Esta semana levei um susto lá em casa. A tarde já avançava quando decidi dar curso, antes do fim das férias, a um antigo projeto: a fabricação de uma mesa de pingue-pongue para as crianças. Mapeei a planta da obra na cabeça, reuni barrotes e chapas de madeira, e dei início aos trabalhos com minha ferramenta predileta – a serra circular elétrica.
O quê? Pensam que jornalistas não sabem lidar com serras elétricas? Pois alguns de nós sabem lidar não só com serras, mas também com furadeiras, formões e martelos. Talvez seja uma imposição da paternidade.
Enfim, corta daqui, corta dali, até que algo inesperado aconteceu: um grande estrondo, parecido com uma explosão, ecoou pela rua. Imediatamente a serra parou de funcionar. E minha esposa avisou:
– Tem algo errado com a luz…
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De fato, as lâmpadas começaram a piscar, a rede elétrica estava em meia fase. Foi então que me lembrei de um
alerta emitido dias antes pela Defesa Civil, acerca da necessidade de utilizar com moderação equipamentos elétricos nos dias tórridos desta semana, sob risco de sobrecarga e até de incêndios. E, justamente na hora da explosão, eu avançava com a serra elétrica sobre um barrote bastante robusto, que parecia avesso a deixar-se cortar. Cheguei a uma conclusão que me pareceu óbvia na hora:
– Jesus… explodi a rede elétrica da rua toda…
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Quando cheguei na frente de casa, já ensaiando um discurso para expressar à vizinhança minhas sinceras desculpas, percebi que havia fios de alta tensão arrebentados na esquina. Um vizinho então relatou que um caminhão havia enroscado-se em cabos de telefonia, a uma quadra dali, e que arrastara consigo boa parte da fiação elétrica dos arredores. O caminhoneiro, contudo, seguiu viagem como se nada tivesse acontecido.
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Fingi indignação com a atitude do caminhoneiro, tentando disfarçar meu alívio em saber que a culpa não fora minha. Mas o fato é que toda a rede da rua teve que ser desligada e a noite chegou sem que as equipes responsáveis tivessem conseguido reestabelecer a ordem naquele caos de fios rompidos e emaranhados.
A saída, ante o calor e a escuridão dentro de casa, foi instalar as crianças no pátio, para esperar o conserto sob a luz da
lua crescente, abaixo de um céu lindamente estrelado. Pacotes de salgadinhos com refri fizeram as vezes de jantar e concedi-me o direito de abrir uma Brahma bem gelada, para espantar o calor.
Foi então que as gurias perceberam o ambiente propício para histórias de terror. E, meio à escuridão, deram início a uma série de relatos arrepiantes.
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Pelo que lembro, tudo começou com a caçula, Ágatha, que estranhou como as lâmpadas haviam piscado dentro de casa assim que houve o incidente com a rede elétrica.
– Será que era alguma entidade do além querendo se comunicar pela luzes? – cogitou. – Ou alguém preso no mundo invertido, como no Stranger Things?
Eu já estava na segunda Brahma quando a conversa enveredou para relatos sobre fantasmas e casas mal-assombradas,
sobre um homem monstruoso que vagava por aí sem poder falar – pois tivera a boca costurada – e sobre criaturas humanoides que caminham como aranhas, com as plantas das mãos e dos pés grudadas ao forro. Fiquei perguntando-me de onde as gurias tiravam tantas histórias…
Até que um estranho estrondo, de panelas caindo, chegou lá da cozinha e ecoou no meio da escuridão. E o pânico se instalou entre as marotas.
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Ao constatar que Hércules, o boxer, havia abdicado de nossa agradável companhia sob as estrelas, deduzi o que havia acontecido – dessa vez, acertadamente. Ocorre que o nosso cão, por mais que coma, nunca está satisfeito. E, de tempos para cá, adotou o indelicado hábito de promover assaltos à cozinha. Já foi flagrado fugindo para o quintal com sacos de pão cacetinho na boca e, em outra ocasião, arruinou um bolo com calda de chocolate que minha esposa deixara esfriando sobre a mesa. Logo, aquele estrondo na cozinha só podia ser obra dele.
Mas fiquei em silêncio enquanto as gurias mais novas, Ágatha e Yasmin, organizavam uma expedição, munidas com as
lanternas dos celulares, para investigar o que havia acontecido. Porém, a jornada das destemidas detetives não durou muito: um novo ruído dentro de casa colocou-as em debandada.
– Foi o homem da boca costurada – disse uma.
– Tinha alguma coisa andando pelo teto – remedou a outra.
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Até que o boxer emergiu da escuridão, lambendo as bochechas enormes e pondo fim ao mistério. E, logo a seguir, a luz voltou.
Que alívio! Já estava mais do que na hora de irmos para a cama.
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