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Uma charla com os campeões: Tiarayú é persistência

Eles não desistiram após os tropeços, trouxeram o malambo e o flamenco para o tablado e mostraram que vencedor é aquele que não se entrega assim no más. Campeão das Danças Tradicionais Força A do Enart 2016, há uma semana, o CTG Tiarayú é prova da importância da persistência e da maturidade para se destacar no palco.

Criado em 1962, o Tiarayú guarda 500 troféus conquistados em categorias artísticas de rodeios e festivais. Localizado na Zona Norte de Porto Alegre, o galpão de 1,3 mil metros quadrados guarda também prêmios de edições anteriores do Enart. Foram três vice-colocações, um terceiro e um quarto lugar.

Porém, os integrantes também guardam na memória algumas cruéis decepções. Em 1997, a invernada foi desclassificada das Danças Tradicionais por ter levado ao festival um piano ao invés de uma gaita. Já em 2010, a queda de uma fita, na dança do Pau de Fitas, voltou a tirar o CTG do páreo. Mais recentemente, em 2012, o grupo acabou fora da competição porque um dançarino a mais, em relação ao previsto pelo regulamento, apareceu no tablado.

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Depois de ver seu CTG tomando tantos manotaços, o instrutor e responsável técnico Ronaldo Diehl Estevo, 39 anos, chegou a pensar que os colegas iriam enrolar o poncho e desistir. “Afinal”, conta ele, “o título ou não vinha ou batia na trave. Mas foi o contrário. Todos ganharam ainda mais motivação”.

Estevo é o encarregado por conduzir a apresentação do grupo formado por mais de 50 bailarinos. Trata de cuidar desde os movimentos dos artistas até a parte operacional. Este ano, fez questão de conferir a produção do bumbo leguero gigante, colocado no centro do Ginásio Poliesportivo. Depois de reuniões em equipe, também foi incumbido de bater o martelo acerca do estilo das pilchas, além de encaminhar as propostas da invernada ao Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG).

Ao lado de outros três coreógrafos – Duda Freitas, Derly Oviedo e Emily Borghetti – Estevo, que está à frente do grupo de danças desde 2009, acredita que os colegas aprenderam e ficaram mais experientes com os erros. “Nossas decepções foram combustível para essa gurizada. Hoje eles entenderam que a recompensa vem para quem não desiste.”

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Peão e prenda numa baita sintonia

É através da experiência mútua de anos – ou melhor, de décadas – de convivência e dança no tablado que os bailarinos criam a sintonia necessária para que tudo dê certo. Essa parceria permite, segundo a bailarina Thais Quinteiro, que cada um conheça bem as peculiaridades do seu par. “Com o passar do tempo acabamos nos acostumando com o jeito do peão nos conduzir na dança. Sabemos em que momento ele vai cumprimentar e até quando pode acontecer um possível erro. Por isso nada é forçado. Nos conhecemos muito bem”, conta.

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Sem suor, sem regalo

Em uma invernada não há lugar para haragano, para preguiçoso. Que o diga a gauchada do CTG Tiarayú. Nos primeiros meses do ano, os ensaios da turma começam às 23h15 e seguem até a 1 hora. Quando agosto chega, a dedicação fica ainda mais intensa: os treinos terminam às 3 da manhã. Entre cada sábado e domingo são quase 20 horas de treino. Os horários alternativos são definidos a partir da rotina dos bailarinos, já que precisam intercalar a dança com trabalho e estudo.

O vendedor Rafael Garcia Ribeiro, 30 anos, por exemplo, cumpre turno integral na empresa onde trabalha, estuda Gestão Comercial à noite e só depois é que vai aos ensaios. “Não consigo ficar longe daqui. Ano passado, precisei me afastar e a minha família mandou eu voltar. É como uma necessidade”, afirma o peão, que dança há 26 anos.

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A solução para aguentar essa rotina é muito café e até mesmo o pré-treino. “Como eu faço academia, às vezes apelo para o pré-treino. O importante é ter gás para dançar”, complementa.

Com sete Enartes na bagagem, a colega de dança Thais Patrício Quinteiro é outro exemplo de quem dedica a vida ao tradicionalismo. Membro do Tiarayú desde os 4 anos, ela conta com orgulho que já passou por todas as fases. “Fui prenda mirim, juvenil e, agora, adulta. Tenho até um quadro ali ó”, comenta, apontando para uma das paredes do galpão que serve de arquivo histórico. “Não compartilhamos só a dança. Aqui a gente cria um vínculo. Passamos mais tempo com eles do que com a família.”

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O desafio de aprender malambo e flamenco

O desafio encarado pelo grupo no 31° Enart não foi pequeno. Com o tema ‘O Nosso Norte é o Sul’, os dançarinos trouxeram para o festival um recorte de culturas dos povos cisplatinos. A ideia foi mostrar como o gaúcho incorporou traços de territórios com heranças espanholas. Foi preciso aprender as técnicas do malambo e do flamenco. Segundo o instrutor Estevo, antes de começar as coreografias, eles participaram de oficinas ministradas pelos professores e membros do CTG Emily Borgheti (filha do Borghettinho) e Derli Oviedo (argentino), casal que puxou a frente na apresentação.

“Apesar de trabalharmos forte o sapateado, não foi fácil aprender o malambo. Os movimentos acontecem com o pé quebrado e isso é bem difícil”, comenta Rafael Ribeiro. Já para as prendas, o maior exercício foi aliar o sarandeio com movimento de mãos. Sem falar da sincronia na hora de tocar o bumbo leguero, instrumento que roubou a cena e fez os gritos do público ecoarem no Poliesportivo.

Um problema que preocupou o grupo foi a falta de lugar para ensaiar. Desde que a preparação para o Enart ficou mais intensa, o CTG foi obrigado a cancelar os ensaios após as 22 horas na sede, porque um morador do bairro encaminhou processo ao Ministério Público reclamando do barulho. “Cada dia, precisávamos buscar um espaço diferente. Se não eram CTGs parceiros, eram ginásios ou até garagens. Foi um transtorno”, conta o patrão João Paulo Severo. A patronagem da entidade luta hoje na Justiça para poder retomar os ensaios em horários alternativos no local. Por enquanto, a movimentação da invernada na sede só é permitida até as 22 horas.

Peleia na busca por recursos

Assim como todos os CTGs do Estado, o Tiarayú busca recursos com as próprias pernas. Conforme o patrão João Paulo Severo, além de competir por prêmios em dinheiro nos rodeios, a gauchada também realiza almoços e demais eventos na entidade. Tudo para poder ajudar os bailarinos, que além de dançar de forma voluntária, muitas vezes precisam abrir a guaiaca para pagar as pilchas e viagens.

“Infelizmente, os CTGs não recebem verba da Cultura. Seria muito importante se o governo nos direcionasse ao menos uma ajuda de custo. Hoje a nossa folha cobre músicos, ensaiadores e instrutores”, desabafa. Mesmo com as dificuldades, a alegria é o sentimento que persiste. Também, com aquele troféu circulando de mão em mão pelo CTG, quem não ficaria feliz? “Esse título é desse grupo e de outras gerações que também lutaram pelo CTG”, finaliza o patrão.

Confira o vídeo:

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