Há exatamente um ano, no dia 15 de novembro de 2018, faleceu em Pelotas o escritor e professor Aldyr Garcia Schlee, aos 83 anos – e uma semana antes de completar seus 84 anos. A notícia de sua morte chegou em plena realização da 64ª Feira do Livro de Porto Alegre, na qual estivera dias antes autografando seu novo livro, O outro lado: noveleta pueblera.
No contexto da edição atual da Feira do Livro, que se estende até domingo na Praça da Alfândega, eventos foram programados para lembrar da vida e da obra de Schlee. Uma das iniciativas de fixação de sua memória é o volume Conte-me um conto, mas que seja lindo e feio como a vida: o livro do sonho de Aldyr Garcia Schlee, com textos e fotografias, de cerca de 40 artistas e personalidades de diversas áreas. Da editora Ardotempo, do editor Alfredo Aquino, que foi grande amigo do escritor, a obra compartilha originais de Schlee, depoimentos de colegas e familiares e fotos de Gilberto Perin, que documentou muitos momentos da trajetória do autor.
Nascido em Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, Aldyr tinha ligações afetivas com Santa Cruz do Sul. Aqui residia sua avó Anna, e as visitas ao longo da infância firmaram-se em seu imaginário. No livro organizado por Aquino inclusive consta trecho do conto “Os alemão”, que Aldyr já havia cedido em 2014 para a antologia Nem te conto, da Editora Gazeta, no qual menciona viagem a Santa Cruz para visitar a avó Anna em pleno Natal de 1943. Em sua literatura, que se abre para o mundo na aproximação entre países e línguas, entre o português e o espanhol, ambientou, em paisagens e personagens, os temas da amizade e da necessidade de integração.
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Schlee fixou-se posteriormente em Capão do Leão, no “sul do Sul”, como dizia, e de lá se deslocava para lecionar na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), bem como para os numerosos compromissos literários. Era doutor em Ciências Humanas, tendo sido fundador da Faculdade de Jornalismo da Universidade Católica de Pelotas. Na UFPel, foi ainda pró-reitor de Extensão e Cultura. Passagem curiosa de sua biografia, largamente referida, é o fato de, como desenhista, ser dele a arte da camisa canarinho da Seleção Brasileira de futebol; quando jovem, venceu concurso promovido pelo jornal carioca Correio da Manhã. Além do prestígio firmado ao longo dos anos, junto à seleção pentacampeã mundial, o concurso rendeu-lhe um estágio no próprio jornal.
Como escritor, obteve também um Prêmio Esso de Jornalismo, um Prêmio da Bienal Nestlé de Literatura Brasileira e cinco prêmios Açorianos. Entre romances, contos e pesquisas, sua obra compreende quase 20 títulos. Em inúmeras ocasiões Schlee retornava a Santa Cruz para palestras, e em 2014 foi patrono da Feira do Livro na cidade. No entanto, sua vinda para o evento acabou cancelada na véspera de sua participação em razão de contratempo de saúde. Mas Santa Cruz estaria sempre em sua memória, e segue fixada em sua literatura.
A ENTREVISTA
Em 2011, Aldyr Garcia Schlee concedeu entrevista à Gazeta do Sul para seção então veiculada no Portal Gaz, o blog Leituras de Mundo, hoje desativado. Por e-mail, respondeu a cinco questões, que acabaram ficando inéditas no impresso. Abaixo, uma das respostas enviadas a partir de sua casa em Capão do Leão por um sempre gentil e atencioso Schlee, o que era uma marca registrada e inconfundível dele.
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Gazeta do Sul – O que a leitura e a literatura representam em tua vida? E, por extensão, que papel pensas que a leitura e a literatura cumprem na vida de qualquer pessoa?
Aldyr Garcia Schlee – Acho que já disse como a leitura e a literatura me ocupam e como me ocupo delas. Mas devo acrescentar, a propósito, que, independentemente do conhecimento da literatura, o que importa é o leitor/escritor passar consciente e competentemente da leitura para a escritura, no pleno domínio da palavra – para que possa usar a palavra como uma forma de tocar o leitor, de fazê-lo sentir, de induzi-lo a imaginar, de ajudá-lo a pensar e recriar o mundo.
Por isso que a literatura não é para diletantes. É para quem tem e sabe o que dizer, tem e sabe por que dizer, tem e sabe quando dizer, tem e sabe para quem dizer. Mas tudo não se esgota num simples processo de comunicação, pois literariamente não basta contar: é preciso mostrar, fazer ver; ou seja: o texto, como forma de concretização da criação literária, deve se impor entre a invenção do autor e a imaginação do leitor – entre aquilo que talvez pudesse ter sido e aquilo que bem poderia ser. Aí, a palavra precisa ser posta a serviço do texto como mediadora entre o inventar e o imaginar, impondo-se e valorizando-se também pela sonoridade que possa oferecer e pela imagem que ajude a construir.
Parece simples: afinal, a literatura se faz com palavras; mas, lidar literariamente com palavras não é coisa vã (como brincava o poeta): é ofício duro e sério – de se dizer, de se redizer, de se desdizer, de se contradizer o que seja, sempre bem e da melhor maneira; é ofício alegre e divertido – de se fazer de conta, de se imaginar, de se admitir que tudo é verdade e não se está mentindo nem inventando; é ofício apaixonante e mágico – de se recriar o mundo, de se ordenar e desordenar vidas, de se interferir na realidade e na irrealidade.
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Homenagem
Conte-me um conto, mas que seja lindo e feio como a vida: o livro do sonho de Aldyr Garcia Schlee – textos, fotografias e literatura. Porto Alegre: Ardotempo, 2019. 144 p. Ilustrado e em capa dura.
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