Vicente Bogo (PSB) foi um dos cinco membros mais jovens da Assembleia Nacional Constituinte. Ao longo do processo que deu origem à atual Carta Magna, apresentou 111 propostas, das quais 32 foram aprovadas. Alguns anos depois, tornaria-se vice-governador do Rio Grande do Sul na gestão de Antônio Britto – período, por sinal, marcado pela federalização da dívida dos estados, do início do ciclo de privatizações de estatais e das primeiras concessões rodoviárias, temas que estão em ampla evidência na campanha atual.
Natural de Santa Catarina, Bogo, que é professor universitário, iniciou a vida pública em Santa Rosa e não ocupa cargos públicos desde 1999, quando deixou o Piratini. Sua volta à cena política se deu após sair do PSDB, partido do qual foi fundador, em março deste ano, e sobretudo após a desistência de Beto Albuquerque de concorrer a governador, às vésperas das convenções.
Na entrevista que concedeu no último dia 16, na sede estadual do PSB, em Porto Alegre, Bogo disse que pretende reabrir a negociação com a União em torno da dívida por considerar que o acordo encaminhado pelo governo atual transforma o Estado em um “território federal”. Descartou privatizar Banrisul e Corsan, prometeu adotar modelos de incentivos a empresas criados em Santa Catarina e acusou as recentes concessões de estradas de falta de transparência.
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O senhor já afirmou que a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal vai comprometer a autonomia do Estado sobre suas finanças. Qual seria, então, outro caminho para resolver a dívida?
As negociações feitas não foram de todo transparentes ou construídas com apoio popular. Isso precisa ser revisto. Não podemos ficar reféns de uma situação em que não há preocupação com os investimentos necessários para a população. Temos que achar saídas. Não vou suspender os pagamentos, mas reabrirei o diálogo com o governo federal, sim. Quero discutir o juro aplicado, os indexadores e o próprio Regime de Recuperação Fiscal, que já foi quebrado pelo governo federal ao intervir sobre um tributo estadual, que é o ICMS. Certo que seria bom se pudéssemos baixar impostos progressivamente e, se eu puder, é o que vou fazer. De outra parte, tenho que, desde logo, ver outras soluções para que o Estado não fique paralisado.
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O atual governo privatizou a CEEE e a Sulgás e deu início à venda da Corsan. O senhor tem ideia de desestatizar mais alguma estrutura?
Em 42 dos últimos 50 anos, os governos gastaram mais do que arrecadaram. Então, não temos uma dívida ao acaso. Quando se consolidou a dívida, era de R$ 9 bilhões. Hoje estamos com um pouco menos de R$ 80 bilhões. Então, vemos que é preciso fazer alguma coisa. Lá atrás, vendemos a CRT e parte da CEEE. Hoje ainda restam o Banrisul e a Corsan. A meu juízo, não há conveniência de vender o Banrisul, se tivermos um projeto de desenvolvimento do Estado. Nós temos um banco que é rentável e pode ser o principal banco, junto com o BRDE e o Badesul, para atender atividades que necessitam de financiamento mais acessível e prazos mais adequados do que o sistema financeiro geral oferece. Precisamos expandir a atividade econômica e uma das formas é ter meios de financiamento. Vamos trabalhar para que o Banrisul seja bem administrado e redirecionar um pouco o foco.
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E quanto à Corsan, como garantir que a empresa, sob gestão pública, tenha condições de cumprir as metas do novo Marco Legal do Saneamento?
A Corsan já não tem tanta área de cobertura como já teve. Muitos municípios, ao longo do tempo, não renovaram os contratos com a companhia, como Uruguaiana e Novo Hamburgo. Sabe-se que a Corsan não tem rentabilidade que lhe permita fazer todo o investimento ou ter patrimônio para dar garantia para captar todo o recurso necessário, sobretudo para o saneamento, que é o mais caro. A solução definitiva não tenho para dar, mas tenho ideias. Primeiro, ver quantos municípios estão dispostos a fazer contrapartida. Segundo, existem fontes de financiamento, também internacionais se for o caso, para saneamento. E diante do Marco Legal, acredito que seja possível até conseguir recursos federais. Em última hipótese, podemos pensar em alguma parceria público-privada. Então, esses dois, Banrisul e Corsan, não vou privatizar.
Mas o senhor tem em vista alguma outra estrutura para vender?
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Vou avaliar qual a situação que vamos receber e tomar a melhor decisão possível. Não sou privatizante nem estatizante. O Estado deve garantir que a sociedade tenha os serviços essenciais a um preço justo. Se o governo é capaz de fornecer isso melhor e mais barato do que o privado, talvez se justifique que faça isso. Se eu tenho como fornecer isso por outro caminho, mais barato, vou pelo caminho que for mais útil e funcional para a sociedade. O que importa são as pessoas. O Estado precisa garantir que haja o serviço lá na ponta.
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Há uma projeção do próprio Estado de que haverá uma perda de R$ 2,8 bilhões neste segundo semestre com o novo teto do ICMS. Como lidar com essa queda da receita?
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Essa projeção significa que o segundo semestre vai “comer” metade do superávit que o governo anunciava para este ano. E no ano que vem começa a se pagar as parcelas da dívida, então já estaremos com pouca margem para poder pagar salários e manter coisas básicas. Por essa razão, digo que o tema da dívida precisa ser retomado. O Regime de Recuperação Fiscal transformou o Rio Grande do Sul em um território federal, porque tirou totalmente a autonomia de gestão do Estado. Não pode contratar, a não ser para substituir, não pode reduzir imposto. Nunca imaginei que chegaríamos ao ponto de ter dois gestores federais, junto com um estadual, controlando as finanças do Estado. É uma negação da nossa capacidade de autonomia histórica.
O senhor já falou sobre a necessidade de gerar emprego e um dos instrumentos utilizados para isso sempre foi a desoneração. Como o senhor agiria?
Um bom exemplo de desenvolvimento nos últimos dez ou 15 anos está bem próximo de nós. Santa Catarina tem pouco menos de 7 milhões de habitantes, enquanto nós temos 11,3 milhões. No entanto, eles têm mais de 800 mil empregos formais e nós temos menos de 700 mil. O que eles fizeram lá? Há fatores geográficos, certamente, mas eles desenvolveram um programa de incentivo às empresas. Eu vou desenvolver uma política de incentivo fiscal similar. Vou preservar o Fundopem, mas acho que é preciso repensá-lo para torná-lo mais atrativo. Pode-se pensar em reduzir tributo de algum setor para alavancá-lo, mas precisaria que o Estado estivesse em condição de folga de caixa, e hoje não parece ser prudente sinalizar nessa direção. Mas Santa Catarina fez outra coisa importante. O governo permite que um percentual do que a empresa deve recolher de ICMS seja declarado, mas não recolhido e destinado para alguma entidade que faça qualificação da mão de obra. Ou seja, a empresa usa uma parte do tributo para tornar mais competitivo o seu negócio. É uma coisa simples e que pode ser feita aqui.
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Ao mesmo tempo que se discute tanto a necessidade de rigor fiscal no Executivo, vemos outros poderes criando novos benefícios. Enquanto governador, o senhor tentaria questionar isso?
Fui deputado federal constituinte. Quando alguém toma posse como governador, faz um juramento de que vai cumprir a lei. Certa ou errada, boa ou ruim, a lei tem que ser cumprida, a democracia requer isso. Lá na constituinte foi discutida a autonomia dos poderes, que é uma tese que eu defendi e deve ser defendida. Mas autonomia dos poderes é uma coisa, orçamento é outra. Quem aprova o orçamento é a Assembleia. Significa dizer que aumento de salário e de orçamento depende de aprovação legislativa. Essa é a regra. O Judiciário passou a interpretar, e os governos aceitaram, que há autonomia orçamentária. Então, aprova o orçamento e quer que o governo repasse a totalidade do valor. Mas a arrecadação é uma só, vem via Executivo. Então você dá 100% para o Judiciário, 100% para a Assembleia e o Executivo não fica com 100% porque não se concretizou, fica com o que sobra.
A meu juízo, não é certo. Se a arrecadação é uma, todos deveriam ter sua parte sobre o orçamento efetivamente realizado. Isso seria o normal. Não é certo que o Supremo Tribunal Federal altere o teto, impactando toda a estrutura e aumentando custos Brasil afora. Quem deveria estar discutindo isso é o Parlamento.
Em relação a isso, com o que o senhor se comprometeria em termos de valorização salarial dos servidores? É possível garantir reajustes todos os anos?
Com a inflação, todo mundo quer manter o seu poder aquisitivo. É a coisa mais justa. Eu quero valorizar o servidor, mas com o Regime de Recuperação Fiscal, se não tiver superávit contínuo, não vai ser permitido isso. Hoje, tirando a correção de salário anual, que é prevista pela lei, não há possibilidade de o governante fazer mudanças, exceto eventualmente alguma reorganização das carreiras. Mesmo assim, não posso criar gastos permanentes sem superávit permanente. Felizmente ou infelizmente, o governo, depois do Regime de Recuperação Fiscal, ficou de mãos atadas em relação a isso.
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A economia do Estado está sofrendo os efeitos de uma das piores estiagens de sua história. Como proteger a produção agrícola?
Lembro que nos anos 1980 e 90, tínhamos entre três e quatro estiagens por década. Estamos talvez voltando a isso agora. Infelizmente, na última safra foi muito forte. Tivemos perdas grandes, e se considerar os preços das commodities, os volumes que deixaram de entrar são bem elevados. Precisamos, de alguma maneira, de uma cultura mais forte de poupança. O governo tem que fazer poupança, sim. Não tinha dinheiro guardado para enfrentar a pandemia, teve que emitir títulos, receber dinheiro americano emprestado. E quanto estamos pagando de juros? A falta de poupança impede uma ação imediata em um infortúnio. O produtor também precisaria ter essa cultura. Se não tem isso, não passa pelas crises.
Nesse contexto, teremos que achar uma maneira de viabilizar a irrigação. Para isso precisa ter água; para ter água, precisa de açudes. O licenciamento é uma questão-chave, porque a legislação ambiental é muito rigorosa. No mínimo, o governo tem que se pronunciar sobre isso de maneira ágil. Não se pode esperar dois anos para dizer que não pode. De outra parte, precisamos fazer acordos com municípios para disponibilização de máquinas e equipamentos para fazer uma quantidade grande de açudes. Não posso me contentar com 2 mil pequenos açudes se tenho 300 mil produtores.
O Censo Escolar apontou aumento na taxa de abandono nas escolas públicas e queda nas matrículas na educação básica. Como reverter esse cenário?
É lamentável que estejamos nessa situação. Nós temos uma avaliação do desempenho em matemática e português que demonstra que aquele que termina o Ensino Médio não foi muito além do Ensino Fundamental. É uma falência. Precisamos valorizar os nossos professores, e isso não é só salário, atualizar as diretrizes político-pedagógicas do nosso ensino, melhorar o ambiente escolar para que a criança se sinta bem, incorporar atividades de lazer, desporto e artísticas, trazer laboratórios para dentro das escolas. E temos que fazer parcerias com empresas, já que muitas têm vagas mas não encontram profissionais especializados. Precisamos entender o mercado de trabalho, no sentido de que a formação tecnológica e profissional seja direcionada a isso, e as profissões do futuro. E vamos tratar disso regionalmente.
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E como, de fato, avançar na infraestrutura das escolas, se hoje muitas chegam a aguardar vários anos por melhorias?
Precisamos descentralizar ao máximo as decisões. Não é possível que, lá na Costa do Uruguai, para trocar uma lâmpada ou trocar um vidro, seja preciso enviar uma demanda para alguém autorizar em Porto Alegre. Temos que achar alguma maneira de simplificar. Já existe alguma descentralização com a parcela autônoma que as escolas podem administrar. Vamos ver se é o caso de destinar mais para isso e, se preciso, mudar a lei de maneira que cada escola possa fazer as coisas básicas imediatamente.
De outra parte, se descentralizarmos e trabalharmos de modo compartilhado com os municípios, temos que trazer a comunidade para dentro da escola. Quando a comunidade se movimenta, é fácil. O governo tem que entrar junto, mas se a comunidade não se interessar por sua escola, fica difícil. Gostaria que toda escola tivesse área coberta, quadra de esportes e um ambiente agradável.
O senhor tem falado nos debates que pretende zerar a fila de espera por procedimentos em saúde em seis meses. Como cumprir essa promessa?
Fala-se em mais de 100 mil consultas e exames represados. Tenho conversado com vários setores da saúde e tenho convicção de que é possível resolver isso em um curto prazo. Dou o tempo de seis meses, considerando que iria precisar de dois ou três meses para fechar uma negociação, incluindo os municípios, e depois uns três meses para fechar o gargalo. Temos um monte de capacidade ociosa em hospitais, clínicas e laboratórios. E com telemedicina, podemos agilizar isso tudo. É questão apenas de fazer uma parceria.
Não estaríamos inventando, isso já foi feito em São Paulo. O então prefeito Doria criou um programa chamado Corujão da Saúde. Quem trabalhava de dia à noite ia lá, passava por um atendimento inicial e, verificada a necessidade da consulta, era atendido via telemedicina. Já tenho até sinalização de alguns setores que se dispõem a participar de algo do gênero. É absolutamente viável.
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E como o senhor lidaria com a dívida do IPE, que chega a mais de R$ 1 bilhão?
O IPE tem uma dívida alta porque a sua receita não cobre o serviço. E isso porque o IPE não tem autonomia de estabelecer um contrato que equilibre essa relação com o usuário. Com o congelamento dos salários, o IPE não consegue reajustar o seu preço. E o servidor não aceitaria hoje aumentar a sua contribuição, não há ambiente para isso. Não vejo alternativa no momento que não seja o Estado cobrir essa conta. Mesmo que venda os prédios, não vai ter patrimônio para cobrir essa conta. E se cobrir, o déficit volta. Poderia o IPE abrir-se para novos clientes não vinculados ao setor público, com planos especiais? Se for viável, vamos analisar.
Nos últimos anos, tivemos queda de crimes como homicídios e latrocínios, mas os feminicídios cresceram. Como fazer frente a esse cenário?
Não é possível a polícia estar na casa de cada um para controlar a violência doméstica. De fato, os feminicídios têm crescido, também em parte porque se passou a interpretar como feminicídio praticamente todas as mortes de mulheres por homens. Mas como vamos reagir? Primeiro fazer campanhas de esclarecimento e, antes disso, investir na escola. Se o menino aprende a respeitar a menina e conviver junto, há mais chance de que vão se respeitar na vida adulta. A outra parte é repressiva e preventiva. É preciso monitorar melhor os possíveis agressores. E temos que pensar em casas de acolhimento, tanto para mulheres quanto para crianças, e regionalizar esse atendimento.
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E o que o senhor pensa sobre a implantação de câmeras em viaturas e uniformes de policiais, que foi rejeitada pela Assembleia Legislativa?
A nossa realidade é bem distinta de São Paulo e Rio de Janeiro, onde a ação não bem controlada dentro de grupos das forças de segurança acaba causando uma série de problemas. Não temos esse grau de transgressão. Mas não vejo dificuldade de adotar a câmera em quem faz o chamado policiamento ostensivo. Não me parece que seja preciso colocar em cada agente de segurança, mas quando está no trabalho ostensivo, a câmera é proteção também para quem está trabalhando. Não sinto na nossa polícia esse instinto de violência. Há casos, mas não é uma normalidade. Então temos que ter racionalidade.
O governo atual encaminhou uma série de concessões de rodovias. Se o senhor for eleito, vai dar sequência a esse modelo?
O governo começou o processo de concessões de rodovias lá atrás porque já não tinha dinheiro para mais nada. Vou manter as concessões para fazer duplicações, melhorias de trecho, sinalizações, manutenções. O que eu questiono é a transparência dos processos. Esses processos deveriam ser mais abertos e discutidos com a sociedade. Veja o caso da RSC-287. Para fazer o edital, era necessário que houvesse audiências públicas. Aí eu sei que fizeram uma audiência pública em Santa Maria, em um hotel com 15 ou 20 pessoas. Isso não é uma discussão com a comunidade.
Quero trazer para o governo a possibilidade de fazer consultas permanentes à comunidade. Temos que valorizar as pessoas nesse processo. Aí foi feita a concessão para uma multinacional e o pedágio baixou, mas vão construir mais três praças. Ou seja, na soma vai ficar mais caro. E isso não me parece que foi colocado claramente. Vendeu-se apenas que ia baixar a tarifa.
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