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Uma conversa com Jeferson Tenório: “temos que ficar atentos à censura”

O escritor Jeferson Tenório conversou com a Gazeta do Sul por telefone. Segundo ele, havia parado de falar sobre o assunto. “Mas como a Gazeta foi a primeira a cobrir o caso e mostrar o que estava acontecendo sem sensacionalismo, dei prioridade para conversar com vocês”, afirmou.

Enfatizou que, desde o lançamento de O avesso da pele, em 2020, a obra foi alvo de tentativas de censura. Chegou a receber ameaças de morte antes de fazer uma visita a Salvador, na Bahia, em 2001.
Críticas sobre a violência presentes no livro também eram feitas nas redes sociais. “A linguagem não era alvo de reclamação, como a diretora fez”, afirmou o escritor, referindo-se às manifestações de Janaína Venzon, da Escola Estadual Ernesto Alves de Oliveira.

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Para Tenório, a retirada dos livros de escolas foi uma tentativa de censura. Considera ainda que só não ocorreu em mais estados devido à reação ágil e conjunta em defesa da obra. Porém, não descarta que outros livros venham a ser utilizados politicamente e sejam proibidos nas salas de aula. “Vivemos momento muito delicado, próximo das eleições municipais, e os debates vão se acirrar”, afirmou.

Jeferson Tenório
Autor de O avesso da pele

Gazeta do Sul – Passados três meses, como o senhor avalia a repercussão do caso?

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Jeferson Tenório – Muita coisa aconteceu nesses meses após a veiculação do vídeo [da diretora Janaína Venzon]. Primeiro veio o susto. Logo em seguida, dias depois, começaram a vir as reações positivas, as pessoas se manifestando nas redes, depois começaram a vir personalidades falando do ocorrido, depois as instituições. E aí, por fim, a entrada jurídica da editora Companhia das Letras, que acabou entrando com mandatos de segurança. E, nesse meio-tempo, o livro foi recolhido em três estados, Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás. Outros estados ensaiaram uma tentativa de recolhimento, mas viram a repercussão e faltava argumento para a retirada do livro. Isso evitou que houvesse um efeito cascata e mais estados fizessem o mesmo. 

Na avaliação do senhor, houve uso político?

Eu acho que o uso político acabou acontecendo. Tem várias coisas envolvidas. Primeiro, temos o avanço da ultradireita, de um conservadorismo muito recrudescido. As recolhas aconteceram também em estados que apoiam o bolsonarismo. Há o fato de ter acontecido no interior do Rio Grande do Sul, que a gente sabe que tem muitas cidades onde há relatos de racismo. E tem essa questão conservadora e também não querer discutir questões como racismo, o racismo estrutural e a violência policial. 
Por outro lado, há uma cooptação política para entrar em algum tipo de capital político. Essa é uma estratégia utilizada com a eleição do [ex-presidente Jair] Bolsonaro. A partir de 2016, começam a circular fake news, que vão inventando coisas em larga escala e vão convencendo muitas pessoas de que aquilo é verdade. Então, acho que houve também uma tentativa nesse sentido. 

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Muitos intelectuais, educadores e instituições saíram em defesa do senhor e do livro, inclusive em Santa Cruz. Como o senhor vê essas manifestações?

Acho que foi uma tarefa conjunta. Primeiro, a reação voluntária das pessoas que leram o livro e começaram a se manifestar. Depois, houve também a reação de alunos, professores e diretores de escola, que saíram em defesa do livro. E também de personalidades como a Fernanda Torres, o Chico Buarque. E escritores da Companhia das Letras, que também se posicionaram.
Então, teve aí uma tarefa conjunta, as instituições, como a Academia Brasileira de Letras, as notas de repúdio feitas por deputados em Brasília, que também manifestaram apoio ao PNLD [Programa Nacional do Livro e do Material Didático], além do posicionamento de ministros do governo Lula. 
Houve aí uma série de manifestações que acabaram deixando bastante consistente e sólido o posicionamento contra a censura. A defesa ao livro foi fundamental para impedir que outros estados começassem a aderir à censura. 

Mesmo após as publicações e após a obra ter sido recolhida em outros estados, as vendas do livro aumentaram. Como o senhor reagiu a essa ampla procura pelo livro?

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Com a questão da censura, as pessoas quiseram saber por que estava sendo censurado. E isso acaba chegando na questão das vendas, que é muito positivo para o mercado editorial, para mim, para a editora e os leitores. 
O que me preocupa é a questão da polêmica em si, da censura, levar as pessoas a lerem livros. Será que a gente vai ter que depender de censura, de polêmicas, para convencer as pessoas a lerem? Acho que essa é a questão que eu me coloco. 
Mas fico feliz que o resultado tenha sido o contrário do que se esperava. Esperava-se que o livro fosse censurado, que as pessoas fossem condenar o livro, e tornou-se o contrário. O livro começou a ser muito mais procurado do que já era. 

Diante dos trechos citados pela diretora, o senhor acredita que se trata de um caso de racismo?

O racismo tem essa peculiaridade de às vezes ser tão sutil que você não consegue comprovar que houve ali uma situação de racismo. Mas, se pensarmos no contexto, a censura a um livro que fala sobre racismo, que fala sobre a violência policial contra pessoas negras, cujo autor é uma pessoa negra, no Sul do País, onde majoritariamente as pessoas são brancas… Temos um contexto que nos leva a crer que pode ser também uma postura racista, a não querer que um livro como esse circule nas escolas. 
Mas eu vejo que a proibição também entra na questão de tentar inventar uma narrativa para dar a entender que os movimentos progressistas e a esquerda têm um projeto de corrupção das crianças. Usa-se muito essa ideia de que as crianças precisam ser protegidas; e, na verdade, o livro nem era para crianças, mas sim para adolescentes.
Então, acho que é um exagero e também uma ignorância. A diretora não sabia como o livro chega na escola e ignora o PNLD. Isso demonstra um despreparo dessa diretora, que não deveria estar ocupando o cargo que ocupa. Parece-me que tudo está envolvido junto, a questão racial, o conservadorismo e a cooptação política. 

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Para encerrar, como o senhor acha que devemos lidar com casos assim? 

Eu acho que a reação que foi feita, ou seja, não minimizá-la, é importantíssima. Precisamos levar em consideração que o primeiro passo é a censura e depois a queima de livros. E, em casos mais extremos, é a queima de pessoas. 
A gente vê o quanto são frágeis essas tentativas de censura. Elas só acontecem por meio da força, da canetada, que não leva em consideração o que o livro está dizendo.
Temos que ficar atentos a essas tentativas de censura. Acho que elas vão continuar, pois vivemos um momento muito delicado, próximo das eleições municipais, e os debates vão se acirrar. E vai aparecer o livro da vez, alvo de censura, buscando essa cooptação política.

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Julian Kober

É jornalista de geral e atua na profissão há dez anos. Possui bacharel em jornalismo (Unisinos) e trabalhou em grupos de comunicação de diversas cidades do Rio Grande do Sul.

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