Era uma noite qualquer de um dia qualquer no principal restaurante da cidade. Estamos nos anos 90. Na mesa, o técnico famoso contratado pelo time local é o centro das atenções. Homens mais e menos importantes gravitam em torno dele. Sou a única mulher. E a mais jovem. Estou ali por puro acaso.
Conheço todos, mas não partilho de seus sonhos. Como os smartphones ainda não existem, falamos e ouvimos uns aos outros. O técnico, cigarro e copo de cerveja na mão, nos olha com indiferença. Como uma raposa cansada de tanto contar carneirinhos. Então, repentinamente, se dirige a Robertinho.
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Robertinho dissera alguma coisa, nunca soube o quê, e desagradou ao técnico. Robertinho, advogado de família de razoáveis posses, emana um sentimento de superioridade mal disfarçado. Todos o toleram como se fazia com aqueles amigos chatos na turma da adolescência.
Mas Robertinho estava em um dia de azar. Foi percebido pelo técnico. Pior, parece ter atingido algum ponto sensível do técnico. E em meio ao silêncio que se fez, ouvimos nosso hóspede memorável dizer:
– Robertinho, você não passa de um rábula provinciano. Você não é ninguém. Eu sou um cidadão do mundo.
É possível que você, leitor, desconheça o termo rábula para designar um advogado de pouco brilho ou práticas duvidosas. É uma palavra de outra época. O técnico, um indivíduo do seu tempo e vocabulário rebuscado, conhecia. E a usara de forma cirúrgica para reduzir Robertinho a pó.
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Talvez você questione o quanto de arrogância havia em nosso treinador. E havia. Mas não é nele que penso agora. Ele era a exceção. Reconhecido, assediado pela imprensa, com um título inédito e, certamente, uma competência extraordinária. Não, não é nele que eu penso. Eu penso na regra. Em Robertinho, o comum, o que nos representa. Nós, este mar de anônimos que sonha, e por vezes até crê, ser especial. Naquela mesa, todos éramos robertinhos. E o homem que uma comunidade inteira vinha tratando com reverência e salamaleques deixou isso claro com apenas três frases curtas.
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Por baixo de todo discurso religioso edificante, por baixo de nossos votos de humildade e nossas tentativas de esconder o monstro, mora o desejo secreto de ser melhor que o outro. E a tristeza e a inveja que acompanham a constatação de que somos apenas mais um na multidão, enquanto poucos, ungidos sabe-se lá por quê, alcançam aquele patamar de importância que não nos coube.
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Quanto a Robertinho, naquela noite mereceu não mais que quatro segundos de silêncio. Todos imediatamente retomamos nossas conversas. Robertinho disfarçou um pouco, levantou e se foi. Pra nunca mais voltar.
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