Por Beatrice Dummer. De Torino, Itália.
Exclusivo para o Magazine
Se você chegar à Itália declarando seu amor pelo chocolate suíço, prepare-se: isso pode soar quase como uma ofensa por aqui. E não sem razão. O que poucos sabem – e os italianos fazem questão de lembrar – é que o verdadeiro berço do chocolate europeu não está na Suíça, mas sim em Turim, no coração do Piemonte.
E foi aqui que, ainda no século 16, o chocolate chegou das Américas e encontrou abrigo na corte da poderosa Casa de Savoia. De bebida amarga e cerimonial, rapidamente se transformou em uma iguaria quente, perfumada e sofisticada, servida com elegância nos salões da nobreza. Muito antes de os suíços ganharem fama, os mestres chocolateiros de Turim já moldavam o cacau com paixão, técnica e uma tradição que se mantém viva até hoje.
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Esse saber não era apenas ensinado – era vivido. Transmitido com orgulho, de mestre para aprendiz, de pai para filho, nos pequenos laboratórios artesanais onde cada movimento carregava história. Ali, o chocolate não era apenas um doce. Era um legado.
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Nas ruelas antigas da cidade, há também uma lenda que resiste ao tempo – daquelas histórias que misturam realidade e encantamento. Conta-se que um mestre chocolateiro, tão bem-sucedido e renomado, despertou a atenção do próprio rei da Casa de Savoia. O artesão era dono de uma famosa chocolateria e desfilava pela cidade com uma imponente carruagem puxada por quatro cavalos – um símbolo claro de prestígio e poder na época.
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Ao ver tamanha ostentação, o rei se sentiu ofendido. Afinal, nem mesmo sua carruagem real era tão grandiosa: era puxada por apenas dois cavalos. Como poderia um simples chocolateiro exibir um status superior ao de Sua Majestade? Considerando aquilo um insulto à coroa, ordenou:
“Diga a ele que remova dois cavalos. Não é admissível que um simples artesão tenha mais que o rei.”
O mestre, obediente e perspicaz, acatou a ordem – mas com um toque de irreverência criativa. Retirou os cavalos da carruagem, como mandado, e colocou dois cavalos de chocolate na vitrine de sua loja. Um protesto sutil, inteligente e, claro, deliciosamente simbólico. Dizem que a cidade inteira comentou o gesto, e a história atravessou gerações.
Essa anedota revela não apenas o humor refinado dos mestres chocolateiros da época, mas também o prestígio que conquistaram. Eram tão influentes – e lucrativos – que alguns chegaram a atuar como “bancos informais”, emprestando dinheiro com juros altíssimos.
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No coração de Turim, entre palácios e cafés históricos, está a Cioccolateria Stratta – uma joia da tradição piemontesa, fundada em 1836 e outrora fornecedora oficial da Casa Real de Savoia. Tive o prazer de entrevistar Matteo Rangoni, atual responsável pela casa e bisneto do fundador. Com apenas 24 anos, Matteo conduz a Stratta com a missão de manter vivas as raízes da família, sem abrir mão da inovação.
Durante quase 200 anos, a cioccolateria permaneceu como um negócio familiar. Segundo ele, o segredo está na qualidade da matéria-prima – sempre local e piemontesa. Um exemplo é o uso da nocciola tonda gentile, base de uma das receitas mais emblemáticas (e guardadas a sete chaves): o Gianduiotto, um chocolate que mistura pasta de avelã e chocolate para criar um sabor profundo, aveludado e inesquecível. Eu provei – e posso confirmar: é realmente maravilhoso!
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“O segredo para um bom chocolate está na conchagem – um processo lento em que o chocolate é refinado por horas para desenvolver textura e sabor – e na temperagem, que exige precisão na curva de temperaturas: aquece-se, esfria-se e, por fim, estabiliza-se à temperatura ideal”, explicou Matteo.
Além disso, um bom chocolate deve ter brilho. Quando derrete na boca, todos os ingredientes devem se fundir de forma equilibrada – como se fossem um só sabor.
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Perguntei também sobre o cenário atual no mundo do chocolate em Turim. Matteo contou que existe uma concorrência saudável entre as chocolaterias da cidade, todas com um objetivo em comum: levar o chocolate torinese – especialmente o Gianduiotto – ao reconhecimento internacional. Inclusive, a Stratta exporta os seus irresistíveis chocolates para o Brasil, caso você tenha ficado com vontade de experimentar!
Mas o chocolate vai muito além do sabor – ele também carrega lembranças e emoções. Crescendo em uma família que respira chocolate, Matteo guarda com carinho as memórias dos ovos de Páscoa que recebia na infância. Ele se lembra que era sempre divertido tentar abri-los – e justamente por não ser fácil. Os ovos eram grandes, artesanais e feitos com chocolate de altíssima qualidade, com uma estrutura firme. Quebrá-los se tornava quase um jogo: um desafio prazeroso, que fazia parte do encanto da data. Segundo ele, “um bom chocolate não deve ser macio demais – precisa oferecer resistência, quebrar com certa dificuldade e até emitir um som específico”.
E é com esse som – o estalo seco de um bom chocolate, que degusto aqui da Stratta – que encerro esta edição especial. Desejo a você uma Páscoa doce e luminosa. Direto da cidade onde o chocolate é tratado como arte.
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