Os atos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro que ocorreram no fim de semana em diversas cidades reaqueceram o debate sobre a implantação do chamado “voto impresso auditável” no Brasil. O assunto, porém, está longe de um consenso entre especialistas.
Na terça-feira, 4, o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), determinou a instauração de uma comissão especial para analisar a PEC 135, proposta em 2019 pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), que torna obrigatória a impressão de cédulas em papel em eleições. Na prática, o eleitor seguiria votando na urna eletrônica, mas poderia conferir o voto em uma espécie de comprovante físico (veja quadro).
A ideia divide opiniões. Os apologistas alegam que essa medida pode dar mais segurança aos pleitos, enquanto os críticos pregam que o voto eletrônico é confiável e a mudança tornaria o sistema mais vulnerável. A Gazeta do Sul ouviu dois advogados eleitoralistas a respeito do tema.
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Para o advogado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, Renato Ribeiro de Almeida, a implantação do voto impresso auditável representaria um retrocesso. Almeida observa que a atual urna eletrônica foi concebida para ser o mais simples possível, de forma a permitir o transporte até os pontos mais distantes do Brasil.
O novo modelo, segundo ele, geraria um equipamento muito mais complexo e passível de falhas técnicas. “Isso traria custos elevadíssimos à Justiça Eleitoral para realizar uma eleição em um país com as dimensões do Brasil”, ressalta.
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Segundo Almeida, a experiência das últimas décadas demonstrou a segurança do voto eletrônico. Mecanismos como a criptografia das urnas e o acompanhamento de organismos internacionais e órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público na preparação da eleição tornam, na sua avaliação, “absolutamente difícil” fraudar uma eleição.
Ele também lembra que, ao contrário do que costuma ser afirmado, diversos países no mundo adotam o modelo eletrônico em suas eleições – ele funciona inclusive em várias regiões dos Estados Unidos. “Jamais houve, do ponto de vista racional e lógico, nenhuma prova de que as urnas eletrônicas fossem, de alguma forma, violadas”, afirma.
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O advogado entende que a retomada da votação em papel, ainda que paralela ao voto eletrônico, “geraria insegurança” e tornaria o processo mais suscetível a fraudes, como ocorria no tempo da contagem manual. “Uma pessoa com uma caneta conseguia violar uma cédula de votação. Na atual situação, isso é muito mais difícil.”
De acordo com Almeida, a defesa do voto impresso é “um discurso oportunista e que curiosamente vem de quem venceu as eleições”. As desconfianças geradas sobre o sistema de votação, no seu entender sem provas, agridem a democracia. “Ao se desacreditar o sistema democrático, abre-se algumas brechas para um sistema autoritário. Foi o que se tentou fazer nos Estados Unidos, sem sucesso.”
Defensor do voto impresso auditável há vários anos, o advogado e professor de Direito Eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos diz que a implantação do voto impresso auditável é uma medida de transparência. Para ele, não há como afirmar que o sistema eletrônico é imune a fraudes porque as possibilidades de aferição dos resultados são, na sua visão, limitadas. “Nenhum partido dispõe de sistemas condizentes com esse que a Justiça Eleitoral utiliza. Só não há elemento de fraude porque jamais foi possível auditar”, afirmou.
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Mayer contesta a afirmação de que o novo modelo representaria custos muito elevados aos cofres públicos, uma vez que as urnas eletrônicas já têm impressoras internas para emissão da zerésima – documento gerado antes do início da votação para mostrar que não há votos registrados previamente. Segundo o especialista, bastaria a Justiça Eleitoral priorizar esse investimento e realizá-lo de forma escalonada. “É possível, sim, acoplar a impressora sem esses custos milionários que o TSE afirma”, defende.
O advogado também rejeita a alegação de que a defesa do novo modelo é restrita aos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. “Outras pessoas, anteriormente a esse governo, já vinham preconizando o voto impresso como meio de conferência. Desde a eleição de 2014, esse assunto vem à tona”, afirma.
Embora reconheça que a impressão de votos possa enfrentar problemas técnicos no decorrer da votação, Mayer afirma que essas situações são “passíveis de previsibilidade” e, em virtude do apuro tecnológico, tendem a ser “excepcionais”.
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Mayer critica o que chama de “tabu” em torno do sistema eletrônico. Alega que a defesa de um mecanismo adicional de conferência não representa um retrocesso, e sim uma forma de obter “certeza” quanto ao resultado dos pleitos. “É só mais transparência. Em um país democrático, não pode haver tabu em um mecanismo que legitima os eleitos. Não é nenhum delírio sustentar a exigência do voto impresso.”
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