A aproximação do Dia das Mães deixou nossa caçula, Ágatha, bastante apreensiva. Sempre muito franca, revelou à Patrícia os motivos de suas preocupações.
– É mãe… Esse ano não haverá presente para ti. – E logo tratou de explicar o motivo: – Como estamos de quarentena, não poderemos sair para comprá-lo.
Patrícia procurou tranquilizá-la. Observou que eu certamente me encarregaria de lhe comprar uma lembrancinha, no caminho para o trabalho. Mas, para Ágatha, um presente escolhido por mim não teria o mesmo valor, não daria conta da importância da data.
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A solução encontrada pelas gurias foi caprichar ainda mais nos mimos que, habitualmente, elas mesmas produzem artesanalmente para entregar junto com os presentes em datas especiais. A operação vem sendo realizada sob rigoroso sigilo, longe dos olhos da Patrícia e, por via das dúvidas, também dos meus. Mas pude perceber que a Yasmin andou assistindo na internet a tutoriais que ensinam a fazer flores com dobraduras em papel e que a Isadora esteve pesquisando novos modelos de pinturas.
Ágatha, por sua vez, sempre desenha, pinta e recorta seus próprios cartões quando datas importantes ou aniversários se aproximam. Então, já ciente de suas preocupações, chamei-a para conversar no escritório – coincidentemente, quando começava a escrever este texto.
– Já fizeste teu cartão para o Dia das Mães? – questionei.
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– Estou trabalhando nele…
– E como vai ser?
– Ah, por enquanto isso é segredo…
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– Mas para o pai podes contar. O cartão não é para mim…
– Tem razão. Bem… O cartão vai ter um formato de… – mas, então, silenciou, ao perceber que eu tinha as mãos sobre o teclado do computador. E ficou brava comigo: – Não vou te contar. Se não, vai escrever sobre como é o cartão na tua coluna e estragar toda a surpresa.
…
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Minha esposa pertence a um grupo de mães privilegiadas, que poderão passar este domingo na companhia das crianças por já estarem, todos juntos, em quarentena. Diferente é a situação de tantas outras mães que, por conta da pandemia, não poderão receber a visita dos filhos adultos e netos para os merecidos abraços – caso, inclusive, da minha. Será chato e triste, mas imprescindivelmente necessário, ante todo este risco provocado pela Covid-19. Nessas situações, o coronavírus quebrará uma tradição milenar de convívio e união que dá todo sentido à data.
Milenar? Sim. Reza a lenda que o Dia das Mães tem suas origens na Grécia antiga, onde se faziam oferendas a Reia, a mãe dos deuses, no início da primavera. Atribui-se a ela uma das demonstrações de amor maternal mais audaciosas dentre as histórias do panteão grego. Segundo a mitologia, Reia viu-se forçada a passar a perna no marido, o poderoso deus Cronos, para salvar o filho caçula, Zeus. Ocorre que Cronos, temendo perder o trono aos filhos, devorava-os sempre que a esposa dava à luz. Quando Zeus veio ao mundo, Reia escondeu a criança e alcançou ao marido uma pedra envolta em mantas, que o faminto Cronos engoliu sem perceber a troca.
– Estava um pouco duro – talvez tenha dito. E Zeus, quando adulto, destronou o famigerado Cronos e libertou os irmãos, que seguiam vivinhos-da-silva no ventre do pai.
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Já os antigos romanos, que gostavam de uma boa farra, também tinham uma espécie de Dia das Mães. As festas à deusa Cibele, versão romana da mãe dos deuses, eram regadas a vinho e duravam três dias. A chegada do Cristianismo, que trocou as festanças em honra a Cibele pela devoção a Maria, mãe de Jesus, deu à celebração um caráter mais austero e decente.
Contudo, a versão moderna do Dia das Mães tem a ver com uma norte-americana chamada Anna Jarvis, filha de pastores metodistas que nasceu em 1864, na Virgínia. Conta-se que quando sua mãe faleceu, em 1905, Anna entrou em profunda depressão. Preocupadas, suas amigas organizaram uma celebração em memória da falecida, e Anna, então, decidiu que as homenagens deveriam se estender a todas as mães do mundo. Lutou vários anos para transformar o Dia das Mães em uma data oficial, e a ideia se espalhou pelo planeta.
Anna apregoava que, nesta data, mais do que dar presentes, cabia aos filhos passar o dia em convívio com suas genitoras, abraçá-las e levá-las a passear – o que, neste ano, tornou-se inviável, infelizmente. A americana também tinha pavor de ouvir falar de filhos que presenteavam as mães com cartões impressos.
– Um cartão impresso significa apenas que você é muito preguiçoso para escrever à mulher que fez mais por você do que qualquer outra pessoa no mundo – ralhava.
…
É curioso que, embora sem conhecer essa história, Ágatha tenha seguido os preceitos de Anna Jarvis. E, horas depois da conversa que tivemos no escritório, chamou-me para dizer que o cartão, feito por ela mesma com muito esmero, estava pronto. Para provar, permitiu-me dar uma espiadinha no cartão, ricamente ilustrado com desenhos. Mas não vou revelar mais detalhes. Não quero estragar a surpresa.
E, para encerrar, deixo meu desejo de um abençoado fim de semana a todas as super-mamães que nos leem.