São seis horas da manhã e a filha, Loreci, entra no quarto de Maria Aldina da Rosa, 84 anos, e diz: “Mãe, aqui é cidade, não precisa acordar cedo. A senhora não tem os serviços como tinha lá na roça. Fica na cama mais um pouco e depois eu te chamo pra tomar chimarrão comigo”. De nada adianta Loreci repetir esse discurso todas as manhãs. Maria Aldina, corajosa e cheia de energia, gosta de sair cedo da cama e cumprir seu ritual: passa água benta nas mãos, nos braços e no rosto, depois sai para varrer o pátio, volta para dentro de casa, toma café, curte algumas canções de João Mineiro e Marciano, ajuda a preparar o almoço e limpa o pátio novamente.
Outro de seus hábitos é dar uma olhada no jornal que recebe em casa todos os dias. Embora não saiba ler, pois nunca frequentou escola, reconhece ligeiramente as fotos de Dilma, Lula e até do “bonito” Sérgio Moro, que viu inclusive na TV, mas está longe de entender a situação política do Brasil. Ela diz preferir contar suas próprias histórias. Uma delas é sobre o quanto foi namoradeira na juventude. As paixões foram tantas, e tão intensas, que teve sete filhos com sete rapazes diferentes. “Sério isso, dona Maria?”, perguntamos. Então ela sorri e detalha cada um dos casos.
Um dos romances foi na Costa do Rio, interior de Candelária, outro na Travessa da qual esqueceu o nome, outro ainda em um jogo de futebol, e assim por diante. Sete paixões e sete filhos. Os partos, recorda-se ela, foram todos feitos em casa. E dois deles, ela os fez sozinha: cortou o cordão umbilical, deu banho nos bebês e os criou cuidadosamente até ficarem crescidos. Mas todas essas histórias não aconteceriam, admite dona Maria, se seu pai, o Joãozinho, vivo estivesse. João, com certeza, condenaria toda essa quantidade de amores. Ele mesmo casou-se uma única vez, ficou viúvo, não quis mais saber de outra mulher e dedicou-se exclusivamente aos filhos. Inclusive à sua princesinha Maria Aldina. Os vestidos de dona Maria, por exemplo, seu João era quem comprava a “fazenda” e os mandava confeccionar conforme suas instruções: manga comprida e dois palmos abaixo do joelho. “Meu pai era muito severo, mas muito querido com a gente, era ele quem sempre penteava meu cabelo comprido”, sorri Maria.
Mas a principal curiosidade que nos fez conhecer Maria Aldina é o porquê do hábito de passar água benta pelo corpo todos os dias. A história começou assim: certa vez, há uns oito anos, Maria resolveu visitar uma das filhas, a Ercília. Preferiu ir a pé em uma distância de cerca de três quilômetros. No retorno para casa, sentiu-se mal e conseguiu chegar a tempo ao Santuário de Schoenstatt, de Santa Cruz do Sul, perto de onde mora hoje. “Me deu um calorão que achei que ia morrer. Mas logo que cheguei na capela, passei água benta no corpo e me senti melhor. Acho que foi um milagre.” Desde então, Maria nunca fica sem a água abençoada em casa e acredita no poder da fé. Por isso ela aparece na foto desse jeito: com o litrão de água benta debaixo do braço, retornando do santuário das “beatas”, como ela diz. É a rotina de todos os dias.
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