Ninguém tinha dado atenção a Green Book – O Guia até ele estrear no Festival de Toronto, em setembro, e imediatamente entrar para os prováveis candidatos do Oscar – uma previsão que se confirmou com as cinco indicações recebidas (de melhor filme e ator coadjuvante, para Mahershala Ali, que já havia recebido um Oscar de coadjuvante em 2017 por Moonlight – Sob a Luz do Luar). O longa também ganhou três Globos de Ouro, de melhor musical ou comédia, roteiro e ator coadjuvante (Ali), além do prêmio do Sindicato dos Produtores. Green Book está em cartaz no Cine Santa Cruz a partir desta quinta-feira, na Sala 1 (Confira os horários dos cinemas na página 13 desta edição).
O filme se baseia em uma história real dos anos 1960 nos EUA, quando leis de segregação racial ainda estavam em vigor no sul do país. O celebrado pianista Don Shirley (Mahershala Ali), negro, contrata o leão de chácara ítaloamericano Tony Lip (Viggo Mortensen) para ser seu motorista e segurança numa turnê pela região.
Ao resgatar a história de Shirley, Green Book faz serviço à história. O pianista virtuoso atuava nas duas frentes, erudita e popular, quando ninguém ousava sair dos compartimentos do mercado, mas isso não livra a história de contradições. O filme chegou ao Oscar envolvido em polêmicas, com parte de sua história contestada. Para o jornalista Julio Maria, a história de Nat King Cole daria um outro filme. Lembrado em um diálogo de Green Book, o cantor foi vítima de ameaças da KKK e de brancos supremacistas do Sul dos EUA.
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Quando se apresentava cantando Little Girl em 1956, em Birmingham, três homens que pertenciam ao Conselho dos Cidadãos Brancos do Norte do Alabama tentaram sequestrá-lo em pleno palco. Subiram ao tablado, jogaram Cole de costas no chão e tentaram levá-lo. A segurança agiu rápido e conseguiu contê-los. Cole saiu com as costas machucadas e os agressores, presos. Eles acabaram condenados pela Justiça.
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Trajetória
Don Shirley (1927-2013) nasceu em Pensacola, na Flórida, de pais jamaicanos. Ele queria ser pianista clássico. Aos 18 anos, solou o famoso Concerto nº 1 de Tchaikovsky com a Boston Pops. Mas o empresário Sul Hurok só faltou dar um cascudo em Shirley para fazê-lo desistir. Apenas por ter resgatado do limbo esse notável pianista negro que insistiu em fazer música ao mesmo tempo norte-americana e clássica, como afirmou em entrevistas antigas, Green Book já tem um forte significado simbólico. O destino de Shirley não foi tão glorioso. Ele ficou ensanduichado entre os dois gêneros numa época em que eles eram rigidamente compartimentados.
O Carnegie Hall, aberto graças à elite nova-iorquina na década de 1890, só recebeu sua primeira apresentação de música popular em 16 de janeiro de 1938 (o célebre “concerto” da big band de Benny Goodman, então coroado o “rei do swing”). Determinado, Shirley impôs sua estética híbrida e gravou bastante entre os anos 1950 e 80. Ouça no YouTube duas performances arrebatadoras: de Georgia on my Mind e I Can’t Get Started. Nesta última, ele constrói uma fuga com absoluta densidade, opera o milagre de fundir formas clássicas com um swing refinado. Tudo de extremo bom gosto – mas nunca banal, sempre essencial.
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