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ROSE ROMERO

Um homem, uma mulher, um almoço

Almoço de sábado no Centro. Mal sentamos e ouço a voz de uma mulher na mesa ao lado. Penso um pouco contrariada: como tem gente que fala alto, meu Deus. A caminho do bufê, observo. Bem vestida, 50 e poucos, agitada. Conversa com um homem a sua frente. Alto, cabeleira grisalha, uma barriguinha proeminente e, com certeza, chegando aos 70. Ela fala, ele ouve. Ela cala, ele ouve. Não tenho duvida: é um encontro!

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Adoro essas coisas. Estão flertando. Ela, um tanto nervosa, fala da vida em São Paulo entre uma garfada e outra. Ele come pouco e saboreia o momento. Lentamente.

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O papo é sobre comida. Ela sabe cozinhar, mas não gosta. Ele diz que vai cozinhar para ela. Ela se diverte com a ideia. Ele, que mora na Serra, conta que tem uma casa em uma praia do litoral gaúcho. Ela reclama que achou Torres feia. Ele garante que sua praia é diferente. E que lá a água do mar é quente. E que o passeio até lá é bem bonito… que ela deve ir. “Será”, ela pergunta.

Como se acharam? Teriam se conhecido no hotel próximo? Estariam na cidade para um evento? Fico quase romântica escutando esse joguinho de sedução madura.

Até que, a caminho da sobremesa, ouço ele dizer: “Estou com nojo da política”.

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Opa, como a conversa tomou esse rumo? Qual detalhe eu perdi? Volto com o potinho carregado de doce e culpa e ele ainda fala, enfático: “Vão transformar o Brasil numa Venezuela. A Globo eu não vejo mais”.

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Ela meio que concorda: “Eu também quase não vejo. Prefiro a Globo News, sabe…”.

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Ele interrompe: “Mas é tudo igual, só mentem”.

Ambos ficam em silêncio. Parece que a diversão perdeu a graça. Então, de repente, ela faz um comentário sobre a Faixa de Gaza. Levo um susto. Essa senhorinha fez ou não fez isso de caso pensado? Minha curiosidade bate nas alturas e eu me viro para ver. Ele abre os braços com ar desapontado e diz: “São todos terroristas”.

Ela crava a colherinha com força no pudim e retruca, irritada: “Mas não é certo matar crianças e civis inocentes. Não é certo. E isso não se discute”.

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Ele esboça algo e para. Fui descoberta. Os dois me olham e eu disfarço o indisfarçável.

Na fila do caixa nos reencontramos. Entre os dois, o clima desapareceu. Não fico para ver, mas desconfio que não haverá passeio na praia, nem jantar. Não haverá próximo encontro nem coisa alguma. Depois de “certa idade”, não há tempo nem paciência para conciliar tanta diferença.

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