Cheguei cedo ao pátio ensolarado e vazio das salas de catequese e fiquei aguardando a aula de preparação para a primeira comunhão. Dos fundos da antiga residência dos padres, na Rua Thomaz Flores, surgiu Dom Alberto Etges, em sua indefectível batina preta. O primeiro bispo de Santa Cruz me cumprimentou com seu cativante sorriso, olhou para o céu e disse: “Que dia abençoado. Oxalá continue assim”. Curioso, indaguei: “O que é oxalá?”.
Com sua calma característica, ele explicou: “Oxalá vem da expressão árabe wa xa Allah, que quer dizer ‘queira Deus’”, herança da longa presença moura na Península Ibérica. Ainda completou dizendo: “Não importa como muçulmanos, cristãos ou judeus O chamam; Deus é sempre o mesmo”. Aos oito anos, não entendi o real significado daquelas palavras, mas escrevi o que ouvi em meu caderno e, talvez por isso, jamais esqueci da lição. Ela retorna à mente, em especial, quando estou em contato com povos de outras religiões, culturas e hábitos.
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Com o tempo, compreendi que, em vez de temer a dúvida e a ambiguidade, pode-se aprender com as incertezas, inclusive sobre nós mesmos. Sem precisar negar as próprias crenças, fiquei fascinado com a fé de ortodoxos eslavos, com ensinamentos budistas que são uma receita para a serenidade, com a complexidade do hinduísmo, com a devoção de muçulmanos e judeus, entre tantos outros exemplos pelo mundo.
É um privilégio e foi também uma escolha aliar a profissão com viagens e mudanças de residência. Ao mesmo tempo, o encantamento do aprendizado, dos encontros e das paisagens traz a responsabilidade de partilhar. Desde a adolescência, escrevo sobre o que vi e vivi. Sempre me assustou a ideia de que uma descoberta ou percepção não registrada possa se perder com o tempo, em um desperdício de inspiração e conhecimento.
Embarque imediato, meu novo livro, que lancei neste sábado pela manhã na Livraria e Cafeteria Iluminura, no centro de Santa Cruz do Sul, e que é tema da capa desta edição do Magazine, assim como meu primeiro livro, Mar incógnito, é resultado desses registros. Um voo sobre os territórios da incerteza, em seus significados de dúvida, instigação e perplexidade, com relatos e experiências que conduzem à reflexão, por vezes em áreas aparentemente alheias a lugares e povos específicos.
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Obviamente, as jornadas nunca são só geográficas. O cotidiano e, de forma especial, a literatura, possibilitam viagens permanentes, causando uma reação em cadeia para os amigos da incerteza. Viagens, reflexões e descobertas formam a receita de uma viagem pelos céus calmos e, por vezes, turbulentos das páginas de Embarque imediato. Última chamada!
Para os fãs do futebol, a Copa do Mundo pode também gerar uma aula de curiosidades históricas. Apesar das iniquidades do Catar, do escárnio da carne dourada, da corrupção da Fifa, dos picos de euforia e dos vales de frustração com a atual seleção canarinho, o que sobressai é uma harmoniosa batalha entre estilos de jogo e formas de expressão, traduzindo o congraçamento entre nações através de calorosos embates esportivos. Tais duelos também podem evocar rivalidades da história. Para ficarmos somente com as partidas que tivemos nesta edição:
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1) Enfrentamentos entre Marrocos e as nações ibéricas relembram a invasão portuguesa do norte da África que resultou na morte do regente lusitano em 1578 e deu origem ao ainda presente Sebastianismo, assim como a ocupação de Ceuta, enclave marroquino que segue sob controle espanhol. 2) Confrontos do Irã com os Estados Unidos e a Inglaterra trazem à memória o nefasto apoio anglo-americano à deposição de um líder democraticamente eleito, em favor de um monarca fantoche (o Xá Pahlavi) que depois acabou derrubado por aiatolás extremistas. 3) Partidas da Inglaterra contra França e País de Gales evocam a tomada dos normandos que deu origem à realeza britânica no século 11, assim como mais de mil anos de animosidade entre galeses e ingleses. 4) França x Dinamarca lembra assaltos vikings ao norte francês no século 9, enquanto feridas coloniais vêm à mente quando a Tunísia enfrenta Mbappé (filho de um senegalês com uma argelina) e demais afrodescendentes dos “Les Bleus”.
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E o Brasil? Os comandados de Tite parecem uma paródia do atual estado da nação verde-amarela, excessivamente polarizada, individualista e misturando política partidária em tudo, sem o foco necessário naquilo que está em jogo. Dessa forma, no futebol ou na vida, não precisamos de inimigos externos.
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É claro que outras Copas virão, mas é bom lembrar que qualquer recuperação, apesar de lenta e gradual, precisa começar hoje. Que o espírito natalino ilumine corações e mentes, reúna amigos, reconcilie famílias e mostre que podemos divergir respeitosamente, enquanto buscamos, com serenidade e democracia, objetivos nobres, inclusivos e promotores do bem comum. Feliz Natal!
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