho, para plantar a Jahres Kartoffel, ou batata do ano, traduzindo do alemão. “É uma tradição, e é importante mantê-la. Por isso estamos aqui, para garantir a colheita e fazer continuar este costume”, ensinou dona Rosa. Na companhia do filho, o também produtor Giovane Luiz Weber, e do vizinho Nestor Hentschke, na manhã dessa quarta-feira, 24, ela plantou várias fileiras de batata.

LEIA TAMBÉM: Volta da chuva favorece a produção de hortaliças em Santa Cruz e região

A colheita será igualmente dividida, assim como rezam os costumes do interior. “A gente se ajuda, divide o trabalho desde a preparação da terra, feita no último fim de semana, em conjunto e com uso do trator”, contou seu Nestor, que tem 60 anos.

Após a preparação da terra, as batatas que ficaram para semente – aquelas que são menores e já estão com brotos – são plantadas. Os produtores de Linha João Alves utilizam o mesmo equipamento que serve para plantar o tabaco nas lavouras. “A gente coloca um pouco de adubo e planta a batata, simples assim”, resumiu dona Rosa.

A batata semeada nessa quarta deve estar pronta para a colheita e o consumo em outubro. Por sua característica, a Jahres Kartoffel combina muito bem como ingrediente da salada de maionese. “Ela tem mais amido, é branquinha e tenra”, disse Giovane Weber, que também é colunista e comunicador da Gazeta. Segundo o produtor, quando bem acondicionada, esta variedade de batata dura o ano todo, diferente da batata inglesa, por exemplo, que é facilmente encontrada nos supermercados. “A Jahres Kartoffel não tem para venda no supermercado. Também são poucas famílias que ainda a produzem no interior”, informou Weber.

LEIA TAMBÉM: FOTOS: casal de aposentados mantém horta sustentável no Arroio Grande

Ficar para a semente

Quem tem um pouco mais de 30 anos já deve ter ouvido a expressão “ficar para semente”. A metáfora, que é atribuída à imortalidade ou, pelo menos, à longevidade, também tem ligação com a Jahres Kartoffel.

Uma batatinha enterrada produz, em média, de 15 a 20 batatas. Aproveitam-se, neste caso, apenas as maiores, algo em torno de sete ou oito kartoffels. “O resto fica para a semente. A gente guarda e, depois que ela brota, usa para plantar novamente”, explicou dona Rosa.

Costume que não desaparece com o tempo

Na família Weber, a tradição de cultivar a Jahres Kartoffel está na segunda geração. O filho de dona Rosa explica que deseja passar esta prática para a sua filha, Giovana, de 13 anos. Mais do que um rito de plantar na penumbra do dia, o uso correto do solo e o local próprio para a lavoura de batatas ajudam no sucesso da boa colheita.

A lenda da batata do ano reza que o tubérculo que for plantado no dia de São João não morre com a geada. “A gente também precisa dar uma mãozinha. O local em que nós plantamos a Jahres Kartoffel é um pouco protegido da geada. Além disso, pelas próximas três semanas, elas ficarão germinando dentro da terra, protegidas do frio”, ensinou Weber.

Dando uma “forcinha” para a lenda da batata do ano, as famílias preparam-se para uma boa safra. Parte da área preparada para a Jahres Kartoffel irá receber também feijão e melancia – todos plantados depois do período crítico do inverno. “Mas São João protege só a batata plantada antes de o sol nascer”, sentenciou dona Rosa.

LEIA TAMBÉM: Mantendo a tradição: famílias santa-cruzenses saem à colheita da macela