A Rebelião de Stonewall completa 51 anos neste domingo, 28, e na data é celebrado o Dia do Orgulho LGBTQ+. As manifestações violentas em Nova York contra uma invasão da polícia em um bar em 1969 são consideradas o evento mais importante do movimento moderno de liberação gay. Desde lá, a luta por visibilidade rendeu vitórias sociais, políticas e jurídicas significativas, mas ainda há muito a avançar. Em Santa Cruz do Sul, membros da comunidade marcam a data contando à Gazeta do Sul sobre as dificuldades que ainda enfrentam em 2020 e o que as pessoas podem fazer para acolher a diversidade.
Com apoio incondicional das duas famílias e respeito no ambiente de trabalho, elas afirmam não sofrer preconceito, mas se incomodam com os estereótipos formulados pelos outros. “Somos mulheres que gostam de roupas, maquiagem, moda”, diz Deisy, que enfatiza que muitas pessoas ainda acreditam que ela e a esposa vivem uma vida diferente dos demais – o que não é verdade.
Natural de Santa Cruz do Sul e residindo atualmente em Santa Maria por conta da faculdade, a estudante de Serviço Social Samara dos Santos, de 20 anos, afirma que mesmo que ainda exista preconceito, há pessoas lutando para que isso mude. “Ano passado teve a primeira parada da diversidade aqui na cidade, organizada pela ONG Desafios. Foi um sucesso, com mais de mil pessoas.” Em 2020, a comemoração não pode ser realizada por conta da pandemia. Samara relata não ter sofrido discriminação por conta da sexualidade, mas na questão profissional enfrenta o desafio de ser ela mesma. “Eu evito falar que sou bissexual, principalmente em ambiente de trabalho, por medo de que isso possa interferir no modo como as pessoas me tratam ou até causar demissão”, conta.
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Quando se mudaram de Pelotas para Santa Cruz do Sul em 2016, o professor de teatro Fábio Marques Belém, 36 anos, e o coordenador de ensino Júlio César Quadros Martins, 32, ficaram encantados desde o primeiro momento. “Nos sentimos acolhidos como pessoas, porém entendemos que Santa Cruz não oferece lugares e eventos LGBTQ+, o que faria com que nós e outros nos identificássemos ainda mais com a cidade.”
Conforme o casal, a homofobia por aqui pode ser um pouco mais velada do que em outros locais, mas existe, já que eles se sentem presos por não poderem expressar livremente seu afeto. “Ainda há um estranhamento em olhares e comportamento das pessoas em relação a LGBTQ+. Certamente mais informação e convívio faria com que fosse normalizada a nossa existência”, acredita Fábio.
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Aceitação: o que devemos parar de dizer a pessoas LGBTQ+:
“Ainda percebemos uma certa curiosidade por parte da sociedade: ‘Como será que é o casamento de duas mulheres?’. Somos mulheres, como quaisquer outras – trabalhamos, saímos, viajamos, amamos.” – Deisy
“Existe uma cultura enraizada homofóbica que era mais abertamente aceita, em que piadas constrangedoras, xingamentos e humilhações passavam disfarçadas de brincadeiras. Não é piada se faz alguém chorar; não é brincadeira se machuca; não é opinião se faz alguém morrer.” – Julio
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“Geralmente nos perguntam se somos amigas ou irmãs, sempre vendo pela perspectiva cishétero-normativa, ou nos enchem de perguntas sobre nossas relações íntimas.” – Sara
“É cansativo ver que as pessoas esperam, e até mesmo desejam, que futuramente eu venha a namorar, casar e constituir uma família com um homem, ignorando a possibilidade de que isso possa vir a acontecer com uma mulher. Reforça o pensamento de que a bissexualidade é uma ‘fase’, ‘coisa de adolescente’, e que futuramente eu precisarei me decidir.” – Samara
“Acho extremamente desconfortável quando as pessoas fazem perguntas sobre a minha intimidade sem ter abertura nenhuma para isso. Não fazem perguntas do tipo para outras pessoas. Há outros meios de obter informação sem precisar ser indelicado.” – Valentin
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“Você é trans? Nossa, que engraçado, achei que você fosse uma mulher de verdade.’ Isso machuca porque faz com que a gente não se sinta mulher. Hoje já sei lidar melhor, mas se a pessoa não tem jogo de cintura acaba sofrendo e ficando mal por causa disso.” – Bruna
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Uma cidade de resistência e TRANSformação
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“O dia do orgulho LGBTQ+, para mim, é um dia de autoafirmação, de mostrar que nós existimos. Também é um momento de reflexão sobre a nossa luta, de se orgulhar das coisas que já conquistamos e pensar no que ainda precisamos conquistar”, conta o criador do grupo Trans Resistência SCS, Valentin Vargas, de 26 anos. Para o ativista santa-cruzense, ainda há pouca discussão na cidade e as pessoas ainda olham de forma estranha o que julgam ser diferente. “Algumas coisas melhoraram com o passar dos anos, porém ainda é preciso muito debate para que as pessoas abram mais suas mentes”, afirma. “É uma luta nossa, mas qualquer um que deseja que todos sejam tratados com respeito pode agregar.”
Para Valentin, o mais difícil foi o início de sua transição. Hoje ele se sente mais confortável para sair à rua, especialmente sozinho. Outra dificuldade é o mercado de trabalho, onde as pessoas trans encontram preconceito e falta de reconhecimento.
Para a estudante de enfermagem Sara Spiegelberg, de 23 anos, a descoberta de fazer parte do movimento LGBTQ+ veio aos 21 anos com a psicoterapia. “Acabei descobrindo ambiguidades no meu ser, uma delas a síndrome de Klinefelter, a qual me definiria como intersexual. Ao fazer a hormonoterapia para adequar meu corpo ao gênero, acabei me tornando parte da comunidade transgênera também”, explica. “Muitas pessoas confundem essas questões com sexualidade, apesar de eu gostar afetivamente de mulheres, me tornando assim parte da comunidade lésbica.”
Nascida em Rio Pardo, a jovem reside em Santa Cruz do Sul desde outubro. Sua experiência no município é variada: estabelecimentos em geral respeitam a diversidade, mas ainda há situações isoladas pelas quais Sara e a noiva Julia Eduarda passam. “Eu e minha companheira gostamos muito de demonstrar afeto em público. Infelizmente é inegável o preconceito quando estamos juntas.” Ela acredita que um dos maiores desafios ainda seja a empregabilidade de pessoas LGBTQ+ e o acesso ao tratamento adequado para pessoas trans.
Santa Cruz do Sul também foi o local de transformação para a autônoma, que trabalha na venda de doces, Bruna Vargas Gomes, de 23 anos. Na mudança de Santa Maria, há dois anos, trouxe o desejo de ter sua renda para dar início à transição. “Quando cheguei à cidade, como menino gay, não sofri tanto, as pessoas olhavam e não percebiam. Mas quando comecei meu tratamento hormonal, as mudanças não vieram tão rápido, demorou para as pessoas me verem de uma forma normal.”
Em relação à sua cidade natal, Bruna considera Santa Cruz do Sul mais acolhedora e menos agressiva, mas ainda enfrenta olhares de desaprovação. “Agora que estou há dois anos em transição, minha passabilidade já está muito melhor, não sofro tanto preconceito”, relata. Ela acredita que o município apresenta muitas oportunidades para pessoas LGBTQ+, especialmente nas indústrias que possuem propostas de diversidade, mas sentiu na pele a dificuldade de conseguir um emprego como mulher trans. “Tive que me privar de muitas coisas, as portas sempre fechadas para mim. Foi complicado.”
O Dia do Orgulho, para Bruna, é especial. “É um dia exclusivo para a gente ter voz, mostrar que estamos aqui, batalhando cada dia mais para ter nosso espaço e não ser mais invisível como a gente era há alguns anos atrás.” Há sete meses ela conta com o apoio do namorado, que também busca aprender sobre a comunidade LGBTQ+.
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