A vida de Genésio Dumke se tornou mais difícil nos últimos meses. Atividades com as quais estava acostumado, mas que exigem algum esforço físico, como retirar e colocar a lona sobre a carroceria do caminhão graneleiro no qual viajava a trabalho, ficaram bem mais penosas. Aos 49 anos, passou a contar com ajudantes para fazer os fretes e, depois, teve que substituir o veículo por um caminhão-baú, mais simples de lidar. Essas dificuldades não surgiram por acaso: há exatamente um ano, Genésio foi o primeiro morador de Santa Cruz diagnosticado com Covid-19.
No fim de março do ano passado, quando a pandemia acabava de aportar no Brasil, Genésio estava trabalhando há duas semanas no Litoral Sul de Santa Catarina, a cerca de 500 quilômetros do Vale do Rio Pardo, quando começou a apresentar sintomas. De volta para casa, fez o teste, mas só teve a confirmação de que estava positivado no dia 5 de abril. Passou 28 dias isolado na casa onde mora, sem sequer ter contato com a esposa e o filho. Com crises de falta de ar, buscou atendimento no ambulatório de campanha em três oportunidades. “Era muita tosse. Chegava a doer”, recorda.
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Para além dos sintomas físicos, que incluíam perda de paladar, diarreia, febre e muita fraqueza, enfrentou o abalo emocional por conta da solidão e do medo em relação a uma doença desconhecida e que começava a percorrer o planeta com uma velocidade assustadora. “Tu cai meio que em uma depressão. Fica apavorado, não sabe o que vai dar”, conta. “Na época eu não conhecia ninguém que tinha pego. Hoje tenho vários conhecidos que faleceram.” Como se não bastasse, Genésio, que ganha por comissão, afligia-se com a situação financeira da família, já que passou praticamente um mês sem poder trabalhar. Ainda que contassem com a renda da esposa, teve que negociar o aluguel e receber ajudas de pessoas próximas.
Embora não tenha precisado de internação, as sequelas por conta do dano causado pelo vírus aos pulmões seguem até hoje. “Essa noite mesmo eu tive tosse”, contou, quando conversou com a Gazeta do Sul na manhã de quinta-feira. Além disso, passou a conviver com a falta de fôlego, mesmo para atividades rotineiras. “Não consigo. Dá falta de ar. Fica difícil para mim”, lamenta.
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“Não quero passar por isso de novo”
Foi justamente no dia 3 de dezembro, quando completava 55 anos, que os sintomas começaram a aparecer para o professor Flávio Henn. Febril e com dores no corpo, procurou o ambulatório de campanha e teve a confirmação de que estava com Covid-19.
Após alguns dias recolhido em casa, começou a ter crises de falta de ar e, ao buscar atendimento, foi imediatamente internado. O baque foi grande: “Eu não fui com a ideia de que seria internado. Não me despedi do meu filho e da minha esposa”, relata.
No hospital, ficou isolado e, por dez dias, recebeu oxigênio 24 horas por dia. Embora não tenha passado por UTI, não encontrava forças para caminhar e sequer para falar. “Um dia meu celular caiu e eu tentei juntá-lo, mas não consegui, de tão fraco que eu estava. Tive que pedir ajuda.” Só na reta final, quando já havia apresentado uma evolução, é que pôde enxergar a família pela janela do quarto.
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Apesar do sofrimento físico, o maior desafio era lidar com o emocional. “Você começa a pensar no que pode acontecer. E, dentre essas possibilidades, sempre tem a pior. Eu assistia ao noticiário de que, na época, 50% das pessoas que iam para intubação não retornavam”, conta.
Flávio teve alta na véspera de Natal. Sua resistência física, porém, jamais foi a mesma. Para quem tinha a saúde em dia e mantinha um rotina de bons hábitos, não é fácil ver-se ofegante a cada pequeno esforço físico. Por conta disso, também passou a fazer a fisioterapia respiratória regularmente.
Conhecedor da gravidade da doença, convive com o medo constante da reinfecção. “Não quero passar por isso de novo”, diz. Também por saber do sofrimento que o vírus é capaz de causar, espanta-se com o que considera falta de humanismo daqueles que resistem em adotar os cuidados necessários para conter a transmissão. “Eu imploro para quem ainda tem dúvidas sobre esse vírus, que acredite que ele existe e faça a prevenção”, apela.
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Embora tudo seja muito recente, Flávio não hesita em afirmar que a experiência lhe transformou. “Há um outro Flávio agora, que dá mais valor à vida, à família e aos amigos”, resume.
Rodrigo ficou 45 dias na UTI
“Me deram a vida de novo.” Assim Rodrigo Wendland define quando fala, com sentimento de gratidão, dos funcionários do Hospital Santa Cruz, onde esteve por nada menos do que 60 dias no início deste ano, após positivar para Covid-19.
Aos 41 anos, Rodrigo esteve próximo da morte. Passou 45 dias na UTI, 20 deles intubado. Foi um momento de muito sofrimento: tossia sem parar, passava a maior parte do tempo de bruços e chegou a desenvolver uma pneumonia. Debilitado, perdeu 20 quilos.
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O drama começou em janeiro, algumas semanas antes da pior fase da pandemia no município. Funcionário de um supermercado, ele havia incorporado cuidados à rotina. Saía pouco de casa, não dispensava a máscara e higienizava as mãos com frequência. Hipertenso e asmático, acredita ter contraído o vírus quando esteve no hospital para doar sangue a um amigo. Até então, seu contato mais próximo com a doença havia sido em novembro, quando seus pais se infectaram. O pai, com 68 anos, teve um quadro leve, mas a mãe, de 64, chegou a ficar três dias na UTI.
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Rodrigo decidiu fazer o teste após apresentar tosse, falta de ar, dor no peito e dificuldade para comer. Após se isolar em casa, buscou atendimento quando os sintomas começaram a piorar. No ambulatório de campanha, descobriu que estava com um nível crítico de oxigenação no sangue (em torno de 85%) e foi imediatamente levado para internação. No dia seguinte, já estava na terapia intensiva. Embora não pudesse receber visitas, sabia do abalo que a situação causava às pessoas mais próximas. “Todo mundo só chorando, rezando. Meus amigos rezavam também. Foi um sofrimento”, lembra.
Depois de ter alta da UTI, ainda passou 15 dias no quarto, dez dos quais com oxigênio. Já em casa, deu início a uma rotina de cuidados que segue até hoje e inclui fisioterapia diária. Ainda debilitado, só deve voltar a trabalhar em maio e espera ansioso pela vacina. “Mas acho que vai demorar ainda”, pondera.
Dois dias após deixar o hospital, soube que um colega de trabalho havia falecido de Covid. Questionado sobre o que sentia no momento em que retornava para casa, responde com alívio e alegria: “Venci a luta.”
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