João chora. Chora sem parar, molhado de suor, mesmo usando apenas uma fraldinha descartável. Parece inchado. Chora aos berros na varanda da casa de quatro cômodos onde vive com a mãe, o pai e cinco irmãos, na Praia de Pau Amarelo, em Paulista, na região metropolitana de Recife. O calor é escaldante sob as telhas de amianto. Não dá para saber se o choro é por calor, fome, fralda suja ou dor. Já sabem, porém, como aquietá-lo. É só dar o remédio: a dose de Rivotril.
Ele tem microcefalia causada pelo zika, vírus transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo vetor da dengue e da chikungunya. Os primeiros casos da zika foram oficialmente notificados há um ano, em abril de 2015, na Bahia. Entre setembro e outubro, gestantes que tiveram a virose começaram a dar à luz bebês com cabeças menores. Dezenas. Centenas. Segundo o Ministério da Saúde, 1.113 casos de má-formação foram confirmados – 189 têm relação com o zika. Nesta semana, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA afirmou que “não restam dúvidas” da causa.
Em crianças como João, de 7 meses, quase tudo é um enigma para a ciência. Imagine para os pais. O choro aflitivo é só um dos desafios. O pai, Fabio da Silva Araújo, de 34 anos, nem sabe explicar como vai criar o filho. Está sem carteira assinada há dois anos e vive de bicos. A mãe, Neide Maria Ferreira da Silva, de 41, diz que não entende muito bem o que é microcefalia, mas já sabe que a sua experiência não vale muito: João é o 12.º filho. É irmão gêmeo de Ana, que não tem a má-formação.
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João chora no colo de Neide. A vizinha Valéria Gomes Ribeiro, de 45 anos, pega o menino. Vira de frente. De lado. Balança. João vai sossegando. Agora, porém, ele olha para o vazio. Parece ausente. Está duro. Costas rígidas. Perninhas rígidas. Bracinhos retraídos. “Ele é assim. Nervoso. Meio durinho. É da doença. Mas o remédio acalma”, explica Valéria.
Rivotril e Neuleptil, ambos tarja preta, são apenas alguns dos medicamentos usados para controle de ansiedade que foram adotados nos primeiros meses de vida de bebês para aplacar o choro.
“São crianças com alterações neurológicas, e quem tem esse tipo de alteração costuma ser mais irritado”, diz Danielle Cruz, coordenadora do Laboratório de Microcefalia do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip). “Alguns são calmos, mas outros a gente só acalma com remédios.” Rivotril ganhou espaço porque tem a versão em gotas. “A gente precisa ir tateando até achar a quantidade certa.”
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Sem padrão
Realidade desconcertante. Por ser uma anomalia nova, a microcefalia causada por zika não tem tratamento testado, aprovado e prescrito. Está sendo desenvolvido à medida que as crianças crescem e as sequelas surgem – sequelas essas que, por sua vez, não têm um padrão. Há casos leves, outros críticos e alguns, fatais: 48 bebês morreram em Pernambuco, não de microcefalia, mas das fragilidades derivadas dela. Especialistas reconhecem que não têm como prever o dia de amanhã. “É tudo novo”, diz a neuropediatra Ana Van Der Linden, do Imip.
Ana é uma das médicas que identificaram que havia um surto de microcefalia no Estado e acompanha a evolução dos casos – e do tratamento. “Nos dois primeiros meses, eles choravam muito. Agora vieram as convulsões. A maioria tem uma boa audição, mas descobrimos que a formação da visão está comprometida.”
Para as mães, a peregrinação imposta pela dedicação diária a múltiplos exames, idas e vindas a hospitais e testes de remédios é uma dor adicional. “Vivo entre a cruz e a espada”, diz a dona de casa Gabriela Ananias, de 31 anos. O filho Lucas, de 6 meses, há três iniciou o tratamento com o antiepilético Sabril. Sem condições de comprar o remédio, que não está na rede pública e custa entre R$ 300 e R$ 350, ela tem recorrido à ajuda de amigos e parentes. “Eu não queria dar o remédio porque é muito forte, mas não tive escolha. Ele estava tendo mais de 50 convulsões por dia.” O bebê já havia sido medicado com Gardenal, mas não respondeu bem.
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Aos 8 meses, Marcela também teve de tratar convulsões. Acompanhada pela equipe do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, ela toma Trileptal. A mãe, a diarista Maria do Carmo da Silva, de 32 anos, não se conforma. “Minha filha era agitada, mas comia bem e eu conseguia fazer nela os exercícios que a fisioterapeuta ensinou”, diz. “Desde que começou a tomar o remédio, só dorme e vomita muito, mas, se eu não dou, me arrependo logo, porque aí os tremores e o choro ficam fortes.”
O pior de tudo é que ninguém, nem especialistas, sabe que limitação a microcefalia vai causar e qual tratamento será o adequado. Juliana da Silva, de 22 anos, define bem a situação. Pedro Henrique, de 5 meses, chora muito, mas não toma remédios, sorri para ela, faz fisioterapia. Ainda assim, ela vive tensa. “Eu não sei o que ele vai ter quando acordar amanhã.”
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