É uma cena cruel, e fica difícil até compreender como um ser humano tem a capacidade de executá-la. Parado como se estivesse obedecendo a uma ordem, em cima de uma mureta de concreto, o cão Thor, da raça pitbull, em sua inocência, não conseguia discernir o que o seu tutor estava prestes a fazer, apontando uma arma de fogo para sua cabeça. “Dá-lhe!”, gritou um outro homem poucos milésimos antes de o tutor, de 22 anos, efetuar um disparo de revólver no animal.
O tiro fez o cão voar para trás da mureta. Logo depois, mais um disparo foi efetuado. A cena já seria grotesca se apenas relatada, mas foi gravada pelo homem que deu o grito de estímulo. Sadio, jovem e forte, Thor sobreviveu. Mas sofreu. Agonizou por mais de um dia, após ser ferido e perder muito sangue. Não satisfeito, o tutor acionou um parente, que administrou de forma clandestina uma injeção letal, dando fim à vida do cão.
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O vídeo do caso bárbaro, registrado em 5 de novembro, passou a circular por grupos de aplicativos de mensagens, replicado pelos executores como forma de valentia, e entrou no radar da Polícia Civil de Venâncio Aires em 13 de novembro. Em um trabalho de investigação coordenado pelo delegado Vinícius Lourenço de Assunção, os autores foram identificados.
“Foi uma atrocidade o que eles fizeram. Algo que não pode ser admitido”, disse o chefe da investigação. Na manhã de terça-feira, os policiais cumpriram um mandado de busca e apreensão na residência do tutor do cachorro, no Bairro Coronel Brito, em Venâncio Aires. Em depoimento, o homem de 22 anos admitiu que efetuou os disparos, mas disse que o fez porque o animal apresentava comportamento agressivo.
Para o comissário Paulo Roberto Ullmann, um dos mais experientes investigadores da região, essa versão não condiz com a realidade. “No próprio vídeo, que é estarrecedor, o cão não mostra reação agressiva e fica parado. Por tudo que apuramos, inclusive com imagens do próprio tutor com o cachorro, não é possível identificar qualquer sinal de que existam reações violentas por parte do animal”, disse ele.
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Por fim, após os disparos e a injeção, Thor foi jogado em um terreno baldio onde, em buscas na terça-feira junto de fiscais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, os policiais encontraram os restos mortais do animal. Ainda em depoimento, o autor dos tiros afirmou que o revólver calibre 32 usado na ação foi jogado fora. A polícia suspeita que a arma, na verdade, tenha sido emprestada por um outro indivíduo.
Lei sansão
De acordo com o delegado Vinícius Lourenço de Assunção, a situação de maus-tratos envolvendo a morte do cachorro levanta questões importantes sobre a proteção animal e a responsabilização legal no Brasil. A lei número 14.064, de 2020, conhecida como Lei Sansão, endureceu as penas para maus-tratos contra cães e gatos. Estabeleceu punição de dois a cinco anos de reclusão, além de multa e proibição de guarda de animais para os condenados.
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No caso em questão, a morte do animal agrava a situação, podendo elevar a pena em até um terço, conforme previsto na legislação. Os três homens envolvidos – o tutor que disparou, o rapaz que gravou e o que ministrou a injeção letal – já estão identificados. “Esses responsáveis devem ser exemplarmente responsabilizados, para evitar que episódios dessa natureza aconteçam novamente”, salientou o delegado.
Para ele, a ação do homem que grava é tão criminosa quanto a do executor dos tiros. “É possível ver que ele incentiva, dá uma ordem, e de certa forma até comanda a situação”, explicou. Segundo Vinícius Lourenço de Assunção, mesmo que fosse verdadeira a justificativa de que o cachorro apresentava comportamento agressivo, isso não legitima o uso de violência extrema e ilegal.
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“Existem protocolos para lidar com situações envolvendo animais agressivos, como o acionamento de órgãos competentes ou de especialistas em manejo animal”, ressaltou. O delegado esclarece ainda que, ao deixar o cão morto em local impróprio, pode ter ocorrido o crime de poluição, uma vez que a legislação não permite que sejam lançados dejetos sólidos em desacordo com as regulamentações ambientais.
Os nomes dos envolvidos, que vão responder pelo crime em liberdade, foram mantidos em sigilo pelas autoridades policiais.
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