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FORA DE PAUTA

Velha infância

Lembro-me como se fosse hoje, eu e meu avô sentados embaixo da parreira da casa dele conversando sobre assuntos diversos. Geralmente, ele contava histórias das suas pescas, caçadas, sempre com muitas firulas para entreter a neta. Aliás, ali sentados comemos muita uva nas tardes quentes de verão e aprendi o carteado com ele, exímio jogador.

Acompanhei-o algumas vezes quando ele ia jogar em um vizinho. Na verdade, eu mais ficava perguntando, e penso que até atrapalhando, do que quieta. Mas ele sempre pedia minha companhia, era uma diversão para ele também. Até que fui crescendo mais, e claro, ele me ensinou a jogar com ele. A programação dos sábados era justamente essa, café na casa do vô e carteado.

Tenho com ele muitas lembranças da minha infância. Quando eu o visitava, ele me dava uma nota de um real e algumas moedas. Sim, faz anos, e eu ia até a “venda” comprar balas. O dinheiro valia muito mais naquela época, portanto, voltava com as mãos cheias de balas e chocolate. Pronto, a tarde estava feita.
E pescar então?

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Lá foi o seu João me ensinar a pescar em um açude em General Câmara, mas o grande primeiro problema foi minha tagarelice. Eu ficava conversando, perguntando coisas, me movimentando ansiosa para pescar um peixão e não vinha nada. Ele me explicou que o barulho assustava os peixes.

Precisávamos ficar em silêncio. Outra questão foi as minhocas, eu não gostava de pegá-las na mão, mas precisava montar minha isca, afinal, eu era uma moça grande, no auge dos 8 ou 9 anos. Depois de muita paciência e risadas da parte dele, peguei um lambari filhote, mas fiquei com pena e devolvi para a água. A pescaria rendeu naquele dia, não para mim, mas para ele.

Chegamos em casa com vários pintados, que viraram um bom ensopado depois, um ensopado que ele fazia como ninguém, o melhor que já comi. Aliás, muitas das coisas que ele dedicava tempo e carinho para fazer para mim eram as melhores. O melhor ensopado de pintado, o melhor omelete com linguiça, o melhor café com leite, as coisas simples se tornavam especiais.

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Na horta no fundo do quintal ele tinha várias hortaliças, mas a couve era a protagonista. Ele ficava capinando e eu sentava no meio dos canteiros, comendo couve arrancada direto do pé. Ele dizia para eu não comer sem lavar, pois podia ter bichinhos, mas nada adiantava, eu continuava comendo. Situação que inclusive rendeu uma foto feita no início dos anos 2000, que guardo com muito carinho.

Eu tenho plena certeza de que era a neta favorita, é um achismo com diversos argumentos fortes. Mesmo depois de adulta, eu chegava na casa dele e, como sempre, via a mesma cena, ele na cadeira de pelego ao lado da porta. O abraço vinha cheio de perguntas, sobre a vida, rotina, estudos e trabalho.

Nesse meio-tempo, ele puxava a cadeira da mesa e sacava o baralho, enquanto eu misturava as cartas, ele fazia nosso café. Era a nossa rotina, desde que eu era uma criança, e ele preservava e zelava. Depois de conversar e jogar por algumas horas, chegava o momento de me despedir. Antes disso, fazia questão de ir na horta pegar couve, sempre separava um maço para eu levar.

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Ele fazia questão de dizer: “Tu lembra, guria, quando era pequena corria nos canteiros e comia direto do pé, era uma arteira”. Eu lembro disso sim, lembro também de diversos outros momentos que ficarão eternizados.

São memórias que enchem meu coração de amor e trazem o valor das coisas simples. Não tive a chance de me despedir dele, mas tenho muitos momentos incríveis que levo comigo. Afinal, somos instantes, e os que tive na presença do seu João foram leves, divertidos, de aprendizado e amor.

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