Após os ataques de 11 de setembro de 2001, uma das políticas de seguridade levadas a cabo nos Estados Unidos tinha como foco a integração. À época, o governo norte-americano percebeu que, embora o país contasse com diversas agências que atuavam na prevenção ao terrorismo, elas pouco conversavam entre si.
Assim nasceram os fusion centers, estruturas cujo objetivo é alinhar as forças estatais para, por meio do compartilhamento de informações, combater ameaças à segurança nacional.
Foi esse modelo que inspirou o Centro Integrado de Operações de Fronteira (Ciof), inaugurado em dezembro em Foz do Iguaçu, no Paraná. Idealizado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, o projeto colocou para trabalharem sob o mesmo teto servidores de diversas instituições que trabalham na repressão de crimes transfronteiriços, incluindo o contrabando de cigarros.
Publicidade
Segundo o coordenador do novo órgão, o delegado federal Emerson Fontana Rodrigues, a proposta é a mesma dos fusion centers: tornar acessíveis em um mesmo lugar as bases de dados de todos os órgãos. Hoje, cada órgão possui um sistema e apenas os próprios servidores têm acesso.
“Sempre trabalhamos de forma integrada. Mas ainda é um contato um pouco distante, não sentamos à mesma mesa. O Ciof colocou essas instituições para trabalharem juntas, no mesmo prédio”, afirma.
O prédio em questão, que foi visitado pela Gazeta do Sul no começo do mês, tem apenas um pavimento e fachada alaranjada, e fica junto ao complexo de Itaipu Binacional – além de ceder a infraestrutura, a estatal também bancou a compra de equipamentos. Ainda em fase de estruturação, o local vai abrigar dezenas de servidores de seis instituições – o número exato de pessoas que vão trabalhar ali, porém, não é divulgado.
Publicidade
LEIA TAMBÉM: O crime começa a acontecer: por onde ingressa o cigarro ilegal e os relatos de uma perseguição
A ideia é que, concentradas em um só lugar, as bases de todos os órgãos auxiliem investigações de crimes. “Por exemplo, se há um foragido, podemos usar o sistema da PF, o sistema da Polícia Civil, o sistema da PRF, enfim, de todas as instituições que estão aqui”, explica Rodrigues.
“O que se percebeu nos Estados Unidos é que cada agência tinha um pedaço de informação. Talvez, se esses pedaços tivessem sido juntados, os ataques poderiam ter sido evitados”, observa.
Publicidade
Outra frente de atuação do Ciof será no planejamento de operações conjuntas, com o apoio de um Centro de Comando e Controle que ainda não foi entregue.
QUEM ESTÁ NO CIOF
Polícia Federal
Polícia Rodoviária Federal
Receita Federal
Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
Força Nacional
Secretaria de Operações Integradas (Seopi)
Inteligência para desarticular as quadrilhas
O governo dos Estados Unidos já implantou cerca de 80 fusion centers espalhados por todo o país. No Brasil, o Ciof de Foz, cuja área de atuação se estende do norte de Santa Catarina ao sul do Mato Grosso do Sul, é um projeto-piloto que deve ser levado para outras regiões de fronteira futuramente.
Publicidade
A escolha de Foz deu-se por se tratar de um ponto estratégico: é situada em uma tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina), tem um fluxo muito grande de pessoas e historicamente registra uma elevadíssima ocorrência de crimes como tráfico de drogas, tráfico de armas e contrabando.
Embora seja algo muito recente, o Ciof já auxiliou na captura de pelo menos dez fugitivos da Justiça. Em um dos casos, um ex-policial de Santa Catarina que respondia por um homicídio estava desaparecido. O centro foi acionado e, a partir das bases de dados e contatos internacionais, descobriu que ele havia fugido para os Estados Unidos e conseguiu identificar a localização dele. Com isso, foi encaminhada a extradição. Em outro caso, um sujeito procurado por crimes sexuais que havia fugido levando junto uma filha foi encontrado e preso no Paraguai.
De acordo com o delegado Emerson Rodrigues, no que toca ao contrabando de cigarros, um dos focos do Ciof por ser um dos crimes mais comuns na fronteira, a ideia é que o centro colabore não só por meio de operações conjuntas e pela proposição de projetos e medidas, mas também no trabalho de inteligência para mapear a estrutura e as pessoas envolvidas nas organizações criminosas. “Vamos atuar de forma subsidiária, levantando todas as informações possíveis que são necessárias para fazer o combate.”
Publicidade
“O custo-benefício do crime é bom”
Para o delegado Emerson Rodrigues, o lucro elevado obtido pelas organizações criminosas que operam o comércio ilegal de cigarros é um dos fatores determinantes para a expansão desenfreada da ilegalidade.
Rodrigues conta que, em certa ocasião, prendeu em Foz do Iguaçu um homem flagrado transportando cigarros em direção a Santa Catarina. Ao interrogá-lo, perguntou quantas vezes já havia sido pego nessa situação.
A resposta causou surpresa: aquela era a décima quarta prisão. “Cada vez que alguém é pego, perde a carga e geralmente o carro também. Eu perguntei a ele: ‘Mas mesmo assim, vale a pena?’. E ele disse que valia, sim. Algumas cargas são perdidas, mas quando o grupo consegue passar, o lucro é muito alto.”
Um cálculo simples feito com números médios dá a dimensão desse lucro. Uma caixa de cigarros possui 500 maços. Se um comerciante pagar R$ 600,00 por uma caixa e outros R$ 250,00 para transportá-la até o ponto de venda, o seu custo é de R$ 850,00. Se cada maço for vendido por R$ 4,00, no entanto, o faturamento vai chegar a R$ 2 mil, ou seja, mais de 100% de lucro.
LEIA MAIS: Até 2023, Brasil vai se tornar o país em que mais entram cigarros contrabandeados
Na avaliação de Rodrigues, além de questões relacionadas à tributação, um dos entraves para o combate ao contrabando está no âmbito penal. Hoje, segundo ele, as penas para quem é pego envolvido nessa logística são brandas e dificilmente os criminosos permanecem presos. Na maioria dos casos, uma fiança é arbitrada, eles respondem em liberdade e, quando são condenados, determina-se uma pena alternativa. “Por isso o custo-benefício do crime é bom”, completa.
O ideal, conforme o delegado, seria um aprimoramento do trabalho de inteligência para que os integrantes e a forma de atuação das quadrilhas sejam melhor desvendados. Assim, quando uma pessoa é identificada e presa, poderia ser enquadrada em mais crimes além do contrabando (como associação criminosa e lavagem de dinheiro, por exemplo), o que levaria a penas maiores. “Aí, sim, conseguiríamos na Justiça demonstrar para esses grupos que o crime não compensa.”
Programa já recolheu 30 milhões de maços
A integração entre as forças policiais também é o norte do Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras (Vigia), lançado no ano passado pelo Ministério da Justiça. Segundo dados do órgão, de abril do ano passado até fevereiro deste ano, o programa já apreendeu cerca de 30 milhões de maços de cigarros contrabandeados. Ele está presente no Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Roraima e Acre, mas a ideia é levá-lo para outros estados. As ações conjuntas de diversas forças de segurança envolvem patrulhamento terrestre e fluvial.
LEIA MAIS: Marco divisório entre Brasil e Paraguai é ponto-chave do mercado ilegal de tabaco no país
This website uses cookies.