“Não tinha tempo ruim com ela. Se alguém atirasse uma pedra na Maila, era capaz de ela juntar uma flor e entregar para essa pessoa.” A forma como Cláudio Rogério Wagner, de 48 anos, recorda como sua filha levava a vida contrasta com as lembranças angustiantes do que ele e a família viveram no dia 30 de outubro, um domingo. Os sonhos da jovem em se formar no ano que vem em Ciências Contábeis e buscar um emprego na área foram despedaçados com o seu trágico assassinato, a tiros, no centro de Salto do Jacuí, na Região Centro-Serra.
O crime, cometido pelo seu ex-namorado Juarez Júnior Ramos da Silva, de 24 anos – que se matou após o feminicídio –, foi o desfecho de uma série de episódios ligados a ameaças, agressões e perseguições. O rapaz, que chegou a ser preso, não aceitava o término do relacionamento de cerca de dois anos, ocorrido em maio, quando a jovem deixou a casa onde moravam em Jacuizinho e voltou a residir com os pais.
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Ainda muito emotivo pela perda da filha, Cláudio conversou com a Gazeta do Sul e detalhou os momentos do caso que aconteceu durante o seu plantão como motorista da Secretaria de Saúde de Estrela Velha, cidade onde moram ele, a esposa Marisane e agora apenas duas filhas – Maika, de 14 anos, e Maira, de 18 –, após perderem a mais velha, de 20.
As alterações no comportamento da filha Maila Aparecida Wagner começaram a ser notadas pelo pai Cláudio em março deste ano, ainda quando ela e Júnior moravam em Jacuizinho, cidade que fica a 30 quilômetros de Estrela Velha. O casal havia passado por uma série de mudanças de endereço ao longo de dois anos, passando por Encruzilhada do Sul e Boa Vista do Cadeado.
Os municípios ficavam distantes da cidade de moradia da família, mas eram onde o rapaz recebeu emprego em lavouras. A jovem o acompanhou, trabalhando na limpeza e fazendo comida na residência dos donos das terras. Ela também estudava no formato a distância. Com a mudança para Jacuizinho e a proximidade da casa da família, no entanto, os encontros com pai, mãe e irmãs passaram a ser mais frequentes.
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“O semblante dela não estava legal, detectamos que estava ocorrendo algo. Eu e minha esposa perguntávamos o que tinha acontecido, mas ela não queria falar”, disse o pai. Na metade de maio, Maila não aguentou e resolveu pedir ajuda. Foi quando Cláudio e Marisane a trouxeram para casa. “Ela nos revelou que não dava mais. Que ele maltratava ela psicologicamente, batia, pegava o telefone e quebrava no chão, por ciúme. Era algo possessivo. Ele sempre dizia que não era para ela estudar, só trabalhar em casa”, relatou Cláudio. Com Maila de volta à casa dos pais, as ameaças via WhatsApp e Messenger, com muitos áudios, passaram a ser constantes.
“O que mais dizia para ela era que se não voltasse para ele, podia ter certeza de que não iria viver com mais ninguém”, salientou o pai da vítima. No dia 2 de julho, em uma festa em Estrela Velha, um episódio marcou o caso. “Ela estava dançando com um amigo e ele veio e desferiu um soco no nariz dela, que passou e pegou também no rosto do outro rapaz. Fiquei sabendo disso no outro dia pela manhã, e fomos buscar orientação na Brigada Militar. Foi quando solicitamos um pedido de medida protetiva para ela”, disse o pai.
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Em 8 de setembro, já com medida protetiva em vigor, um novo episódio chamou a atenção das forças de segurança. Maila trabalhava em uma casa, no centro de Estrela Velha, quando viu que Júnior estava na frente do seu serviço, dirigindo um Gol branco e empunhando um revólver prateado. Quando ele fez menção de mirar contra a jovem, ela se agachou e conseguiu se esconder na residência de sua patroa. O homem fugiu.
No mesmo dia da ameaça com arma, uma outra ocorrência foi registrada pela família de Maila na delegacia. A delegada Graciela Foresti Chagas solicitou a prisão preventiva do rapaz de 24 anos. “A liberdade de Juarez compromete a integridade física e psicológica da vítima, e medidas alternativas à prisão não serão suficientes para cessar o risco que ele oferece”, disse parte da manifestação da delegada à juíza Márcia Rita de Oliveira Mainardi.
“O relato da vítima, acompanhada pelo pai, foi muito concreto no sentido de que ele estava armado e a perseguia. Infelizmente, foi um caso trágico e incomum que se tornou uma exceção diante de outros que não terminaram dessa forma”, disse Graciela à Gazeta. O pedido de prisão foi atendido pelo Judiciário. Uma semana depois, em 15 de setembro, Júnior foi preso após se apresentar na delegacia acompanhado de um advogado, sendo conduzido ao Presídio Estadual de Sobradinho. Entretanto, apenas dois dias depois, foi solto por decisão judicial, que revogou a prisão.
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Em vista da repercussão do caso, a juíza Márcia Rita de Oliveira Mainardi, que foi alvo de críticas pela decisão de liberar o autor do feminicídio, pronunciou-se por meio de nota. Ela disse que “trata-se de um caso exclusivamente de medida protetiva, uma vez que a vítima não representou contra o ex-namorado para instauração de processo criminal”.
Na nota, ela ainda relata que em dois dias a defesa de Júnior comprovou, com declarações e notas fiscais, que ele estava na cidade da vítima adquirindo peças em loja onde costumeiramente as comprava para sua oficina, e não para perseguir Maila. Por isso, segundo a magistrada, a prisão foi substituída por medida de proteção, uma vez que não houve informação nos autos sobre descumprimento da medida protetiva.
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“A prisão não se prolonga nesses casos, serve para verificar se houve mesmo descumprimento da medida e o advogado logrou êxito em comprovar que não houve descumprimento no caso. A renovação da prisão poderia ocorrer em caso de informação no processo acerca de eventual descumprimento das medidas protetivas. O crime ocorreu depois de dois meses sem notícia de outro possível descumprimento de medida protetiva”, disse outro trecho do despacho.
A tarde de 30 de outubro marcava o segundo turno das eleições presidenciais, e a agitação nas cidades era grande pelo resultado. Maila foi convidada por uma amiga a dar uma volta até Salto do Jacuí. Saíram de casa pelas 18 horas. “Eu estava trabalhando desde as 17 horas e, pelas 19h30, recebi a ligação de uma colega que era do Samu de Salto do Jacuí e não estava de serviço. Ela me disse para eu abandonar o trabalho e ir urgente lá, que ela precisava de mim. Eu não sabia o que era”, disse Cláudio Rogério Wagner.
Ele encontrou a colega do Samu em frente à Igreja Matriz de Salto do Jacuí. “Quando olhei pra ela, eu senti e disse: ‘Não acredito que o Júnior matou a minha filha’. Ela baixou a cabeça e, chorando, disse que infelizmente isso era verdade.” O pai foi até o local, onde Marisane, a mãe, já estava, e acompanhou o trabalho das forças de segurança.
“Esse rapaz, sem arma, era um covarde. Com arma se tornou perigoso. É um caso vencido pelo ódio, com uma pessoa tirando a liberdade de a outra viver. E existem tantos casos assim. Minha filha se foi. A gente espera que não aconteça com mais ninguém, porque é um buraco que não fecha. Vamos ter que achar forças, firmar a família e seguir em frente”, disse o pai.
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Apesar do desfecho do caso com a morte da vítima e do autor, a Polícia Civil de Salto do Jacuí mantém uma investigação em curso. De acordo com o delegado Dieison Novroth, a dinâmica dos fatos foi revelada por uma câmera do estabelecimento comercial que fica na frente do lugar onde o crime aconteceu.
“O autor chegou em uma esquina, espiou para o lado da rua, viu que a ex-namorada estava em um local com amigos, sacou a arma e foi em direção dela já efetuando os disparos”, relatou à Gazeta. Ao retornar à esquina de onde veio, Júnior encontrou parentes que vinham em sua direção, pois temiam que algo fosse acontecer.
“De repente, ele também disparou contra si, no tórax”, complementou o delegado. Uma pistola de calibre 9 milímetros, com a numeração raspada, foi apreendida pela polícia, que apura a origem dessa arma. O crime foi cometido porque o autor não aceitava o fim do relacionamento, e é tratado como feminicídio seguido de suicídio. No entanto, uma peculiaridade chama a atenção do titular da Delegacia de Polícia de Salto do Jacuí.
“A grande maioria dos feminicídios ocorre quando a mulher não registra ocorrência, não pede medida protetiva, aceita agressões e submissões. Quando as mulheres registram a ocorrência, em 95% dos casos ou mais, a medida e a prisão revolvem”, salientou o delegado. “Os agressores veem que a lei é rígida. Esse caso é uma exceção, pois ela tinha medida protetiva, ele foi preso e mesmo assim acabou assassinando.” Conforme o delegado, ainda são aguardados os laudos da cena do crime e da necropsia. Depoimentos dos amigos de Maila que viram o delito também vão ser tomados.
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