O adolescente Valentin Costa de Oliveira, de 13 anos, poderia fazer parte de um grupo de 541 pessoas que atualmente faz tratamento para transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) com uso de Ritalina – de nome laboratorial metilfenidato – no Vale do Rio Pardo. O número corresponde a pacientes que buscam o medicamento na rede pública, em municípios que integram a 13ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS). Em comparação com 2012, houve aumento de 35,5% no número de pessoas que utilizam o remédio de forma gratuita na região.
Nesta semana, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) recomendou o fim da prescrição excessiva do medicamento para resolver problemas de aprendizagem, comportamento e disciplina. Segundo a resolução divulgada pela entidade, o uso abusivo de Ritalina apresenta riscos de dependência física ou psicológica. O Conanda ainda determina no documento que os pacientes tenham direito a tratamentos alternativos, evitando os medicamentosos.
O menino Valentin, morador de Pantano Grande, foi diagnosticado, aos 7 anos, com Altas Habilidades. “O lado cognitivo dele se desenvolveu muito rápido e mais que o motor. Ele me diz que não consegue parar de pensar por um instante e, por isso, não consegue se concentrar nas aulas”, explica a mãe Maristela Costa de Oliveira, que é professora na rede municipal.
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Segundo ela, quando Valentin tinha 5 anos, se sentia entediado na pré-escola e não gostava de brincar com outras crianças. Como os alunos da série inicial saíam da aula mais cedo que os demais, o garoto aguardava a mãe dentro do pátio do educandário, no qual Maristela lecionava. “Ele ia para a janela da sala de aula dos alunos do terceiro ano e respondia as questões de matemática. Certo dia, vi ele dentro da sala, escrevendo no quadro algumas contas e jogos. Os estudantes mais velhos se divertiam com ele”, recorda.
Depois de alguns sinais de Valetin, uma professora, colega da mãe dele, alertou que o pequeno poderia sofrer de autismo. Maristela levou a um neuropediatra, que sugeriu tratar-se de um caso de inteligência acima da média. O diagnóstico foi confirmado em uma consulta com uma psicóloga, que após testes, informou que o quociente de inteligência (QI) do garoto era de 137 – enquanto o de uma pessoa com grau de inteligência normal varia de 90 a 109. Depois do resultado, a médica sugeriu o avanço escolar e Valentin passou do segundo para o quarto ano.
Maristela afirma que Valetin nunca se prejudicou na escola
Foto: Banco de Imagens
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Por causa da profissão, Maristela costumava assistir a palestras com especialistas e muitos, de acordo com ela, eram contra o uso de ritalina para crianças. “Em alguns casos pode ser, sim, necessário quando outras alternativas não dão resultado. Mas existem crianças que tomam o remédio por anos sem os pais questionarem o que poderá prejudicar a longo prazo”, afirma.
Após o diagnóstico de Altas Habilidades, Valetin passou a realizar outras atividades para ocupar a mente e investir sua energia. Já freqüentou academia, fez taekwondo, xadrez, aulas de informática e de inglês. Atualmente, só freqüenta o curso da língua estrangeira e recebe atendimento para aluno especial na escola uma vez por semana. “Ele gosta muito de ler também, o que para nós é muito bom. Mas prefere obras com uma leitura mais complexa”, conta a mãe do menino. Outra atividade que chama atenção do adolescente são os jogos na internet. “Ele diz que quer ser programador de computador”, comenta Maristela.
Mesmo sofrendo de déficit de atenção, Maristela afirma que Valetin nunca se prejudicou na escola. Inclusive, diz ser um bom aluno. “Ele não escreve todo o conteúdo porque os pensamentos são mais rápidos que a coordenação dele, mas uma leitura do material ou só o que é passado em aula já é suficiente para ele aprender algo”.
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Entretanto, apesar de a história de Valetin parecer ser positiva, a mãe dele discorda. “Agora que ele está com poucas atividades, percebemos que anda triste demais. O Valetin é muito crítico, é triste porque não aceita o mundo como está. Se não soubermos conduzir a situação, ele pode entrar em depressão. Sabemos que um especialista vai indicar o uso de ritalina, mas levando em conta os efeitos colaterais, ainda preferimos tentar alternativas”, afirma Maristela.
Mãe de Pedro*, que é um ano mais novo que Valentim, Carla tem consciência dos perigos do remédio, mas mesmo assim, continuará tratando o filho com ritalina. A orientação, de acordo com ela, é de médicos que acompanham a saúde do menino. Um dos efeitos do uso é a perda de peso, motivo pelo qual a dona de casa procurou atendimento médico para tentar reduzir a quantidade da medicação ingerida pelo filho. “Ele tem 12 anos e pesa só 36 quilos. Essa, por enquanto, é a minha maior preocupação”, conta.
No ano passado, um profissional tentou tirar toda a medicação de Pedro, que sofre de transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Entretanto, a tentativa não deu certo e o garoto voltou a ser medicado. Neste mês, o paciente foi internado no Hospital de Clínicas em Porto Alegre, onde deve permanecer por cerca de 30 dias para uma reavaliação da medicação. “Queremos que ele tome o mínimo possível de ritalina para diminuir os efeitos colaterais”, explica a mãe dele. “Eu sei dos riscos que meu filho corre como sei também que ele só é feliz quando está tranquilo. Muita gente me julga por dar o remédio, mas a ritalina pode fazer mal assim como qualquer outra medicação. O meu filho precisa de ritalina”, desabafa.
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Uso do remédio requer atenção
O aumento do uso de ritalina é expressivo no País e, por conta disso, o Ministério da Saúde recomendou recentemente que estados e municípios controlem mais a prescrição e distribuição do remédio. De acordo com os últimos dados disponibilizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a venda do metilfenidato cresceu 21,5% em quatro anos – de 2,2 milhões de caixas em 2010 para 2,6 milhões em 2013.
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No Vale do Rio Pardo, conforme a 13ª Coordenadoria Regional da Saúde (CRS), o número de pacientes que conseguem o remédio pela rede estadual aumentou cerca de 35,5% entre 2012 e 2015. Gramado Xavier é o único município da 13ª CRS que ainda não tem demanda para distribuição gratuita. Já em Santa Cruz do Sul, o número de pacientes saltou de 185 para 237 em quatro anos, uma diferença de 52 pessoas a mais.
O coordenador de saúde da criança no ministério, Paulo Bonilha, afirma que um dos motivos pelos quais foi registrado o aumento do consumo no Brasil é a utilização indevida do remédio. Para ele, o processo de aprendizagem e concentração de crianças pode ser prejudicado por inúmeros fatores e acreditar que o problema ocorre somente em razão de uma doença seria “reducionista”.
De acordo com a coordenadora da Farmácia Municipal e da Estadual em Santa Cruz, Lidiane Henn, os pacientes que necessitam o medicamento de forma gratuita entram com um processo administrativo junto ao Estado. “Baseado nos documentos e laudos enviados, o perito defere ou não a solicitação”, explica.
Outro fator que contribuiu para o aumento é que pais e professores estão mais atentos aos sinais de crianças e adolescentes, o que faz com que procurem por ajuda médica. Entretanto, o psiquiatra Paulo Assmann ressalta que o diagnóstico equivocado está cada vez mais em destaque.
“Chama a atenção que em alguns países, como a França, a indicação para o uso de metilfenidato é bem menor que nos Estados Unidos e no Brasil”, comenta. “Existem pessoas que, inclusive, mencionam a possibilidade de estar acontecendo um controle social, isto é, são medicadas as crianças questionadoras – que não se submetem facilmente às regras – e aquelas que sonham, tem fantasias, utopias. Porém, vale lembrar que o mundo evolui graças a pessoas que questionam, que planejam coisas impossíveis para um dado momento da história. Poderemos estar aniquilando quimicamente os gênios que irão revolucionar o mundo e fazer novas descobertas”, completa o médico.
Assmann ressalta que diagnóstico equivocado está cada vez mais em destaque
Foto: Bruno Pedry
Assmann reforça que a ritalina só deve ser usada sob criteriosa indicação e supervisão de um profissional da saúde, tendo em vista que pode trazer efeitos negativos ao paciente. Segundo ele, algumas pessoas utilizam a droga para ficar mais tempo acordadas, emagrecer ou aumentar a concentração sem prescrição médica, que é o caso de quem estuda para vestibulares ou concursos. “Elas querem diminuir o cansaço e acumular mais informações em menos tempo. Por si só, este ‘doping’, se é que funciona, já torna este uso muito questionável”.
O metilfenidato é uma droga estimulante do sistema nervoso central. Assmann explica que o mecanismo de ação é o estímulo dos receptores adrenérgicos e a liberação de dopamina e noradrenalina nos terminais sinápticos. “Estas propriedades são essencialmente idênticas às das anfetaminas, assim como seu potencial de abuso”, afirma. Entre os efeitos colaterais estão sérios riscos cardiológicos como arritmias e aumento da pressão arterial, além de alucinações, depressão, confusão mental e acidentes vasculares.
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