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Um brinde com sabor próprio em Santa Cruz do Sul

Bebidas que unem personalidade, criatividade e bom gosto vêm conquistando cada vez mais o paladar dos santa-cruzenses. Embora a produção de cervejas artesanais faça parte da história de Santa Cruz do Sul há mais de um século, voltou a conquistar mais fãs na última década. Prova do crescimento do potencial cervejeiro e do gosto local por rótulos diferenciados é a realização de dois festivais da cerveja na cidade neste fim de semana. 

Conforme a Secretaria Municipal da Fazenda, pelo menos quatro microcervejarias estão registradas no município, entre outras que estão em processo de regularização. Entretanto, não é só pela oferta de cervejas artesanais que o cenário local é marcado. O momento também é daqueles que têm a produção como um hobby, caso de Guilherme Tappes Scherer, de 34 anos. Para ele, o prazer está em criar a própria bebida. “Se eu quiser tomar cervejas que já existem, vou a uma choperia”, argumenta. 

Scherer faz parte da Associação de Cervejeiros de Santa Cruz do Sul (Acersc), criada no primeiro semestre deste ano. Ele conta que quando começou a fazer cerveja, há cinco anos, ainda improvisava na cozinha do apartamento onde morava. Hoje, o espaço já oferece um pouco mais de praticidade: em uma área dos fundos da casa nova, monta o fogareiro e prepara as panelas para a produção. “No início era curiosidade, teimosia. Agora é um hábito. Prefiro fazer cerveja do que estar na rua. E me dedico para isso. Estudo lúpulo, malte e novas receitas”, conta. Mas, mesmo diante de tanta dedicação, ele afirma que não pretende fazer disso um trabalho. “Não tenho interesse em vender. Faço minha cerveja para eu beber e para servir meus amigos.”  

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A organização de Guilherme e o carinho com o qual trata suas obras também se destacam. Em um caderninho, registra todas as suas criações, com datas e ingredientes utilizados. As receitas escritas revelam ainda outro detalhe: a criatividade é uma grande aliada para as produções do cervejeiro. “Meu pai é produtor de mel e me pediu para fazer uma cerveja para ele. Já fiz de mel, limão, coentro, defumada, trigo, entre outras. Estou sempre aprendendo”, diz.

Segredo é a temperatura

O segredo para uma boa cerveja, segundo Guilherme, está no cuidado com as diferentes temperaturas durante o preparo. “Existem as rampas de brassagem e temos que seguir elas”, enfatiza. A grosso modo, a brassagem é o cozimento da cerveja e as rampas dizem respeito às várias temperaturas.  
Mas isso não é tudo. Scherer resume o processo de fazer cerveja explicando que é preciso “ferver a cevada para remover o malte, filtrar com água fria, ferver com o lúpulo, resfriar, acrescentar a levedura, deixar fermentar por cerca de uma semana, envasar e deixar o tempo certo para maturação”. Pareceu complicado? Guilherme garante que não é, embora admita ser um processo trabalhoso. O período necessário para que a bebida esteja pronta para consumo depende do estilo e varia, geralmente, entre 20 e 30 dias.

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A produção local de cervejas

O vínculo de Santa Cruz do Sul com a produção cervejeira parece recente, mas a história mostra que a cidade é um berço das boas cervejas. A primeira surgiu em 1868, na localidade de Picada Velha, hoje Bairro Linha Santa Cruz, e teve como criador o imigrante alemão Karl Schütz.

Entre aquele ano e 1945, existiram pelo menos seis empresas do ramo no município. Por volta de 1895, o prédio onde hoje funciona o escritório de arquitetura Téia+Iara abrigou a Cervejaria Becker. A empresa foi vendida em 1904, após a morte de um dos sócios, Christiano Becker.

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Uma das mais importantes foi a Cervejaria Santa Cruz, criada em 1910 e que produzia as marcas Santa Cruz (forte), Sport (leve) e Mai-Bock (preta). A empresa funcionava na Rua Cristóvão Colombo, um pouco depois do Colégio Mauá, e foi adquirida pela Cervejaria Continental, de Porto Alegre, em 1944.

A Polar, uma das cervejas mais tradicionais do Rio Grande do Sul, também tem raízes em Santa Cruz. A bebida surgiu em Estrela, mas se consagrou em 1945, após um grupo de investidores santa-cruzenses adquirir a empresa e mudar o nome para Polar. A produção foi mantida no Vale do Taquari, mas a administração passou a ser em Santa Cruz, na esquina das ruas Venâncio Aires e Fernando Abott, onde também funcionava o depósito e o centro de distribuição. Na época, uma gigantesca garrafa foi instalada em frente ao Monumento do Imigrante. Foi removida anos depois, em razão de uma série de acidentes.

A Polar foi uma das principais pagadoras de tributos e, por muito tempo, manteve-se entre as seis maiores empresas do município. Apesar da importância do empreendimento, destacou-se por ser um ambiente bastante familiar e estar presente em eventos da cidade.

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Junto à cervejaria, também ocorria a produção de refrigerantes, como o guaraná frisante. A venda da Polar ocorreu em 1972 e foi considerada uma grande perda para Santa Cruz.

Falta de matéria-prima desafiava produção

Um dos precursores da temporada mais recente de fabricação própria de cerveja em Santa Cruz do Sul é o comerciante Sérgio Spall, de 50 anos. Há dez anos ele comprou o primeiro kit de insumos, equipamentos e receitas para iniciar a atividade. “Via que era comum em outros países e comecei a fazer por curiosidade”, revela. Preparou-se com cursos em Porto Alegre e pela internet, mas mesmo assim enfrentava dificuldades para ter acesso a informações. “Não tinha com quem trocar ideias. As pessoas que sabiam fazer e estavam mais perto moravam em Porto Alegre”, recorda. 

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Desafios, aliás, é que não faltaram para Sérgio. De origem estrangeira –  como da Argentina e da Alemanha, por exemplo – os insumos, hoje, são encontrados em estabelecimentos comerciais de Santa Cruz e podem ser comprados em poucas quantidades. Porém, na época em que Spall começou sua produção, precisava buscar os produtos na Capital ou pela internet e em grande quantidade. 
Sérgio lembra que naquela época, a aceitação por parte de amigos também não ajudava. “A maioria tomava um copo e já estava satisfeita. Eram poucos amigos que estavam acostumados com as cervejas artesanais”, diz. Os problemas, entretanto, não impediram que ele continuasse suas produções e, hoje, as dificuldades daquela época são águas  – ou seriam cervejas? – passadas.

Mercado aberto para cervejas de qualidade

O cervejeiro Lucas Guitel, 31 anos, acredita que ainda há espaço no mercado para cervejas de qualidade e, por isso, planeja empreender no ramo. A ideia do publicitário é fazer o que chamam de produção cigana, ou seja, alugar o espaço de uma cervejaria já equipada para produzir as próprias receitas. “Como faço e gosto da minha cerveja, também quero levar para os outros. Há muitas cervejas artesanais no mercado, mas são poucas as boas.”

Por enquanto, Lucas e um amigo produzem cerveja em um espaço improvisado, nos fundos da empresa onde ele trabalha. A produção ocorre até duas vezes por mês, mas em baixa escala. Quando é uma receita nova, faz em torno de 20 litros e quando são aquelas que já foram aprovadas, aumenta para cerca de 40 litros. “Todas são receitas próprias, que nós elaboramos. Estudo a cerveja antes de preparar”, conta. Formado em Publicidade, Lucas também aplica seus conhecimentos e criatividade na elaboração dos rótulos, fazendo um para cada tipo de cerveja.

As dicas de um baterista apaixonado pela cevada

Com uma experiência de quase 35 anos na produção de cerveja, o músico e mestre cervejeiro Sady Homrich afirma que uma das principais características de uma bebida artesanal está no que ela passa para o apreciador. “Ela tem que ter alguma coisa para dizer. Não pode ser só mais uma cerveja, só uma cópia de outra. Essa fase já passou. Uma cerveja artesanal tem que ter um sabor, equilíbrio e conceito que façam a pessoa parar para pensar enquanto bebe”, argumenta Sady, baterista da Nenhum de Nós. Segundo ele, para quem gosta da produção artesanal, a liberdade cervejeira está posta na mesa e não impõe limites. Conforme o mestre, há mais de 200 subestilos de cerveja. “Agregar os mais variados ingredientes, como flores, frutas, sementes e raízes é permitido, desde que visando dar mais sabor e uma característica única à cerveja”, defende. 


Sady, da Nenhum de Nós, faz a própria cerveja há quase 35 anos

Como as cervejas artesanais buscam proporcionar melhor qualidade e sabor, o cuidado inicia já na escolha da matéria-prima, com malte especial, lúpulo fresco e levedura bem selecionada. “E esses componentes, junto com o tempo correto de produção e maturação, vão fazer a diferença em relação à cerveja comercial, a qual visa lucro e por isso deve ser feita o mais rápido possível”, diz. Além disso, Sady enfatiza que a dedicação do cervejeiro é fundamental para os melhores resultados. “O cervejeiro tem que ter muito amor pela bebida para fazer com que ela seja honesta e tenha a sua personalidade. Não importa o tamanho da cervejaria. Importa a maneira como a cerveja é tratada”, comenta. 

Com um histórico familiar de apreciadores de cervejas, Sady comenta que começou a produzir sua bebida porque sentia necessidade de algo que agregasse às cervejas comerciais da década de 80. De acordo com ele, naquele período o Brasil não tinha muito acesso a insumos e informações. Então, o jeito era se basear nas receitas de imigrantes alemães. Os livros eram destinados apenas para a produção industrial, não focavam na produção caseira. “Eram tentativas e erros, óbvio, muitos erros. Mas fizemos boas cervejas também”, salienta. 

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