O que agora lhes conto sucedeu com um amigo. Não direi o nome dele, mas o fato é verdadeiro. Pois dou a palavra ao Álvaro – chamemo-lo assim – para que nos conte com as próprias palavras.
– Tchê Ruy, eu estava quieto no meu canto, casado, uma filha, cuidando da minha bela fazenda. Foi quando minha mãe, que morava em Porto Alegre, adoeceu e veio a falecer. Eu era muito ligado à minha mãe e chorei demais, sem parar, no velório. O enterro ia ser às quatro da tarde. Lá pelas três, estando sentado ao lado do caixão, em lágrimas, minha mulher me cutucou:
– Álvaro!
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Levantei a cabeça e vi um casal bem vestido. Ele de terno e gravata, um bonitão de 40 anos e, vejam só, a Laurinha. Laurinha fora minha namorada nos tempos de faculdade, lá em Pelotas. Ela conhecera minha família. Tinha passado férias na nossa fazenda. A gente tomou banho nas sangas e namorou até em cima dos pelegos. Nunca mais a tinha visto, pois me formei, ela continuou estudando, eu me mudei de cidade, conheci a Carmem, hoje minha mulher, e desmanchei o namoro com Laurinha.
Foi custoso esquecer a Laurinha, que era meiga, fogosa, insaciável. Carmen era calma, plácida, serena. Me atirei na administração dos negócios e fui esquecendo Laurinha. Agora, aí estava a antiga namorada, de terninho, com o marido. Ela em perfeita forma física. Levantei-me. Laurinha viu meus olhos vermelhos e pulou no meu pescoço, me dando um abraço de corpo inteiro, chorando e me consolando.
Ela estava com os longos cabelos encaracolados encobrindo toda a frente do meu rosto naquele abraço que compreendia pernas, ventres e peito. E eu afogado, com olhos e nariz dentro dos cabelos dela, e, como um que está se afogando, senti voltar, como num filme, os amores que fazíamos lá na fazenda. Aquele abraço quase indecente, na frente do caixão da minha mãe, na frente da minha mulher, na frente do marido dela.
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E eu sentindo o calor daquela mulher, o fogo daquela lágrima que ela deixou escorrer no meu pescoço.
Até que senti alguém me tocando no ombro:
– Dr. Álvaro! Dr. Álvaro!
Desvencilhei-me da Laurinha. Era o marido dela, consternado, também com os olhos marejados, me dando a mão.
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– Meus pêsames, Dr. Álvaro.
– Obrigado.
Laurinha ficou de braços com o marido, chegou perto do caixão, fez o sinal da cruz e se sentou numa cadeira. Séria, olhando para o chão. Olhei-a de novo, Ruy. Ela estava com uma camisa de seda e um colar discreto de pérolas, que mais embelezavam o pescoço esguio. Só um pouco antes de se retirar, levantou seus cílios quilométricos e me lançou um olhar, com olhos escuros.
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(segue)
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