A cadeia produtiva do tabaco teve suas atenções voltadas ao Panamá durante a 10ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, de 10 a 15 de fevereiro. Comitiva de líderes das regiões brasileiras identificadas com o segmento esteve no país da América Central para acompanhar as tratativas.
A Gazeta se fez presente, a exemplo de várias edições da COP que tiveram cobertura em suas plataformas de conteúdo. Tanto a imprensa da região do tabaco como a representação do setor não obtiveram acesso ao ambiente das discussões. Encerrado o evento, a Gazeta faz um apanhado de alguns pontos que certamente merecerão mais reflexões e debates no Brasil sobre os rumos das políticas antitabagistas.
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Um aspecto que se escancara aos olhos de quem acompanha edição da COP é a onipresença de representantes de organizações não governamentais (ONGs)São admitidas como “sociedade
civil”, e inclusive estão sempre muito perto de membros da delegação brasileira que atua pelo País nas discussões. A pressão (ou o lobby) de tais ONGs é tamanha que praticamente se portam como se governo fossem. Porém, a serviço de que “sociedade civil” exatamente estão, isso não fica muito claro, pois se sabe que por trás delas estão financiadores internacionais. Ou seja, a ONG que atua no Brasil e pressiona o governo brasileiro por medidas contrárias ao cigarro ou ao tabaco, supostamente em nome da saúde, na verdade talvez esteja a serviço da “saúde financeira” de um financiador estrangeiro. Que pode muito bem ser de concorrente direto do produto nacional (dos EUA ou da Europa, por exemplo).
Um dos temas mais recorrentes em edições da COP é a necessidade de “diversificar” as propriedades rurais que se dedicam ao cultivo de tabaco, a fim de “diminuir” a dependência das famílias a essa cultura
(por diminuir, no discurso de delegações ou ONGs, entenda-se, óbvio, eliminar o tabaco). Uma vez que as regiões identificadas com o tabaco estão, historicamente, entre as mais diversificadas em realidade de Brasil, fica evidente que os antitabagistas nunca visitaram essas áreas ou se dedicaram a pesquisar a respeito. O discurso de tais lideranças soa sempre inócuo ou completamente descolado da realidade. O perfil da produção de tabaco, especialmente no Sul do Brasil, aponta para tamanho médio de propriedade dos ,produtores de 10,5 hectares. O tabaco ocupa menos de dois hectares, sendo o restante dedicado para várias outras atividades, entre elas grãos, hortigranjeiros e pecuária.
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Uma das questões mais paradoxais em realidade de Convenção-Quadro está no artigo 5.3 do tratado, que, em essência, quer rechaçar ou evitar a participação da indústria na tomada de decisões, sob o argumento de que esta interferiria em favor de seus próprios interesses. Mas, na prática, apoiada nesse ponto, a organização consegue barrar ou excluir a todos que lhe convém, inclusive a imprensa oriunda de regiões identificadas com esse cultivo, como foi o caso no Panamá. E só admite os que pensam exatamente como ela. Em evento sob a chancela da ONU, o caráter público e abrangente deveria estar mais do que preservado. Mas a COP não apenas exclui as populações implicadas ou interessadas no debate: toma decisões sobre elas, à revelia delas, julgando-as ou interferindo em suas vidas sem ouvi-las. Esse ponto deslegitima em grande medida qualquer ação da COP, revestindo-a de caráter ditatorial.
Adotado em 1918 no setor do tabaco, o Sistema Integrado de Produção tornou-se um modelo posteriormente implementado em vários outros segmentos do agro no País, a exemplo das proteínas e do leite, e se tornou case de sucesso para o mundo todo. Esse formato de parceria entre empresas e
produtores resultou em um dos mais eficientes meios de ajustar a produção à demanda, seja em realidade interna, seja no mercado internacional. Graças à assistência técnica, prestada por orientadores das próprias empresas e ainda pelo setor público (Emater), a introdução de tecnologias trouxe ganhos em diversificação, fontes de renda alternativas e cuidados com os recursos naturais. Uma vez que o tabaco brasileiro está na vanguarda mundial, por que justamente o setor no Brasil é tão visado pelos antitabagistas (até os nacionais) se o País está muito à frente das demais nações em eficiência produtiva? Ou seria visado justamente por isso?
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Segundo maior produtor mundial de tabaco, com 634 mil toneladas (atrás apenas da China, que colhe 1,8 milhão de toneladas), desde 1993 o Brasil lidera de forma absoluta o ranking de vendas externas dessa matéria-prima. Diante da profunda identificação com a produção de tabacos, desde o século 19, e da condição de ser há décadas o grande fornecedor de folhas de alta qualidade, surpreende que seja justamente o Brasil quem adota posição de forte combate a esse comércio. Nações concorrentes do produto brasileiro, a exemplo dos EUA e Argentina, não ratificaram a Convenção nem levam em conta decisões dela advindas. Os EUA são o atual quinto maior produtor e quinto maior exportador mundial, enquanto a Argentina é oitava em produção e sétima em vendas externas. A lógica sugere que o Brasil não tem absolutamente nada a ganhar com estar na Convenção-Quadro. Mas tem tudo a perder.
Imediatamente após a COP-10, ao longo desta semana foi realizada também na Cidade do Panamá a 3ª
Reunião das Partes (MOP-3) do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco. Sobre tais tratativas, iniciadas em 2018 na COP em Genebra, na Suíça, o setor produtivo e industrial do tabaco no Brasil depositava expectativa quanto à adoção de medidas que pudessem frear a presença no mercado de cigarro contrabandeado e ainda do oriundo de fábricas clandestinas.
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No entanto, praticamente não houve avanço nos debates. Diante disso, lideranças da indústria do tabaco no País defendem que o governo brasileiro aprimore mecanismos de repressão tanto ao ingresso de produto contrabandeado do Paraguai quanto à venda de cigarros fabricados de forma ilegal no próprio Brasil.
Um dos argumentos recorrentes das delegações oficiais que atuam na proposição de campanhas antitabagistas em ambiente de COP é o de que elevar a tributação sobre o cigarro ou sobre os demais
produtos de tabaco é a melhor forma de inibir o consumo. No entanto, a advertência de líderes do setor, a partir de estudos realizados ao longo de anos, é de que essa estratégia, de elevar o preço do produto legal, elaborado pelas empresas estabelecidas no País, só consegue mesmo empurrar o consumidor para
alternativas mais baratas, nesse caso as de origem ilegal, oriundas do contrabando ou mesmo de fábricas clandestinas. No Panamá, o próprio embaixador brasileiro naquele país, em seu pronunciamento oficial
na conferência, mais uma vez defendeu o incremento dos impostos. Alguém poderia indagar se tal tipo de proposta já não estaria quase a serviço do mercado ilegal.
O simples fato de a 3ª Reunião das Partes (MOP-3) do Protocolo para Eliminar o Mercado Ilícito de Produtos de Tabaco, realizada ao longo desta semana, não ter registrado qualquer avanço prático já evidencia que a Convenção-Quadro está muito mais preocupada com assuntos como o ambiente de produção e os negócios do setor formal do que exatamente com o combate ao contrabando ou ao produto de fábricas que atuam na ilegalidade. Delegações na Convenção-Quadro argumentam que
o tratado se preocupa com políticas para a saúde pública, mas o debate desvia de forma ostensiva justamente do produto ilícito, focando apenas o legal. E, mais, ainda que se ocupe de “saúde”, esse termo quase já nem é referido nas conversas, que se ocupam quase em tempo integral de produção e de comércio. No que tange a produto ilícito, caberá ao próprio Brasil investir mais na repressão à circulação dessas opções ilegais.
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A evasão de divisas decorrente do fato de o produto ilícito ter participação de 41% no mercado brasileiro de cigarros, em dados levantados pelo Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), dimensiona o quanto a sociedade perde em termos econômicos. Por esse organismo, só em 2022 R$ 8,3 bilhões deixaram de ingressar nos cofres do governo. Mas a perda financeira é apenas uma das decorrências: esse comércio tem relação direta com a insegurança, pois o contrabando e as fábricas clandestinas costumam ter ramificações com o tráfico. Além disso, esse produto ilegal por natureza não tem nenhum tipo de controle sobre qualidade de matéria-prima ou sobre processos industriais, de tal forma que a população está, mais do que nunca, sujeita a riscos em função do consumo de tais produtos. As perdas ou os prejuízos relacionados com o ilegal são praticamente imensuráveis no Brasil.
Manifestações de líderes das campanhas antitabagistas dão conta de que o consumo de cigarros estaria em queda no mundo, e logo a demanda seria inibida, com reflexos sobre a produção. Mas dados oficiais do setor do tabaco sinalizam para outro rumo: o consumo pode até não estar crescendo muito, mas está longe de diminuir. Na última década, registra plena estabilidade. O Brasil, por exemplo, há uma década exporta na faixa de mais de 500 mil toneladas, para mais de cem nações, e apenas ajustou sua produção, em área e número de produtores (mantendo os mais eficientes), para assegurar o atendimento à demanda, sempre estável. Na atual safra, de forte procura e bom preço, inclusive se sinaliza para incremento na produção. E, quando o Brasil diminui a área, logo outro país trata de plantar mais. O consumo global de cigarros saltou de 5,212 para 5,260 trilhões de unidades entre 2021 e 2022, conforme a Euromonitor Internacional.
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As campanhas antitabagistas, em ambiente de Convenção-Quadro, orientam-se em torno dos efeitos do consumo de cigarros sobre a saúde pública. Mas o curioso é que, em uma COP, de forma muito esporádica o termo “saúde” é usado. Ouve-se, quase constantemente, discursos e depoimentos relacionados com produção, meio ambiente, comércio, mercado, novos produtos, tributação etc. E, com frequência ainda maior, a necessidade de definir estratégias que permitam “aumentar o orçamento para o desenvolvimento de campanhas e ações”. Nesse caso, a lógica adotada pelas ONGs é sempre a de transferir mais peso e mais ônus para o setor (mencionado como empresas, ou indústrias), a fim de inibir o consumo de cigarro. A COP, a cada edição, mais se assemelha a um grande negócio, no qual arrancar recursos do setor formal (nem que à custa de incentivar ainda mais o ilegal) parece ser a grande meta estabelecida.
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