Há algumas noites, já bem tarde, um homem que eu nunca vira antes bateu lá em casa, visivelmente aflito. Pediu-me R$ 5,00 para comprar um remédio a fim de amenizar o sofrimento da filha pequena, que, nas suas palavras, estava urrando de dor em casa, por conta de um dente inflamado. Garantiu-me que tudo o que tinha consigo eram R$ 3,00.
Sou bastante reticente em alcançar trocados a pedintes desconhecidos, pois não há como saber qual será o verdadeiro destino do dinheiro. Pode ser para comida, mas também para álcool ou drogas. Tempos atrás passamos a ser procurados, lá em casa, por uma moça que sempre relatava-nos a mesma história: precisava comprar um pacote de fraldas para sua bebê. Na terceira vez, minha esposa pediu para ver a criança. E a moça nunca mais apareceu.
No caso daquele senhor, ficamos com o coração dividido. E se fosse verdade? E se realmente houvesse uma menina chorando de dor de dente em sua casa? Na dúvida, alcancei os R$ 5,00 e orientei que, logo ao amanhecer, levasse a criança a um posto de saúde. Falhei em não pedir-lhe um endereço ou contato, para verificar no dia seguinte se a garotinha – se realmente houve uma garotinha com dor de dente – havia sido encaminhada a atendimento.
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Contudo, tenho ouvido muito, nos últimos tempos, relatos parecidos, acerca de pessoas batendo às portas em busca de trocados para comprar comida ou remédios. Um policial amigo meu comentou-me, outro dia, estar impressionado com o volume de pessoas que o procuram em busca de ajuda e alimento. Investigador tarimbado, percebe que não estão mentindo: é gente realmente com fome ou outras necessidades.
Como jornalista, sei que em Santa Cruz e em muitos municípios da região há sistemas robustos de combate à fome – cozinhas comunitárias, albergue, acolhimento nos Cras, ONGs que fornecem sopões. Mas parece-me inegável que vem ocorrendo, na esteira da crise gerada pela pandemia, um aumento da miséria. A miséria, literalmente, tem batido à porta de nossas casas em busca de alguns trocados.
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Talvez por isso, tenho sentido nas ruas um clima de pessimismo em relação a este Natal. Muitos perguntam-se qual a graça de comemorar o Natal após um ano tão difícil, de tantos baques e perdas.
– Este é o Natal dos Papais Noéis magrinhos, daqueles que aparecem com gorro desbotado e botas furadas – ouvi alguém dizer, esta semana.
Penso, contudo, que este deve ser um Natal de olhar menos para o ano que passou e mais para o ano que vai começar daqui a alguns dias, de refletir acerca do que podemos fazer em prol de tempos melhores, daqui em diante, para nossas famílias e nossa comunidade. Este é um Natal para pensar no futuro.
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Claro, talvez esse modo de pensar não se aplique àqueles que sofreram perdas humanas nessa pandemia, às famílias que, nesta ceia de Natal, terão à mesa lugares vagos, onde antes sentavam-se entes queridos – pais, mães, filhos, sobrinhos, netos. A essas famílias, toda e qualquer palavra de consolo ou otimismo soaria hipócrita. Não há como apagar a saudade e a lembrança dos que, precocemente, se foram. Só resta honrar o legado que deixaram e manter a fé de que, em algum lugar, quem sabe, continuam de olho em nós.
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Enfim, peço desculpas aos leitores que esperavam uma coluna mais bem-humorada neste Natal. Esta, de fato, não é uma crônica bem-humorada como as que costumam ocupar este espaço. Mas espero, modéstia à parte, que seja uma crônica de esperança, de otimismo, de crença no futuro.
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Afinal, o mundo não acabou em 2021. Foi, sim, um ano de provações, de dificuldades e perdas; mas também de aprendizado. Como diz a sabedoria popular, o que não nos destrói nos deixa mais fortes. Use, portanto, essa sabedoria e essa força para arregaçar as mangas e fazer o bem. Neste Natal, abrace seus familiares, distribua palavras de otimismo, pratique a solidariedade. E reflita sobre como fazer de 2022 um ano melhor.