Entendo bem o que passou essa família que chamou os bombeiros para resgatar uma criança que havia se trancado em um quarto, nessa quinta-feira, em Vera Cruz. É um incidente assustador. Conosco já aconteceu o mesmo, tempos atrás, na casa da minha sogra. Não, não foi com a Ágatha, foi com a Yasmin, sua irmã um ano mais velha, que na época deveria ter uns 3 ou 4 anos. Como disse o bombeiro que atendeu à ocorrência dessa quinta, esse tipo de situação é mais comum do que se pensa e, na maioria dos casos, consegue-se orientar a criança a destrancar a fechadura conversando através da porta.
É curioso esse fascínio que as fechaduras exercem sobre as crianças. Talvez seja o estalido – clec – a cada volta da chave, talvez a sensação curiosa que a pressão do mecanismo exerce sobre as mãozinhas quando forçado. Ou talvez seja, simplesmente, a vontade inconsciente de permanecer alguns minutos em isolamento, a salvo dos perigos e agitações do mundo lá fora. Yasmin nunca soube explicar por que girou aquela chave.
Não adiantou tentar orientá-la a abrir. Estava muito assustada. Como já disse Montaigne, filósofo do século 16, o medo ou nos dá asas aos pés, ou os prega ao chão. Sem ter para onde correr, Yasmin ficou paralisada. Com o pânico crescendo nos dois lados da porta, precisei tomar uma decisão difícil:
– Teremos que arrombar.
Mas não dava para simplesmente dar um chutão na porta, como nos filmes de ação, pois Yasmin permanecia muito próxima, do outro lado. Por sorte, havia no depósito um pé-de-cabra, que me permitiu abrir passagem devagarinho, forçando o marco sem causar maiores danos. Fomos encontrar a pobre Mimin sentadinha, chorando, ao lado do armário da pia.
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Desde então, abolimos as chaves das portas internas de casa. Inclusive nos banheiros. Claro que, para as visitas, isso é um problema. Imagino a tensão vivida por quem é de fora ao usar o nosso banheiro, ante o perigo de a porta ser escancarada, a qualquer momento, por um desavisado.
– Opa, argh… mil perdões…
– Ei! Poxa, fecha essa porta!
– Sim, claro, claro. Es… está tudo bem? Precisa de ajuda?
– Não. Só gostaria de saber onde está a chave…
Felizmente, tal acidente nunca aconteceu. Porém, é um risco que, quando se visita uma casa com crianças, pode-se correr.
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