Com 90 anos completados no último dia 2 de fevereiro, Harry Arno Genehr tem o riso e a disposição de um rapaz, mas uma memória que combina com a sua idade. Sentado à mesa da casa onde vive no Bairro Goiás, ele abriu seu arquivo de recordações de mais de meio século de trabalho.
Desenhista, fotolitista e fotógrafo, o santa-cruzense compartilhou histórias de sua trajetória e mostrou as raridades que estão guardadas desde a década de 1950, quando passou a atuar também como colaborador da Gazeta do Sul, na cobertura de eventos e fatos de interesse público.
Animado e com uma voz clara, fala sobre as dificuldades e as glórias dos dias de outrora, e da saudade que sente da esposa Helga, falecida em 2018. Lúcido e informado, conta os interesses que cultivou ao longo dos anos.
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Coberturas com a Gazeta do Sul
Aos 90 anos, o fotógrafo e desenhista Harry Arno Genehr recebeu a Gazeta do Sul e abriu seu arquivo pessoal com fotografias, desenhos e lembranças de uma longa e bem-sucedida carreira. Em seus álbuns de recordações estão registrados momentos marcantes da história da região. Com o olhar de um artista, ele atuou nas artes gráficas, na fotografia e no jornalismo. Teve passagens pela Gráfica Minerva, Cia de Fumos, Litopitt, Gráfica Kirst e Unisc, manteve sua empresa de fotografia desde 1958 e recentemente realiza transcodificação de fitas de vídeo VHS para DVD.
Em sua história como fotógrafo foi também um grande parceiro da Gazeta do Sul, produzindo fotografias de momentos marcantes de Santa Cruz do Sul e da região. “Fui um dos primeiros fotógrafos da Gazeta. Tudo que era coisa que acontecia, a Gazeta me chamava”, conta. Ele relata ainda que havia poucos fotógrafos na cidade à época. Além de Harry atuavam Odécio Hasstenteufel, Alcides Bertuol, Darcy Dal Monte e mais tarde Hélio Christmann.
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Em seus álbuns estão diversos registros históricos que fez para a empresa, como fotos da 1ª Festa Nacional do Fumo (Fenaf) em 1966 e da rainha do evento, Esther Matte. Em 1962, uma cobertura marcante foi a inauguração da ponte sobre o Rio Taquari, em Mariante, ao lado do jornalista Rony Forster. “Foi uma coisa muito engraçada porque o Rony, quando estava vindo, pegou a câmera Rolleiflex, mas ela tinha uma tampa cromada. Ele, na empolgação, foi fotografar e não estava vendo nada, e eu falei: tem que tirar a tampa!”, diverte-se.
Um momento que ficou registrado pelas lentes de Harry nas páginas do jornal foi o acidente com o avião DC-3 da Varig, que trouxe o candidato a vice-presidente João Goulart a Santa Cruz em 1960. Com o novo aeroporto em obras, a aeronave pousou no campo do Distrito Industrial e atolou na pista. Outras fotografias na coleção dele que estiveram nas páginas são imagens aéreas de Santa Cruz, quando as árvores do Túnel Verde ainda eram pequenas, e fotos aéreas de Vale do Sol. Também um registro da ponte pênsil Ernesto Dornelles, sobre o Rio das Antas.
Imagens de um acidente no qual a queda de um teco-teco causou a morte do piloto: a vinda à cidade de um acrobata que fazia um número no ar pendurando-se no eixo de um avião, além de incêndios, visitas de grupos teatrais e outros momentos da história santa-cruzense já figuraram na coluna Memória, do jornalista José Augusto Borowsky, da qual Harry é um ativo colaborador.
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Além de relembrar as histórias de sua vida profissional, Harry Genehr se ocupa planejando melhorias na casa onde reside atualmente, construída na década de 1920. “Meu filho vem bastante para cá, estamos fazendo uma reforma e trocando algumas portas e janelas.” Para se ocupar, ele mantém ainda o hobby de desenhar e pintar. O passatempo rende lindas pinturas em aquarela, de pássaros e cavalos. As últimas são de 2019, e neste ano ele ainda não pintou.
O fotógrafo mantém uma coleção de 2 mil DVDs da época em que gravava os filmes na tevê em VHS, e seus preferidos são os épicos. Mas o xodó mesmo são as lembranças de trabalho. “É uma coisa que eu gosto de guardar e olhar, isso que vocês estão vendo é coisa de anos e anos. Eu sempre fui uma pessoa rígida, positiva e nunca entreguei coisas malfeitas, principalmente as fotografias. Sou muito agradecido a todos que confiaram no meu trabalho e me orgulho de ter conquistado amizades com pessoas de todo tipo”, afirma.
Harry guarda desenhos em várias técnicas, como lápis de cor, crayon, bico de pena e aquarela, mas confessa que, entre os desenhos e a câmera, prefere a fotografia. “Dá muito trabalho fazer um servicinho destes. Eu prefiro a fotografia porque não precisa ficar a semana inteira envolvido. Mesmo assim, é uma higiene mental e uma coisa muito bonita.”
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Lembranças da Foto Harry
Após mais de uma década trabalhando em gráfica, ele precisava de novos ares. “Em 1958, eu estava enjoado e queria trabalhar por conta própria. Tinha uma pequena máquina e fui no campo do Santa Cruz bater fotos de futebol em um dia de jogo, me pediram cópias e foi assim que começou”, conta. Primeiro ele nem realizava a revelação das fotos sozinho, mandava fazer no Bazar Kuhn, onde depois passou a comprar os produtos químicos para revelar.
Com a Foto Harry, ele realizava todo tipo de trabalho fotográfico com a cobertura de casamentos, aniversários e outros eventos. Fazia fotografias que eram pintadas à mão com uma tinta especial e as montagens conhecidas como polifoto, muito comuns no passado, com várias imagens do rosto das crianças. O estúdio ficava na Rua Júlio de Castilhos, em frente ao Escritório Backes, e Harry e a família residiam nos fundos.
“Não é querer me gabar, mas nos dias de sábado, quando tinha os casamentos, os taxistas traziam os noivos direto para o estúdio. Às vezes, vinham quatro casais de noivos às 11 horas fazer as fotografias e dois eu não podia atender. O pessoal da colônia normalmente já estava com a comida pronta esperando eles”, conta. Outro trabalho feito por ele na época eram as publicidades utilizadas pelo Cine Apolo durante as exibições de filmes. Harry desenhava os anúncios e fazia as chapas divulgando lojas e negócios do município que eram projetados em cada sessão.
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Em 1960, ele foi um dos primeiros fotógrafos de Santa Cruz a usar filme colorido, que era comprado em Porto Alegre e depois enviado para revelação em Itapetininga, em São Paulo. Na época, as cópias levavam cinco dias para ir e voltar. Mais tarde ele abriu um estúdio em Caçapava do Sul, onde residiu durante cinco anos e organizou sua primeira exposição, com 120 fotografias. Entre as lembranças desse período, Harry guarda fotos do filho, lembrancinhas, imagens de aniversários e casamentos que registrou, além de outros itens, como fotos explorando efeitos de fotografia. Algumas são imagens de raios que ele conseguiu capturar, e uma delas é um autorretrato iluminado apenas pela luz de um fósforo.
Experiência em artes gráficas
O primeiro trabalho de Harry Genehr em 1944 foi na antiga Gráfica Minerva, que ficava na Rua Borges de Medeiros. Ele saiu para prestar serviço militar e quando retornou à atividade profissional, começou a desenhar nas horas vagas. Começou a praticar mais em 1951, e sentiu que tinha uma tendência para a ilustração a lápis. Incentivado pelo pai, Emílio, apresentou seus exercícios no trabalho e conquistou o cargo de desenhista. Ele ainda guarda os primeiros esboços que fez na época, sem nunca ter estudado desenho formalmente. Na gráfica, os trabalhos incluíam ilustrações de elementos que eram usados nos rótulos das bebidas. “O importante era fazer a anatomia das coisas, para o desenho não ficar plano”, conta.
A arte feita em detalhes e muitas vezes em pontilhado levava de três a quatro dias, e às vezes até uma semana para ficar pronta. Mais tarde, Harry fotografava os desenhos em tamanho grande e reduzia para fazer o rótulo, serviço do fotolitista. Com a imagem pronta, era montada a película para fazer a gravação na chapa que vai na máquina de impressão offset.
“Eu nunca enviei um currículo, sempre me procuravam e ofereciam vagas”, conta com orgulho. Uma das propostas foi oferecida por meio do cônsul em Porto Alegre, para ir morar na Austrália e trabalhar como desenhista e fotolitista. Genehr viveu em Pelotas, onde atuou na gráfica do Instituto de Menores Dom Antônio Zattera, e mais tarde na Gráfica Kessler em Caxias do Sul, onde se aposentou. Após a aposentadoria, ainda recebeu o convite para trabalhar na gráfica das antigas Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul (Fisc), depois Unisc, onde ele permaneceu por 13 anos, até o fechamento da gráfica.
Três anos de saudades e lembranças da amada Helga
Aos 24 anos, Harry se casou com Helga Gisela Genehr, natural de Trombudo, hoje Vale do Sol. “Me encontrei com ela num baile. Naquela época, a gente sempre dançava primeiro com a namoradinha. Um dia disse para ela: ‘Mas vem cá, tchê, tu não quer casar comigo?’, bem assim, e ela disse: ‘Mas eu nem te conheço, como é que eu vou casar contigo?”, conta Harry aos risos.
Após a união em 7 de fevereiro de 1955, Helga passou a auxiliar o marido na Foto Harry. Juntos viajavam bastante para trabalhar em festas, aniversários e casamentos. Aliás, quando os casais iam até o estúdio para fazer as fotografias, ela sempre auxiliava as noivas, arrumando os cabelos e ajeitando os vestidos das moças antes do registro.
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Harry e Helga tiveram o filho Rolf, os dois netos Guilherme e Daniele e o bisneto Eduardo. Completaram bodas de prata e de ouro e estiveram juntos até o falecimento dela, em 2018. “Ela faleceu há três anos e a vida fica amarga, a gente luta pela sobrevivência”, desabafa. “Dói muito quando a gente perde uma pessoa, mas a cabeça da gente sempre tem que estar no lugar.”
A foto da família fica em um quadro na parede da sala e foi tirada na saída de um aniversário no começo dos anos 1960. “A gente estava indo embora e ainda tinha três chapas coloridas na câmera, então posicionei e coloquei a câmera no automático”, relembra.
Confira uma galeria com as fotos de Harry Genehr:
A receita para chegar aos 90 anos
Harry apresenta uma disposição e saúde impressionantes aos 90 anos e atribui sua boa forma física ao passado de esportista e a uma receita caseira. “O que eu faço é pegar o bálsamo alemão de noite, que é pra não feder no outro dia. Pego uma cabeça de alho e pico um dente com manteiga, passo no pão e mastigo”, conta, e afirma que esse é o motivo para nunca ficar gripado.
“Me sinto atualmente com uma boa saúde ainda, mas daqui em diante, a gente nunca sabe o que pode surgir. Sempre tenho esperança e fé em Deus que vou chegar um pouco mais adiante. Quero ver a próxima Copa do Mundo”, afirma. Ele conta que o pulso ainda é firme para desenhar, só sente um peso nas pernas quando caminha, mas admite que é porque anda pouco hoje em dia.
Quando jovem, Harry jogou futebol e chegou a ser goleiro do segundo time no Avenida e no Santa Cruz, enfrentando até o Grêmio em campo. Já no basquete, integrou o time da gráfica Minerva que foi campeão estadual.
Já imunizado com a primeira dose da vacina contra a Covid-19, ele confidencia que só não gosta da agulha. “Eu até fiz uma brincadeira quando recebi a vacina: é uma agulha desse tamanho, por que não tem uma pequenininha?”, diverte-se.
As relíquias na coleção
Em uma cristaleira na sala de casa, Harry Genehr guarda algumas de suas companheiras de trabalho das últimas décadas: as câmeras. Entre as relíquias que são mantidas com todo o cuidado estão um modelo Brownie, de uso mais simples, e a Yashica 633, que ele utilizou em grande parte das fotos do estúdio, como as de casamento, mas agora não encontra mais o filme 6×6, além de alguns modelos Pentax mais recentes.
Há cerca de dez anos, a casa do fotógrafo foi arrombada e o ladrão levou três das câmeras que eram guardadas, incluindo uma que havia sido trazida da Alemanha. No passado, Genehr chegou a possuir até uma máquina de fole, do tipo lambe-lambe, utilizada com tripé e chapas de vidro. Ele lamenta ter deixado o equipamento para trás quando saiu do estúdio onde trabalhava.
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