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RICARDO DÜREN

Um estranho erro de projeto

Nunca esqueço do alerta que um antigo colega radialista, tarimbado nas coisas da vida, fez-me quando soube que eu e minha esposa compraríamos nossa primeira casa própria.
– Preparem-se – disse ele. – Numa casa sempre tem coisas para arrumar: um cano que estoura, uma rachadura que aparece na parede, uma porta que empena…

Transcorridos quase 20 anos desde então, e já tendo passado por outras duas mudanças de endereço, não lhe tiro a razão: em uma casa própria, sempre há o que fazer e consertar: é fechadura que emperra, é chuveiro que queima, é torneira que pinga, é janela pedindo uma nova camada de verniz…

Lá em casa, andei quebrando a cabeça em busca de uma solução para um estranho enigma estrutural. A morada tem dois banheiros – o que é imprescindível para uma família de seis pessoas. O problema é que um deles fica… (bem, como vou explicar?) meio que do lado de fora da residência.

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Não, não é uma casinha afastada, como era comum antigamente na colônia. O banheiro faz parte da casa, mas sua porta fica na varanda dos fundos, que é aberta, guarnecida apenas por uma proteção de sacada, acima do quintal.

Até hoje me pergunto o que deu na cabeça do engenheiro para projetar um banheiro na varanda. Talvez imaginasse que seria apropriado para quem, estando no quintal, sentisse uma vontade urgente de correr ao sanitário mais próximo.

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Por conta disso, esse segundo banheiro caiu em desuso. No inverno, por exemplo, é preciso enfrentar o frio, atravessando a varanda, para chegar até ele. É muito mais vantagem usufruir do conforto e do calor do sanitário interno e, se esse estiver ocupado, vale a pena fazer um esforço para esperar a vez.

Por causa disso, Hércules, nosso boxer, decidiu que poderia apropriar-se do espaço pouco ou nada aproveitado desse lavabo da varanda. Concluiu que o ambiente, coberto de ladrilhos, com forro envernizado e uma janela alta, proporcionaria-lhe mais comodidade que sua casa de cachorro. Uma vez tendo aprendido a baixar a maçaneta para abrir a porta, Hércules, na maior cara de pau, passou a arrastar seu cobertor para dentro do toalete, para suas longas noites de sono ou sesteadas da tarde. O boxer só não aprendeu, ainda, a usar o banheiro com a finalidade para a qual foi concebido.

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Certa feita, deparei-me com nossa caçula, Ágatha, em apuros defronte ao banheiro interno. Batia na porta e exigia saber, de quem quer que estivesse lá dentro:
– Vai demorar? Apuuura!
Sugeri que, diante das circunstâncias, fosse usar o sanitário da varanda.
– Nem pensar – respondeu. – Não vou fazer nada com o Hércules me olhando.

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Concluí que só haveria duas alternativas para viabilizar o uso desse segundo banheiro. Uma delas seria fechar a varanda com paredes, transformando-a em um prolongamento da casa. Mas trata-se de uma obra com um custo elevado, tanto no aspecto financeiro quanto por dar fim ao prazeroso ritual do chimarrão na varanda, nas manhãs de domingo. Sacrificar o mate com vista para o quintal está fora de cogitação.

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A outra seria transferir a porta do toalete de fora para dentro da casa, abrindo uma parede e fechando outra. Com isso, o acesso se daria por uma saleta interna, concebida para ser uma despensa, mas que transformei em um pequeno escritório para escrever minha tese e bater esta coluna. Assim, essa segunda opção transformaria meu humilde ambiente de trabalho e reflexão em uma antessala do banheiro, o que também geraria problemas.

Imagine a situação: cá estaria eu, esforçando-me para escrever esta coluna em meio ao trânsito intenso das crianças
em direção ao lavabo.
– Com licença, pai…
– Oi pai… estou passando…
– Pai, deixa eu passar, rápido!
– Paiiiii, acabou o papel… Me joga um rolo!

E, ao final de tudo, haveria o barulho da descarga ecoando pelas paredes do escrito/antessala do toalete. Certamente, a conclusão da minha tese, e até mesmo esta coluna, estariam seriamente ameaçados.

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Em função disso, rendi-me a um antigo provérbio, que tantas vezes escutei daquele mesmo velho amigo, o radialista:
– O que não tem solução, solucionado está.

O jeito é, portanto, nos conformarmos com os frequentes congestionamentos que se formam diante da porta do banheiro interno, enquanto no externo, Hércules, o boxer, dorme tranquilamente.

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