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Um auxílio na luta contra a violência: conheça o projeto da Unisc coordenado por Caroline Ritt

Violência doméstica contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, conforme a Lei Maria da Penha. Apesar de crime, milhares de mulheres sofrem as ações diariamente, muitas vezes no próprio lar. Somente em Santa Cruz do Sul, foram 43 prisões no âmbito da violência patrimonial de janeiro a julho de 2024, conforme dados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

A agressão, verbal ou física, não é o único receio que assombra a mulher que decide buscar a Polícia Civil e denunciar o companheiro. Muitas delas ainda precisam lidar com o medo de não se sustentarem sozinhas, perderem itens, além do julgamento da família e da sociedade. Alguns desses anseios não são verdadeiros – às vezes, criados pelo agressor em busca da desistência da denúncia.

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Orientar e acolher as mulheres de uma forma humanizada e reservada nas delegacias é o trabalho de diversos alunos participantes de um projeto de extensão da Universidade de Santa Cruz (Unisc), idealizado por Caroline Fockink Ritt, de 49 anos. Há mais de dez anos, a professora de Direito Penal coordena a ação, que além de levar conhecimento e apoio para as vítimas, forma profissionais da área jurídica com abordagens mais humanas.

Estudantes nas delegacias

Com início em 2013, a ação “Enfrentamento da Violência Doméstica e Familiar: Direitos e Garantias Legais da Mulher Agredida” consiste em levar estudantes de Direito para atuarem no cotidiano das delegacias. Na condição de bolsistas, elas estão à disposição de mulheres que tomam a iniciativa de buscar a Polícia Civil para registrar atos de violência doméstica contra seus companheiros.

Em uma sala reservada, as alunas abrem um espaço de acolhimento às vítimas e as auxiliam com informações sobre os trâmites judiciais, direitos, medidas protetivas e demais dúvidas que surgem em relação ao andamento a partir da decisão que escolherem. Atualmente, o projeto atua em Santa Cruz do Sul, Montenegro, Venâncio Aires e Sobradinho.

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Imagem que mostra como é o atendimento na delegacia no âmbito do projeto de apoio às mulheres

Caroline Ritt diz que o principal objetivo é esclarecer. “A informação é superimportante para a pessoa conhecer os mecanismos jurídicos que protegem as mulheres. Não é natural sofrer violência, seja psicológica ou física. O primeiro passo é entender que não é comum e buscar romper isso.”

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O projeto iniciou-se apenas em Santa Cruz e depois partiu para Montenegro. A ampliação para os outros municípios foi possível graças a uma verba internacional do Consulado da República Tcheca de incentivo a projetos relacionados com direitos humanos. Além disso, o dinheiro também oportunizou uma melhor estrutura de atendimento, como brinquedos para crianças que vão com suas mães ficarem à vontade naquele momento de dor, além de computadores e apetrechos para os acadêmicos executarem o serviço.
Em 2016, a ação recebeu o reconhecimento da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, por destaque como projeto de Garantia de Direitos Humanos.

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Uma assistência a mais

O trabalho busca ser um suporte mais humanizado para as mulheres em um momento frágil. Muitas delas chegam às delegacias sem conhecimento de trâmites legais e repletas de insegurança, muitas vezes por inverdades contadas por aqueles que são contra a denúncia.

É para sanar essas e outras dúvidas que a conversa serve. “A gente desmistifica e acolhe. Porém, a ação não afasta o trabalho da polícia ou do Poder Judiciário. Não é um trabalho de advocacia, é um trabalho de acolhimento”, diz Caroline.

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Depois, a própria vítima decide como seguir o procedimento, com ciência do desenrolar de cada ato a partir da explicação das bolsistas.

Atuando além das salas de aula

Além da presença nas delegacias, outro compromisso da equipe é se reunir mensalmente de forma online. As reuniões servem para que as alunas compartilhem experiências entre si e encontrem as melhores formas de abordagem.

Nesse contexto, os professores estão sempre disponíveis para as alunas que têm dúvidas durante os atendimentos. Assim, já sanam na hora. Para que o trabalho seja executado com sucesso, aulas referentes aos temas necessários, como direito da família, são ministradas para as participantes logo nos primeiros encontros. Isso também as beneficia dentro das salas de aula, porque, em muitos casos, alunas dos primeiros semestres já lidam com conteúdos avançados da universidade.

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A experiência, benéfica para a comunidade, transforma a formação dos alunos que, além do conteúdo teórico, levam consigo a preocupação social. “As meninas que passaram pelo projeto me relatam que saíram com outra formação de relacionar teoria com a prática, como funciona a atuação policial, mas principalmente, de ter essa experiência humanista”, diz a coordenadora. As experiências e os aprendizados são estimulados a serem apresentados em trabalhos acadêmicos.

Como buscar ajuda

Se você foi ou é vítima de violência doméstica, denuncie pela Central de Atendimento à Mulher, discando o número 180 no telefone. O serviço funciona 24 horas e é gratuito e anônimo. A central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos, em busca de enfrentar a violência contra a mulher.

Além disso, é possível realizar boletim de ocorrência contra violência em busca de medidas de proteção de urgência. Em algumas cidades do Rio Grande do Sul, o atendimento no âmbito da Lei Maria da Penha é feito por delegacias especializadas, como a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, localizada no quarto andar do Centro Integrado de Segurança Pública, Avenida Deputado Euclides Nicolau Kliemann, 1515, em Santa Cruz do Sul.

Para quem deseja apenas se informar sobre os trâmites sem intenção de dar parte, é possível buscar o Gabinete de Assistência Judiciária da Unisc ou o Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Dom Alberto.

Quem ela Caroline Ritt?

Animais, leitura, viagens, shows e lar. Fora do trabalho, Caroline Ritt é uma mulher que ama viver intensamente. Natural de Panambi, ela via no seu entorno uma tendência de as meninas casarem e serem donas de casa. Mas sempre quis seguir um caminho diferente. “Nunca fui uma pessoa de seguir a manada. Eu queria ler, aprender, conhecer o mundo, e minha mãe sempre direcionou a gente para estudar”, diz.

Ainda na cidade, cursou magistério durante o segundo grau, com professores que incentivaram a leitura e os estudos. Essa etapa foi concluída em 1993. Foi nesse momento da vida que conheceu Eduardo Ritt, natural de Santa Cruz do Sul, um jovem que era promotor na cidade aos 22 anos. Apesar do sonho de querer transformar a realidade social com as relações jurídicas sempre estar presente, Eduardo foi um dos maiores motivadores para que Caroline seguisse a faculdade.

Foi em Ijuí que iniciou seus estudos na graduação de Direito. Mais tarde, transferiu a faculdade para a Unisc, onde se formou em 1999. Quando estava próxima de concluir o mestrado, começou a ministrar as primeiras aulas, em Venâncio Aires e Capão da Canoa. No campus do litoral, tinha um projeto de extensão voltado ao atendimento da pessoa idosa.

Atualmente, é especialista em Direito e Processo Penal, doutora, além de pós-doutora pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Ministra as disciplinas de Direito Penal, Criminologia e Direitos do Idoso na Unisc e oferece aulas preparatórias no Ceisc.

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Caroline Ritt fez pose para uma fotografia com sua cachorra Palo, que a segue por toda a casa

“A educação transforma vidas, ela muda a realidade social. Pessoas que já foram meus alunos e estudaram, seja com apoio dos pais ou de ações sociais, tiveram ascensão social por causa do estudo. Eu sou uma entusiasta da educação”, comenta. E o desejo de mais títulos segue presente em Caroline, que planeja para o futuro um segundo pós-doutorado.

Caroline e Eduardo são casados e administram juntos as demandas da vida pessoal e os projetos na faculdade de Direito, incluindo o de enfrentamento à violência doméstica nas delegacias. Fora do campus da Unisc, utiliza de seu tempo para cuidar de si mesma e da família. “Faço academia, participo de um grupo de corrida, estudo línguas, sou uma leitora compulsiva.”

Outro traço de Caroline é a paixão por animais. A Palo – nome que significa “sol nascente” e surgiu durante uma viagem ao México –, uma pequena salsicha, é sua seguidora fiel em qualquer cômodo da casa.

A luta contra o câncer

Enfrentar um câncer de mama em 2011 , aos 36 anos, foi um dos maiores desafios da vida pessoal de Caroline. Suas duas irmãs também tiveram a doença. O apoio dos familiares e do médico oncologista e cunhado Jorge Ritt, prestando todo o suporte, fez com que a passagem pelo período turbulento fosse suavizada.

Durante o tratamento, trabalhou à distância para manter a imunidade. “Meu trabalho é algo que me realiza muito, tu estar nesse período sensível e ainda não poder trabalhar, deve ser difícil. Felizmente, a coordenação do Direito foi muito compreensiva e me possibilitou seguir as atividades de casa”, diz. Uma semana antes da última quimioterapia, voltou às salas presenciais.

Hoje, recuperada, ela ressalta a importância de políticas públicas, de acesso à informação e, principalmente, que as mulheres não desistam de lutar contra a doença. “Enfrentar um câncer é como um Gre-Nal. Não tem empate, tu tem que entrar em campo para ganhar e colocar na cabeça que tu vai enfrentar aquilo para ganhar o jogo.”

Próxima parada: a Muralha da China

O escritório da Caroline e do Eduardo é recheado por livros – alguns autorais – e um ambiente de fotos e artefatos que relembram e enfatizam a trajetória escolhida na área jurídica. No outro lado, os ambientes de conforto do casal mostram uma série de realizações pessoais. A principal delas é vista nas paredes: em quadros de fotos com ingressos de diversos shows, a maioria de bandas de rock como U2 e The Who, pinturas de artistas de rua dos mais variados países e um mapa-múndi onde estão marcados os lugares que visitaram juntos.

Mural em uma parede destaca ingressos de shows e fotos do casal em diversos lugares mundo afora | Foto: Paula Appolinario

Todas as características deixam explícito: o casal ama conhecer novos lugares. “Eu sempre quis viajar, conhecer o mundo, estudar novas línguas.” As viagens iniciaram-se em 2006, realizando o sonho de conhecer a Itália. Depois, vários locais já estão marcados no mapa, dentro e fora do Brasil. E o novo destino já está definido. “Meu próximo sonho a realizar é caminhar sobre a Muralha da China. Não sei se vou conseguir ano que vem, mas já estamos pesquisando.”

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Paula Appolinario

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