Santa Cruz do Sul

Uma cidade pronta para a terceira idade

O mês de outubro inicia-se com a comemoração do Dia Internacional da Pessoa Idosa. Criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na década de 1990 e adotada pelo Brasil 16 anos depois, a data busca sensibilizar a sociedade para o envelhecimento da população e atenta ainda para os desafios e impactos gerados pelo aumento de idosos.

O Censo Demográfico de 2022 demonstrou o avanço dessa faixa no País. O total de pessoas com 65 anos ou mais subiu para 22,1 milhões, representando 10,9% da população. Trata-se de um aumento de 57,4%. Em 2010, esse contingente era de 14.081.477, ou 7,4% da população.

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Em Santa Cruz do Sul, a quantidade de idosos – pessoas a partir de 60 anos – saltou de 15.559 (2010) para 26.076 (2022). Ou seja, 10.517 idosos a mais, um acréscimo de 67,5%. A maioria são mulheres, 14,8 mil, enquanto 11,2 mil são homens.

Atualmente, o índice de envelhecimento no município é de 81,68. Ele representa o grupo de pessoas com 65 anos ou mais em relação a um grupo de cem crianças de zero a 14 anos. Ou seja, há 81,68 idosos para cada cem crianças com até 14 anos.

Com o envelhecimento populacional, evidencia-se a necessidade de adaptações para atender às demandas e às necessidades desse grupo. Mas afinal, as cidades brasileiras estão prontas para essa nova realidade?

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Para especialistas, acessibilidade precisa ser revista e melhorada

Diante do aumento da população idosa, como Santa Cruz do Sul e outras cidades brasileiras devem se preparar para garantir os direitos da população? Para os especialistas, é fundamental oferecer uma estrutura voltada à acessibilidade.

Em entrevista à Gazeta do Sul, a consultora para o Envelhecimento Saudável da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria Cristina Hoffmann, afirmou que o envelhecimento da população é motivo de celebração. Contudo, ao mesmo tempo, exige a união de esforços para garantirmos que a longevidade se dê com qualidade de vida. Para isso, defende a necessidade de uma resposta multissetorial, com foco em ofertar um cuidado integral e integrado.

Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas aprovou a Década do Envelhecimento Saudável, de 2021 a 2030. “Estes dez anos estão sendo dedicados a repensar a forma como vemos e vivemos o envelhecimento”, ressalta.

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Sob a liderança das duas organizações, busca-se a colaboração entre governos e entidades internacionais, assim como instituições acadêmicas. Cita ainda profissionais da mídia e do setor privado para juntos melhorar a vida das pessoas idosas, além de suas famílias e das comunidades em que vivem.

Na avaliação da especialista, os ambientes físicos e sociais são grandes influências sobre como se vivencia o envelhecimento e as oportunidades que ele traz. Por isso, defende a criação de espaços amigos das pessoas idosas. Isso permite que todas as pessoas envelheçam bem num local que lhes seja adequado e continuem a se desenvolver pessoalmente. E ainda são estimuladas a contribuir para as suas comunidades. “Também favorece a manutenção de sua autonomia e independência pelo maior tempo possível”, afirma a profissional.

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A coordenadora da pós-graduação em Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Silvia Virginia Coutinho Areosa, considera ser necessário revisar o planejamento das cidades. Ela salienta que o planejamento urbano precisa ser inclusivo, com a criação de infraestrutura e serviços adequados, até mesmo para evitar o processo migratório.

“O direito à cidade deve ser para todos. Assim, a acessibilidade e a mobilidade passam a ser fundamentais – ambientes acessíveis e acolhedores são necessários e devem ser pensados pelas prefeituras”, justifica.

Silviaa enfatiza ainda a necessidade de moradias acessíveis, que possibilitem a presença ativa das pessoas idosas nas atividades comunitárias e participativas. E defendeu os fóruns municipais, como o de direitos da pessoa idosa, para escutar a população com mais de 60 anos e verificar as suas demandas específicas.

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Dentro de uma política de inclusão, a professora reiterou ainda a presença de espaços de lazer públicos e gratuitos. Indicou também a relevância de mais academias públicas, com professores pagos pela Prefeitura, nas quais podem ser realizados exercícios adequados.

De acordo com Silvia, responsável pelo grupo de estudos e pesquisas em Envelhecimento e Cidadania, a pessoa idosa, assim como qualquer cidadão, precisa ter o seus direitos respeitados. E deve ser tratada com igualdade não só pela sociedade, mas também pelas instituições e pelo Estado. Ela destaca a necessidade de maior inclusão e menos preconceito (etarismo). “Deve haver mais trocas intergeracionais para uma sociedade mais igualitária.”

Prática de esportes prepara para a fase

A prática de esportes sempre fez parte da rotina de Silvino Roque Sehnem, 77 anos. Por isso, a transição para a terceira idade não foi difícil. “Eu nunca fiquei parado. Sabia que precisava me manter ativo para fortalecer minha saúde”, afirma o eletricitário aposentado.

Silvino Roque Sehnem tem agenda repleta de atividades

Contudo, à medida que ia envelhecendo, precisou adaptar-se às limitações impostas pelo corpo. Após uma cirurgia no joelho, se viu obrigado a parar de jogar tênis e passou a buscar outras modalidades.

Encontrou no câmbio uma alternativa interessante. O jogo é uma versão de vôlei sem alto impacto, adaptada aos idosos. Porém, como não há idade mínima para jogar, pode ser praticado por diferentes faixas etárias, estimulando a integração de pessoas de diferentes idades.

Desde 2019, o aposentado integra o Grupo Sempre Unidos, que se reúne para a prática do câmbio e outros esportes no Parque da Oktoberfest. Com o grupo, viaja por todo o Estado para participar de competições.

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Ainda adicionou à rotina a participação em bailinhos, que o levam para diversas cidades da região. Também é adepto das caminhadas. “Estamos numa rotatividade até quase demasiada, mas ajuda muito. Um dia vamos ter que parar, porque as limitações vão aumentando e teremos que aceitá-las. Enquanto isso, precisamos aproveitar a vida e vivê-la ao máximo.”

Ciente da importância dos esportes para garantir a maior qualidade de vida aos idosos, o aposentado defendeu a necessidade de estimular ainda mais as pessoas dessa faixa a participarem de atividades. E o incentivo do Poder Público, assim como da sociedade, é fundamental. “Noto que aqui a municipalidade colabora muito nesse sentido”, afirmou.

Saúde preventiva é necessária para idosos

À frente do grupo Alegria de Viver há 16 anos, Karla Lalini Schnabel, de 57 anos, acompanha as demandas e a rotina dos idosos no Bairro Schulz. A partir da escuta nos atendimentos, constatou que a principal reivindicação na atualidade é o acesso à saúde preventiva para os idosos. Inclui, na sua avaliação, o atendimento geriátrico, nutricional e psicológico, de modo a contribuir para a qualidade de vida na terceira idade.

Karla Lalini Schnabel trabalha no Alegria de Viver há 16 anos

Isso se deve a uma dificuldade observada durante as atividades realizadas semanalmente pelo grupo – que envolvem ginástica, bingo, palestras e atendimento com a equipe do Cras. Karla notou que muitas pessoas estão com problemas de saúde, mas não têm quem as escute. “É comum elas se queixarem de dor, mas não têm ajuda para conseguir consulta ou acompanhamento. Por isso é importante um atendimento preventivo.”

Diante da experiência com o Alegria de Viver, ressaltou a importância de que todos os bairros tenham Centro de Convivência para Idosos. O espaço os estimula a participar diariamente em várias atividades, com monitoramento, permitindo que as famílias tenham onde deixá-los com segurança enquanto trabalham.

“Para os idosos que participam dos grupos de convivência, é muito importante. Evita o sedentarismo, a solidão e a depressão e contribui para a prevenção de muitas doenças”, enfatiza.

Para Karla, Santa Cruz possui uma estrutura que favorece a acessibilidade à população mais velha. Cita que todos os grupos de convivência são assistidos, contam com professores de ginástica e podem assistir a palestras com médicos. “E esse apoio do Município é muito importante. Com ele, podemos continuar com o nosso trabalho voluntário nos bairros que têm grupos de convivência.”

Cidades Amigas

Uma medida que tem contribuído para o desenvolvimento de políticas voltadas ao envelhecimento populacional é a Rede Global da OMS de Cidades e Comunidades Amigas das Pessoas Idosas. A iniciativa tem por objetivo conectar cidades e comunidades para promover o intercâmbio de informações e boas práticas, facilitando o apoio técnico e de formação. Também assegura que as medidas ou ações adotadas para melhorar a vida das pessoas idosas sejam sustentáveis e eficientes.

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Segundo a consultora para o Envelhecimento Saudável da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria Cristina Hoffmann, o Brasil tem avançado no número de cidades com adesão ao Programa Cidade Amiga da Pessoa Idosa. “Com isso, o País reforça o compromisso de colocar as pessoas idosas no centro do cuidado, reconhecendo suas necessidades e respeitando a heterogeneidade do envelhecimento.”

Atualmente, o Brasil conta com 50 cidades certificadas como Amigas da Pessoa Idosa pela OMS. No Rio Grande do Sul, cinco municípios aderiram ao programa: Pelotas, Porto Alegre, Veranópolis, Esteio e Gramado. “Isso quer dizer que essas localidades se comprometeram a empreender esforços, em seus serviços e estruturas físicas, para serem mais inclusivos e receptivos às necessidades das pessoas idosas”, enfatiza.

De acordo com Maria, uma cidade ou comunidade amiga das pessoas idosas é um lugar que adapta seus serviços e estruturas físicas para serem mais inclusivos e receptivos às necessidades de sua população, para melhorar sua qualidade de vida à medida que envelhece. “Ela incentiva o envelhecimento saudável, otimizando recursos para melhorar a saúde, a segurança e a inclusão das pessoas idosas na comunidade.”

Para que as cidades sejam reconhecidas como amigas das pessoas idosas, é essencial o desenvolvimento e o fortalecimento de ações que propiciem a participação significativa de pessoas idosas em todas as etapas. Contudo, isso requer colaboração e coordenação entre setores e com diversas partes envolvidas.

Elas também precisam se comprometer a implementar os quatro passos para criar ambientes locais amigáveis aos idosos. “Envolver” é o primeiro. Ou seja, incluir as pessoas mais isoladas e compreender suas necessidades, preferências, barreiras e oportunidades para um envelhecimento ativo e saudável. Nesse sentido, segundo Maria, é fundamental a constituição de um grupo gestor, formado por movimentos da sociedade civil, principalmente de idosos, para que juntos identifiquem as demandas a partir de sua escuta e possam atender às prioridades.

O segundo é “Planejar”. Conforme a especialista, a elaboração de estratégias permite desenvolver uma visão compartilhada das ações, além de alocar recursos para que a cidade ou comunidade possa enfrentar os desafios.

“Agir” é o terceiro. Implementar o Plano de Ação, construído em conjunto, é essencial para criar ou transformar as cidades em ambientes amigáveis. Por fim, “Medir”. Esse passo envolve a coleta de evidências sobre o progresso da implementação do enfoque amigável à idade, assim como o impacto das ações nas vidas das pessoas.

De acordo com a consultora, o monitoramento e a avaliação dos progressos ajudarão a identificar os sucessos e desafios, fornecendo resultados que possam ser comunicados aos interlocutores envolvidos. E servirão de base para definir prioridades e ações futuras. “É crucial para o sucesso e a sustentabilidade dos esforços de uma localidade em ser cada vez mais amigável às pessoas idosas”, reforça Maria.

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Julian Kober

É jornalista de geral e atua na profissão há dez anos. Possui bacharel em jornalismo (Unisinos) e trabalhou em grupos de comunicação de diversas cidades do Rio Grande do Sul.

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