Aos 61 anos, a secretária do Bispado de Uruguaiana, Leonir Salvador, esbanja simpatia ao telefone. Natural de Ipê, ela trabalha no local desde 1999, quando o irmão, dom Ângelo Salvador, assumiu o comando da diocese. Ao ouvir o pedido de uma entrevista com dom Aloísio Alberto Dilli, ela não se absteve de um comentário curioso antes de chamá-lo. “Todos aqui estão tristes com a partida dele. O povo aí de Santa Cruz vai gostar bastante de dom Aloísio.”
Não foi uma profecia. Basta conversar um pouco mais com o futuro bispo de Santa Cruz do Sul para notar que dom Aloísio é uma pessoa de fino trato, acessível e fã de um bom papo. Ele demonstra uma simplicidade típica de homem do interior, reforçada por sua formação franciscana, doutrina católica calcada na humildade e desapego pela riqueza.
Natural de Boa Vista, interior de Poço das Antas, no Vale do Taquari, Aloísio Dilli entrou para o Seminário São Francisco de Assis, em Taquari, em 1960, para estudar. Foi ordenado padre em 1977 e bispo em 2007, quando assumiu a diocese de Uruguaiana no lugar de dom Ângelo, aposentado.
Publicidade
Com 68 anos, ele se mostra mais arrojado do que conservador. Mantém perfil no Facebook e contatos frequentes com a imprensa, preocupa-se com o meio ambiente e defende que a Igreja se aproxime mais das pessoas. Por outro lado, entende que o católico deve seguir a orientação religiosa em temas polêmicos, como aborto e homossexualismo – mas ressalta que os fiéis devem ter respeito por quem pensa diferente. Também não faz questão de grandes mudanças nos ritos das missas.
A nomeação de dom Aloísio como bispo de Santa Cruz foi divulgada pelo Vaticano ao meio-dia de ontem no horário de Roma, cerca de 7 horas no Brasil. Ele já sabia há mais tempo, mas vinha aguardando o anúncio oficial para se manifestar. Santa Cruz estava sem bispo desde a despedida de dom Canísio Klaus, no final de fevereiro passado.
Uma reunião, na próxima semana, deverá marcar uma data para a posse oficial. O novo bispo espera estar devidamente empossado para a Romaria da Santa Cruz, que ocorrerá em 11 de setembro. Mas também quer participar da tradicional Romaria de Nossa Senhora Conquistadora, em Uruguaiana, em 21 de agosto. A tendência é que se mude para Santa Cruz entre uma romaria e outra.
Publicidade
ENTREVISTA
Gazeta do Sul – Como o senhor descreveria seu perfil?
Dom Aloísio Alberto Dilli – Sou franciscano. Aprendemos os ensinamentos de humildade e simplicidade que São Francisco aprendeu ao meditar sobre a personalidade de Jesus. Também venho de família do interior, me criei em meio à simplicidade. Bem, é difícil falar de mim mesmo. Os franciscanos defendem a humildade e a austeridade. Buscamos viver com o que é necessário, nada de ostentação, nada de aderir à sociedade de consumo. Temos que cuidar mais do nosso planeta. Como alerta o papa Francisco, o homem está depredando o planeta.
Publicidade
Gazeta – Acredita que Santa Cruz, uma das cidades com maior poderio econômico do Estado, acolherá bem essa mensagem de desapego material?
Dom Aloísio – Não vou pregar uma luta de classes. Defendo o respeito entre todos os grupos sociais e que todos participem da vida da Igreja. Mas acredito que quem tem mais recursos, tem a possibilidade de ajudar os demais.
Gazeta – O senhor tem preferências políticas? Tendências de esquerda ou de direita?
Publicidade
Dom Aloísio – Não falo em esquerda e direita. Penso que temos que nos adaptar a nossa postura cristã, sermos coerentes com ela. A palavra de Deus é que deve nos guiar pelo que é certo ou errado.
Gazeta – Quais os principais desafios que acredita encontrar em Santa Cruz?
Dom Aloísio – É difícil dizer à distância. Assim que chegar, precisarei observar, conhecer a realidade local. Devo chegar com calma.
Publicidade
Gazeta – Em entrevista à Rádio Gazeta, na manhã desta quarta-feira, o senhor falou em conquistar a união do clero. Acredita que possa haver rupturas?
Dom Aloísio – Não nesse sentido. Em todas as dioceses, cabe ao bispo trabalhar a unidade. Isso deve começar em casa, ou seja, entre os presbíteros, para então alcançar toda a comunidade. É papel do bispo manter a unidade dentro do clero e com a comunidade.
Gazeta – Qual o seu perfil como gestor? Quais as estratégias que costuma utilizar para mudar aquilo que, em sua opinião, pode estar errado?
Dom Aloísio – Acredito que a forma de chegar, de abordar as pessoas, é muito importante. Sentar com as pessoas, com os padres e leigos, e dialogar para sentir o que é necessário. Quero fazer muitas visitas para me aproximar de todos.
Gazeta – O senhor também defende que a Igreja deve sair dos templos e ir ao encontro do povo. Como pretende fazer com que isso aconteça?
Dom Aloísio – A Igreja deve ser missionária. Deve se aproximar mais das pessoas. Para gerar esse movimento, é necessário um processo de conscientização, que deve ser bem trabalhado. Como diz o papa Francisco, a Igreja não deve ser autorreferencial, ou seja, não deve ficar olhando apenas para si mesma.
Gazeta – E como atrair os jovens? Acredita que seja hora de alguma renovação nas celebrações, por exemplo, para atrair este público?
Dom Aloísio – Nossa querida juventude… Aqui em Uruguaiana, temos vários grupos de jovens nas comunidades, temos a Pastoral da Juventude, que são formas de atraí-los. Hoje (ontem) me emocionei com dezenas de mensagens que jovens deixaram no meu Face, ao saber que eu estava de partida. A Igreja precisa ir ao encontro dos jovens não pensando apenas que eles são o seu futuro, mas lembrando que são também o seu presente. Por um lado, talvez devêssemos adaptar a liturgia para os novos tempos. Mas é um processo complicado. Fiz curso de liturgia em Roma e entendo que ela tem o seu rito, a ser respeitado. Ela deve ter momentos de silêncio, de introspecção, de meditação. Mas também pode ter momentos de mais animação. A Igreja deve ter vida e, portanto, precisamos ser criativos. Mas também não devemos embarcar em aventuras vazias.
Gazeta – A saída repentina de dom Canísio surpreendeu os fiéis e deixou a comunidade católica insegura. O senhor acredita que vem para ficar?
Dom Aloísio – Venho para ficar. Sou honesto em dizer que foi muito bom ter passado este período em Uruguaiana. Imaginei que ficaria para sempre aqui. Mas o papa fala em Igreja aberta, missionária, e, portanto, está me enviando a Santa Cruz. Vou com desejo de amar o povo santa-cruzense e com forte vontade de permanecer. Além disso, tenho 68 anos e, como rege a tradição, devo pedir a renúncia quando completar 75. Portanto, tudo indica que ficarei em Santa Cruz até renunciar.
Gazeta – Qual sua visão sobre os casos de pedofilia na Igreja Católica?
Dom Aloísio – A pedofilia é uma chaga na humanidade e está presente em todos os setores. Infelizmente, casos também surgiram em meio ao clero. Comungo com a postura do papa, de tolerância zero para com os autores. É tolerância zero.
LEIA MAIS NA EDIÇÃO DIGITAL DA GAZETA DO SUL
DESTA QUINTA-FEIRA
This website uses cookies.