Percorrer por duas horas o Centro de Santa Cruz do Sul é um desafio para quem depende de uma cadeira de rodas para se deslocar. Não fosse a solidariedade de alguns cidadãos que cruzam o caminho de um cadeirante, os obstáculos seriam ainda maiores. Desnível de calçadas, buracos, rampas de acesso inclinadas demais e até mesmo a falta delas foram alguns dos percalços encontrados, nesta semana, ao acompanhar a deficiente física Tânia Manske, de 45 anos.
Ela perdeu o movimento das pernas aos 14 anos e, desde então, convive com a paraplegia e as consequências do problema. Embora a acessibilidade tenha melhorado drasticamente nesses 31 anos, ainda há muito a desejar para que os cadeirantes conquistem um mínimo de independência. “Entre tantos lugares que já visitei, Santa Cruz ainda é uma das cidades com melhores condições. Até mesmo Brasília, que devia ser exemplo, peca na acessibilidade, tanto no transporte quanto na rua e em estabelecimentos.”
Mesmo com as adversidades encontradas, Tânia busca manter uma vida normal, com saídas noturnas com amigos, prática de esporte – ela joga basquete – e tarefas domésticas. Natural de Candelária, mudou-se para Santa Cruz ainda na adolescência e até o fim do ano residia com os pais. Em janeiro, porém, avançou mais uma etapa na sua independência e passou a morar sozinha em sua casa, no Residencial Viver Bem.
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Foi no complexo, aliás, que ela encontrou as primeiras dificuldades. A reportagem da Gazeta do Sul saiu da moradia da candelariense às 13h15 com destino ao Centro, para acompanhá-la em uma rota que ela faz habitualmente. O que se encontrou pode passar despercebido aos olhos de quem não convive com a condição de Tânia, mas que, para ela, faz toda diferença. Confira ao lado.
TRILHA DE DIFICULDADES
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SAÍDA
Saindo de casa no Viver Bem
Para subir na calçada em direção à parada de ônibus, é preciso muito controle da cadeira. A rampa foi adaptada, reduzindo a inclinação, mas ainda foge das normas, segundo Tânia. “Essa vai contra a condição de um cadeirante. Muitas vezes acumula água, lixo, pedra. É fácil cair ali, porque o meio-fio também é alto”, disse.
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Tomando o ônibus
No dia em que acompanhamos a cadeirante, o elevador do coletivo funcionou. “Mas acontece com frequência de não ter elevador ou estar estragado. Alguns motoristas ligam para a empresa mandar outro ônibus, mas já cheguei atrasada em muitos compromissos por causa disso.” Dentro do coletivo, tudo ok: há espaço exclusivo com cinto de segurança para cadeirante.
Devagar na rampa
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Descemos na parada de ônibus da Rua Venâncio Aires, entre a Júlio de Castilhos e a Ramiro Barcelos. Tânia precisava ir a um laboratório na Ernesto Alves, para exames. Na esquina da Ramiro, surge o primeiro problema: para quem desce do Centro, há um acesso à Rua Venâncio Aires, mas ele é inclinado demais e é inviável para a passagem de um cadeirante sem auxílio. “Mesmo que conseguisse descer, do outro lado da rua não consigo subir na calçada porque não tem rampa”, disse ela.
Atenção, buracos
Na Ramiro Barcelos, no meio da quadra entre a Venâncio Aires e a Ernesto Alves, os buracos na entrada de um estabelecimento demandaram um zigue- zague de Tânia. Em todo esse trecho, foram as manobras da cadeirante que mais entraram em ação.
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Cuidado, desnível
Acostumada com problemas nas ruas, Tânia criou sua rota para amenizar as dificuldades. Ao sair do laboratório, seguiu pela Ernesto até a Júlio de Castilhos. No meio do caminho, entretanto, mais um desafio: passar por uma calçada de paralelepípedo e toda inclinada para a entrada de carros. “Muitas vezes, preciso descer para o asfalto porque tem veículos ou placas obstruindo o caminho”
Ops! Passagem interrompida
Mais adiante, uma obra também impedia a passagem e obrigou Tânia a desviar pelo asfalto, com a ajuda de um motociclista que havia estacionado nas proximidades.
Ué? Cadê a rampa?
Do laboratório seguimos para uma farmácia, onde Tânia precisou retirar medicamentos. Sem rampa de acesso, foi preciso o auxílio da proprietária para possibilitar a entrada da cliente. “Já soube de empresários que disseram que não precisavam de um cadeirante no seu estabelecimento, justificando a falta de rampa”, revelou.
Os problemas continuam…
Antes de embarcar novamente no ônibus para voltar, mais dificuldades: na Júlio de Castilhos, Tânia volta a se deparar com calçadas em mau estado.
Foto: Bruno Pedry
GENTILEZA É FUNDAMENTAL, AFIRMA TÂNIA
Não foram poucas as vezes em que Tânia precisou de ajuda para passar por obstáculos. “Algumas pessoas tentam ajudar, mas não conseguem. Tem vezes que é necessário força, em outras, paciência. Não adianta empurrar a cadeira de qualquer jeito”, comentou. A tentativa de gentileza, aliás, já acabou em quedas. “Já caí muitas vezes. E quando um cadeirante cai, todo mundo se apavora. Logo grito que estou viva para acalmar a situação”, brinca.
Para seguir até a Rua Marechal Floriano, pela Júlio de Castilhos, a subida exige outro socorro para ela. “Sempre peço para alguém me empurrar nessas quadras. Ali não consigo subir sozinha. Mesmo assim, quando chego em casa sinto muita dor nos braços”, disse.
As pessoas poderiam fazer a sua parte, poderiam facilitar a vida dos outros, mas não o fazem porque não são acessíveis
De acordo com Tânia, mesmo com o auxílio nas rampas e subidas, o trajeto só foi possível por causa da reabilitação que ela fez em Brasília. “Nos encontros, ensinaram técnicas para que pudesse me virar sozinha em casa, inclusive para tomar banho, e conduzir da melhor forma a cadeira para enfrentar os problemas na rua.”
A dificuldade arquitetônica, entretanto, ainda é a parte mais fácil de ser superada, de acordo com Tânia Manske. “A acessibilidade atitudinal é a mais difícil. É a que mais machuca e prejudica. As pessoas poderiam fazer a sua parte, poderiam facilitar a vida dos outros, mas não o fazem porque não são acessíveis. Precisamos sensibilizar essas pessoas de que isso é importante não só para um grupo específico de usuários, e sim para todos. A população está envelhecendo e, cedo ou tarde, vai precisar de espaços mais acessíveis.”
Foto: Bruno Pedry
SINALIZAÇÃO SONORA PARA CEGOS
A Prefeitura implantou há um ano uma sinalização sonora para possibilitar a travessia segura de deficientes visuais na Rua Tenente Coronel Brito, no cruzamento com a Borges de Medeiros. Os equipamentos foram colocados nas quatro esquinas de forma experimental. A Secretaria de Transportes e Serviços Públicos informou que o semáforo é caro, mas a intenção do Executivo é dar continuidade às instalações em outros locais, como as esquinas da Júlio de Castilhos com Tenente Coronel Brito e Venâncio Aires com Tenente Coronel Brito.
O QUE DIZ A PREFEITURA
O trabalho de fiscalização de calçadas ainda é feito mediante denúncias. Dos quatro fiscais da Unidade Central de Fiscalização Externa (Ucefex), da Secretaria da Fazenda, apenas um é responsável pelo acompanhamento de passeios públicos de toda a cidade. A legislação permite que o proprietário seja notificado e, a partir de um prazo determinado, realize as melhorias necessárias, sob pena de multa conforme a situação encontrada.
A Secretaria Municipal de Transportes e Serviços Públicos, em atendimento à Lei de Mobilidade Urbana nº 12.587, de 2012, está construindo rampas de acessibilidade nas esquinas, conforme a NBR 9050. Existe uma equipe encarregada especificamente dessa atribuição. Os problemas detectados em rampas mais antigas, construídas fora das normas, aos poucos serão corrigidos. Moradores que tiverem interesse em construir rampas em suas esquinas devem procurar a Secretaria dos Transportes para seguir o modelo correto.
Todos os projetos de prédios novos devem prever a construção de rampas, assim como os planos de alterações em estruturas já existentes.
Denúncias de irregularidades em calçadas devem ser encaminhadas à Unidade Central de Fiscalização Externa (Ucefex), pelo telefone (51) 3711-9404.
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