Desde os primórdios do período de isolamento social, meus fins de semana têm sido dedicados, em grande parte, ao martelo, à serra circular, à talhadeira e às chapas de madeira. Tudo porque, ao longo da quarentena, foi-se estabelecendo uma espécie de rito celebrado pelas crianças, sempre às noites de sexta-feira, assim que chego da Redação. A liturgia começa mais ou menos assim:
– Paizinho… Pensamos em um novo projeto para você fazer neste fim de semana. Será que consegue?
E, desde a chegada da pandemia, já se somam casinhas de boneca de vários modelos, aviões e um grande barco – também para as bonecas –, além da pista de corrida para os modelos da Hot Wheels, sobre a qual escrevi na terça-feira passada, tudo feito em madeira. Com as aulas suspensas e as restrições aos passeios, as gurias têm apelado aos meus dotes de marceneiro – se é que se pode chamar de dotes –, em busca de novas alternativas de entretenimento. E eu, que me divirto ao mexer com madeira e compreendo o drama das meninas, topo os desafios. Então, passo horas na companhia do martelo e da serra circular elétrica, escapando ileso a quase acidentes que, eventualmente, tais ferramentas, ardilosas, proporcionam.
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Cheguei a pensar que a pista de Hot Wheels seria o projeto mais complicado da quarentena, mas estava enganado. A planta mais complexa foi-me apresentada na última sexta-feira, ricamente ilustrada com fotos que as meninas encontraram na internet: uma espécie de casinha erguida sobre pilares, com uma saída de emergência equipada com escorregador. Não para as bonecas: para as gurias mesmo, em tamanho real.
De início, relutei ante a envergadura do projeto. A estrutura teria de ser grande demais, além de muito robusta, para que fosse segura. Mas, então, teve início a ladainha:
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– Poxa, pai. Não tem pena de nós? – lamentou-se Ágatha. – Estamos entediadas, sem poder ir a praças e parques.
– Mas no quintal já temos balanços e um jacaré – elenquei, referindo-me a brinquedos que desenvolvi já há mais tempo, bem antes da pandemia.
– Mas falta a casinha com escorregador. Pracinha sem escorregador não é pracinha.
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Após inventariar o que ainda me restava de madeira e, principalmente, de fôlego, propus às gurias um meio-termo: uma espécie de mirante, instalado entre as árvores e reforçado por pilares, do qual seria possível descer por um escorregador. Toparam.
Só a construção da plataforma, elevada a um metro e meio do chão, consumiu-me o sábado todo. Afinal, caprichei nos reforços, para evitar que a estrutura toda viesse abaixo. No domingo, e em parte desta segunda-feira, finalizei a estrutura, instalando a escada, as guardas de proteção e o tão esperado escorregador.
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Mas, então, quando eu imaginava que as marotas se precipitariam escada acima, para chegar ao alto da plataforma e, a seguir, mergulhar pelo escorregador, as três estacaram diante da estrutura.
– Ficou bem alto – comentou a Yasmin.
– É seguro? – quis saber a Isadora.
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– Dá medo de subir – revelou a Ágatha.
Só me faltava essa. Depois de tanta insistência, e de tanto trabalho, desistiriam de brincar no aparelho apenas… por medo?
Então, eu mesmo subi a escada e fiquei de pé sobre o mirante, contemplando a paisagem. Ainda chamei a Patrícia e sugeri que trouxéssemos para cima as cadeiras de praia.
– É um lugar perfeito para tomar um mate – justifiquei. As gurias, então, se entreolharam, e Ágatha deu voz ao que pensavam:
– Se aguenta o pai, nos aguenta também.
E deram início à brincadeira.
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