Cultura e Lazer

Ulisses Da Motta: “Dia 3 – A força das narrativas “

Nesta terceira noite do Festival, podemos dizer que os destaques foram as narrativas. Roteiros muitíssimo bem idealizados e realizados, mesmo quando não há diálogos. Vamos a eles:

Nós que Fazemos Girar (direção de Lucas Furtado): assim como o Fantasma Neon, exibido na terça, este filme gaúcho aborda como tema os entregadores de aplicativo. Porém, a abordagem conceitual é de outra monta, quase oposta. É um documentário mais tradicional, com entrevistas com diferentes personagens reais. A amplitude das histórias ajuda a traçar um panorama sobre a situação destes trabalhadores, ao passo em que a gente fica com vontade de saber mais das histórias individuais. O casal que se conhece nas greves dos entregadores é de aquecer o coração.

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O Pato (direção de Antônio Galdino): filmado no interior da Paraíba, este filme nos imerge no Brasil profundo rural e negro com impressionante rigor de linguagem. É um audiovisual na melhor acepção da palavra: tudo é visual, com a câmera sempre fixa, mas o desenho de som excepcional cria a ambiência e sutilmente ajuda a contar a história. Nos cerca de 10 minutos, não se fala uma única palavra e elas não fazem falta. O Pato consegue jogar para nós discussões sobre ser mulher, ser preta, ser criança, ser adulta, ser brasileira num lugar de solidão (tanto geográfica quanto emocional). Norma Goes arrasa com uma performance visceral e silenciosa. Meu novo predileto.

Último Domingo (direção de Joana Claude e Renan Brandão): inspirada na ideia de colocar esta produção ao lado de O Pato, porque ambas dialogam e se atravessam de diversas maneiras. A protagonista também é uma mulher negra no sertão brasileiro. Mas esse país é tão rico que nos proporciona que dois filmes assim sejam tão diferentes. Último Domingo é mitológico, adaptando livremente Saramago (que, por sua vez, adaptou a tradição da Anunciação bíblica). A mítica cristã é subvertida nas representações de Maria, José, do arcanjo Gabriel e na representação dos Três Magos, aqui mais juízes do que sábios. A fotografia é maravilhosa e há um cuidado extra no efeito visual da areia brilhante deixada pelo anjo. Uma pena que o filme precise ser um curta: estava pronto para que seu enredo se desenrolasse por um par de horas.

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Serrão (direção de Marcelo Lin): um músico volta à sua comunidade após sair da prisão e tenta se restabelecer. Comentei na coluna dessa quarta-feira, 26, que premissas simples são as melhores para explorar filmes mais ousados e simbólicos. Os realizadores buscam aqui ressignificar sons e imagens das comunidades na busca de uma nova estética periférica. Serrão quer menos contar uma história do que fazer um cinema de momentos, invocando diferentes referências: das pinturas rupestres no barraco às escuras a uma angustiante releitura da famosa cena do olho de Um Cão Andaluz (1929, de Luis Buñuel e Salvador Dalí).

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Ninguém Nunca Vai te Amar Como Eu te Amo (direção de Fernanda Magalhães e Gustavo Gumes): as entranhas do machismo numa baita sacada de roteiro. A dupla de diretores traz à tela a história de Beto, um homem que se relaciona com um manequim de loja com quem conversa como se fosse uma mulher real. Nos primeiros segundos, parece ser um romântico pueril; não demora para descobrirmos, contudo, que Beto usa a impassividade da manequim para ter com ela uma relação abusiva livre. Essa exploração das entranhas do machismo deve deixar muitos homens no topo da cadeia de privilégios incomodados, em especial com sua revelação final. Pena que quem mais precisa assistir a filmes assim sequer sabem que eles existem… A direção de arte que consegue transformar o ambiente num “cafona artístico” é digna de nota.

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A Diferença entre Mongóis e Mongolóides (direção de Jonatas Rubert): é possível um filme te dar um soquinho nos rins e ao mesmo tempo te deixar com um sorriso no rosto? Essa animação de colagens em cima de um depoimento pessoal do diretor sobre seu irmão com síndrome de Down consegue precisamente isso. Com agilidade e criatividade, o menor curta da mostra competitiva até o momento aborda um tema complexo de maneira afetuosa e humana. O texto descomplicado é excelente.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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