Falar sobre a morte é sempre muito delicado. Mesmo em dias como hoje, Sexta-feira Santa ou no Dia de Finados. Desde o nascimento, somos ensinados a ignorar a finitude da vida tendo a impressão de que somos eternos. Mas a partir da maternidade se inicia a contagem regressiva cujo final é desconhecido.
Quando crianças, nós – sessentões e afins – pensávamos em ir para a escola aprender a ler e escrever, fazer amigos e bagunça. Depois, o objetivo era completar 18 anos para “tirar carteira de motorista”, além de poder “olhar filme de pelada”. Isso era poder assistir a fitas impróprias para menores. Também havia planos para sair de casa – principalmente quem morava na colônia, como eu – para morar sozinhos, “fazer a vida” do jeito que queríamos.
Mais tarde, e com o decorrer do tempo, os projetos giravam na busca de um bom emprego tendo à mão um diploma e o curso de datilografia para os guris e de secretariado para as gurias. Ao mesmo tempo sonhávamos em conhecer uma guria legal, que gostasse de dançar e de futebol, noivar, casar e formar família.
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Nesse enredo de vida, a ideia de morte não tinha espaço para cogitação. Quem ousasse falar nisso era repelido, embora na minha época fosse comum a piazada acompanhar os pais na ida a velórios e sepultamentos na maior naturalidade.
A sociedade evoluiu (será?), os tempos mudaram, mas a ideia de morte continua um tabu irremovível, constrangedor até. Há poucos dias o ator Alain Delon, um símbolo sexual da minha geração, ganhou as manchetes ao delegar ao filho a responsabilidade de organizar a interrupção assistida de uma sobrevivência que perdera o sentido. É algo como reivindicar o direito à eutanásia para evitar sofrimentos, constrangimentos e humilhações.
Vítima de AVC que lhe roubou muitas funções orgânicas e motoras – mas não a cognição –, a decisão de Alain Delon se transformou em alvo dos “juízes” e ”moralistas” das redes (anti) sociais. Algo que tornou-se rotina nesta época de julgamentos sumários embasados em falso moralismo.
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Ter a consciência de presenciar os próprios escombros deve ser um castigo terrível, insuportável. E isso não envolve apenas o caso de celebridades, mas de qualquer ser humano que perdeu o livre arbítrio sobre suas atitudes, dependendo sempre de familiares, enfermeiros e cuidadores.
O risco de chegar a esse ponto tira meu sono, o que levou a conversar várias vezes com meus filhos, mas é tema árido. Os filhos rechaçam de pronto qualquer abordagem que faço a respeito de tornar-me um vegetal. “O lógico é que eu tenha trocado as fraldas de vocês. E não o contrário”, repito. Rezo para não chegar a essa condição. Quando acontecer, exijo o direito de definir meu fim. Como o astro Alain Delon.
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